Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 021/2024
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 052/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera o caput do Art. 2.º da Lei Municipal n.º 4.498/2023, que autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar temporariamente 30 (trinta) Agentes de Combate a Endemias e dá outras providências"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei de Executivo nº 021/2024 à Câmara Municipal, o qual “Altera o caput do Art. 2.º da Lei Municipal n.º 4.498/2023, que autoriza o Poder Executivo Municipal a contratar temporariamente 30 (trinta) Agentes de Combate a Endemias e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O Projeto de Lei de Executivo nº 021/2024 pretende alterar o prazo da contratação da Lei Municipal nº 4.498/2023 a qual autorizou o Município de Guaíba contrate temporariamente 30 (trinta) Agentes de Combate a Endemias, através do permissivo do artigo 37, inciso IX, da CF/88, (seis meses, prorrogáveis por igual período), valendo-se de processo seletivo simplificado, mediante análise curricular, títulos e entrevista pessoal, tendo em vista a alteração estatutária que alterou o art. 218 da Lei Municipal nº 2.586/2010, estendendo de 6 meses para um ano o prazo das contratações temporárias.

O proponente justifica a proposta com o fato de que “Trata-se de alteração legislativa adequando o prazo da contratação dos profissionais ao que prevê a nova Lei Municipal e a necessidade latente que apresenta a Secretaria de Saúde, de modo que justifica a necessidade pela escalada de casos de dengue no Estado do Rio Grande do Sul e na cidade de Guaíba, que no momento são 33 casos notificados e 04 casos confirmados, apontando para a entrada em uma epidemia, fato que obriga a intensificação da prevenção”.

Constata-se que a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no art. 18 da CF/88, que garante a autonomia a este ente, e no art. 30 da CF/88, que assegura a autoadministração e a autolegislação com um conjunto de competências materiais e legislativas para os Municípios:

Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes leciona: "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9. ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente ao interesse local.

Com efeito, há permissivo constitucional da contratação por tempo determinado, desde que esteja atendida a necessidade temporária de excepcional interesse público:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

[...]

IX – a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;

           

Em âmbito local, o permissivo constitucional (art. 37, inciso IX, da CF/88) foi regulamentado pelo Estatuto do Servidor Público do Município de Guaíba, que prevê, em seu Título X, a contratação temporária de excepcional interesse público:

TÍTULO X

DA CONTRATAÇÃO TEMPORÁRIA DE EXCEPCIONAL INTERESSE PÚBLICO

Art. 216 Para atender a necessidades temporárias de excepcional interesse público, poderão ser efetuadas contratações de pessoal por tempo determinado.

Art. 217 Consideram-se como necessidade temporária de excepcional interesse público, as contratações que visam a:

I – atender a situações de calamidade pública;

II – combater surtos epidêmicos;

III – atender outras situações de emergência que vierem a ser definidas em lei específica.

IV – atender programas ou ações governamentais temporários definidos por lei especifica.

Art. 218. As contratações de que trata este capítulo serão realizadas por prazo determinado de 01 (um) ano com possibilidade de serem prorrogados por igual período.

Nos casos de contratação temporária, não é necessária a realização de concurso público, exigindo-se, como regra, a realização de processo seletivo simplificado (art. 3º, caput, da Lei nº 8.745/1993). Apenas nas situações previstas no § 1º do art. 3º da Lei Federal nº 8.745/1993 é possível dispensar a realização do processo seletivo, como forma de impulsionar a pronta ação do Poder Público para fazer face às necessidades de interesse público:

 

Art. 3º (...)

  • A contratação para atender às necessidades decorrentes de calamidade pública, de emergência ambiental e de emergências em saúde pública prescindirá de processo seletivo. (Redação dada pela Lei nº 12.314/2010 – MP 922/2020 com vigência esgotada no dia 29/6/2020)

 

Dessa forma, considerando as razões expostas na justificativa para a contratação, entende-se necessária a realização de processo seletivo simplificado. As Cortes de Contas têm sido rígidas quanto à obrigatoriedade de realizar o processo seletivo com critérios objetivos para efetivação das contratações autorizadas em lei. Veja-se o exarado pelo TCE/RS e em seguida pelo TCU:

TCE/RS: Tipo Processo AUDITORIA DE ADMISSÃO Número 006484-02.00/14-1 Exercício 2012: Publicação 29/08/2017 Boletim 1303/2017 “Com efeito, as mesmas se colocam num contexto de reiteração dos contratos, o que demonstra o caráter permanente das demandas, restando descaracterizada a necessidade temporária de excepcional interesse público, nos termos estipulados na Constituição da República (art. 37, inc. IX). Além disso, conforme consignado no Relatório de Auditoria (fl. 81), “o Município não realiza concurso desde o ano de 2005, configurando inércia da administração na realização de concurso público. Em relação aos demais 53 ingressos, oriundos de contratação por tempo determinado examinados neste feito, verifico que não foram precedidos de processo seletivo simplificado ou outro critério que assegurasse o respeito aos princípios da impessoalidade, da igualdade e da moralidade, nos termos do entendimento fixado por este Tribunal no Pedido de Orientação Técnica nº 7577- 02.00/10-0”.

