Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 017/2024
PROPONENTE : Ver. Marcão do Povo