9.2.3.1. utilize critérios objetivos de seleção de pessoal, assegurando a isonomia entre os interessados, a impessoalidade, a transparência e a publicidade dos procedimentos; restrinja a avaliação de habilidades dos candidatos, inclusive a avaliação psicológica, àquelas que sejam indispensáveis ao desempenho das funções a serem executadas, adotando sempre critérios claros, objetivos, previamente definidos e divulgados em edital; e suprima a fase de entrevista nas hipóteses em que sua finalidade não for avaliar os conhecimentos dos candidatos por meio de critérios objetivos pré-fixados e com conteúdo programático previamente divulgado em edital; (Acórdão nº 969/2006 – Plenário TCU)

O TCE/SC, no Prejulgado nº 1927, estabeleceu um rol exemplificativo de critérios que o edital de seleção precisa conter para que sejam atendidos os princípios constitucionais fundamentais para a lisura e idoneidade do processo, a fim de orientar os gestores e seus servidores na elaboração do edital. Leia-se, ainda, o entendimento do TCE/SP:

Sessão: 26/8/2014 76 TC-000531/009/08 - Acompanha(m): Expediente: TC000425/016/13. Não obstante, impende notar que os órgãos que se manifestaram nos autos verificaram a existência de edital contendo regras que se mostraram contrárias aos princípios constitucionais da isonomia, igualdade e impessoalidade, sendo este entendimento corroborado pelo e. Conselheiro Julgador Singular. (...) Verifico, por outro lado, que os professores foram selecionados por meio do processo seletivo simplificado nº 1/2007, que segundo o edital foi realizado em etapa única, consistente em: apresentação de títulos e tempo de serviço. Neste caso foi pontuado o tempo de serviço prestado ao município e por esta razão, considerando as decisões exaradas no âmbito deste E. Tribunal de Contas, bem como em razão do princípio da impessoalidade, considero que não há como se acolher a prática adotada, que privilegia aqueles que já trabalham ou trabalharam no município. Cito a título de ilustração o TC – 406/002/10.

Verifica-se estar correta a proposição quando fixa um prazo determinado à duração dos contratos, com previsão da possibilidade de prorrogação pelo idêntico período de um ano, pois a providência está justificada na exata medida das necessidades de atendimento às demandas administrativas.

Importante destacar o tema de repercussão geral do STF nº 612, quanto aos requisitos para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos:

Tema 612. Nos termos do art. 37, IX, da Constituição Federal, para que se considere válida a contratação temporária de servidores públicos, é preciso que: a) os casos excepcionais estejam previstos em lei; b) o prazo de contratação seja predeterminado; c) a necessidade seja temporária; d) o interesse público seja excepcional; e) a contratação seja indispensável, sendo vedada para os serviços ordinários permanentes do Estado que estejam sob o espectro das contingências normais da Administração.

Verifica-se, ademais, que a configuração da seleção a ser adotada pela Administração Municipal na proposta em análise está de acordo com parâmetros estabelecidos pelo Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul (TCE-RS) na Informação 010/2011.

A regulamentação para contratação destes profissionais está na Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006, que dispôs, com maior detalhamento, sobre os cargos públicos, a contratação e a carreira dos agentes. Da disciplina legal, é possível extrair os principais destaques:

Art. 8º Os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate às Endemias admitidos pelos gestores locais do SUS e pela Fundação Nacional de Saúde – FUNASA, na forma do disposto no § 4º do art. 198 da Constituição, submetem-se ao regime jurídico estabelecido pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, salvo se, no caso dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, lei local dispuser de forma diversa.

Art. 9º A contratação de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias deverá ser precedida de processo seletivo público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade de suas atribuições e requisitos específicos para o exercício das atividades, que atenda aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Art. 9º-A. O piso salarial profissional nacional é o valor abaixo do qual a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não poderão fixar o vencimento inicial das Carreiras de Agente Comunitário de Saúde e de Agente de Combate às Endemias para a jornada de 40 (quarenta) horas semanais.

  • 1º O piso salarial profissional nacional dos Agentes Comunitários de Saúde e dos Agentes de Combate às Endemias é fixado no valor de R$ 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta reais) mensais, obedecido o seguinte escalonamento: (Redação dada pela lei nº 13.708, de 2018)

I - R$ 1.250,00 (mil duzentos e cinquenta reais) em 1º de janeiro de 2019; (Incluído pela lei nº 13.708, de 2018)

II - R$ 1.400,00 (mil e quatrocentos reais) em 1º de janeiro de 2020; (Incluído pela lei nº 13.708, de 2018)

III - R$ 1.550,00 (mil quinhentos e cinquenta reais) em 1º de janeiro de 2021. (Incluído pela lei nº 13.708, de 2018)

Art. 14. O gestor local do SUS responsável pela admissão dos profissionais de que trata esta Lei disporá sobre a criação dos cargos ou empregos públicos e demais aspectos inerentes à atividade, observadas as determinações desta Lei e as especificidades locais. (Redação dada pela Lei nº 13.595, de 2018)

Art. 16. É vedada a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde e de Agentes de Combate às Endemias, salvo na hipótese de combate a surtos epidêmicos, na forma da lei aplicável. (Redação dada pela Lei nº 12.994, de 2014)

Verifica-se que: a) os Agentes Comunitários de Saúde e os Agentes de Combate a Endemias submetem-se, como regra, ao regime celetista, salvo se a lei local dispuser de modo diverso, prevendo a aplicação do regime estatutário; b) a contratação, como já referido, ocorre por processo seletivo público; c) há piso salarial profissional nacional fixado de forma escalonada; d) compete aos gestores locais do SUS a criação dos cargos ou empregos públicos e a definição dos aspectos inerentes às atividades; e) é vedada, como regra, a contratação temporária ou terceirizada de Agentes Comunitários de Saúde, com exceção da hipótese de combate a surtos epidêmicos.

Como se percebe, só é possível contratar temporariamente Agentes de Combate às Endemias e Agentes Comunitários de Saúde para combater surtos epidêmicos, sendo esse um requisito indispensável à regularidade jurídica da medida pretendida.

A respeito do assunto, a jurisprudência do TCE/RS vem se manifestando no sentido de negar registro às admissões de agentes temporários para a função de combate a endemias ou saúde comunitária quando não estejam justificadas para o enfrentamento de surtos epidêmicos. Leia-se, por exemplo, a Auditoria de Admissão nº 012613-0200/17-4:

Quanto aos quatro ingressos decorrentes de contratação por tempo determinado, constantes do Modelo V, Título 2, Item 23 (fl. 12), para os cargos de Técnico em Enfermagem (Lei Municipal 1.561/2015) e Agente de combate a endemias (Lei Municipal 1.562/2015), entendo que as admissões não estão em condições de receber a chancela deste Tribunal de Contas. [...] Especificamente para o cargo de Agente de combate a endemias, há vedação expressa no artigo 162 da Lei Federal nº 11.350/2006, para contratação de tal função por prazo determinado, exceto nas situações de combate a surtos epidêmicos, fato que não ficou demonstrado nos autos.

 

Também, a Auditoria de Admissão nº 009654-0200/17-9:

Com relação aos 18 (dezoito) ingressos decorrentes de contratação por tempo determinado, constantes do Modelo II, Titulo 2, Item 53, (fl. 37), para o cargo de Servente de Pedreiro (Lei Municipal 3.367/2015), Agente de Combate a Endemias (Lei Municipal 3.369/2.015) e Técnico de Enfermagem (Lei Municipal 3.398/2016), entendo que as admissões não estão em condições de receber a chancela deste Tribunal de Contas. [...] Além das sucessivas contratações, especificamente para o cargo de Agente Combate às Endemias (Lei Municipal 3.369/2.015), há vedação expressa no artigo 16 da Lei Federal nº 11.350/2006, para contratação de tal função por prazo determinado, exceto nas situações de combate a surtos epidêmicos, fato que não ficou demonstrado nos autos.

Portanto, considerando que o Tribunal de Contas aprecia, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal referentes às contratações de excepcional interesse público (art. 71, III, da CF/88), está correta a justificativa do projeto por parte do proponente, buscando demonstrar a direta vinculação da contratação temporária de Agentes Comunitários de Saúde  ao enfrentamento de surtos epidêmicos, o que foi devidamente ressaltado pelo proponente em sua exposição de motivos.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 021/2024, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a vinculação da contratação temporária dos Agentes Comunitários de Saúde ao enfrentamento de surtos epidêmicos, nos termos do art. 16 da Lei nº 11.350, de 5 de outubro de 2006.

É o parecer.

Guaíba, 23 de fevereiro de 2024.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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23/02/2024 11:11:22
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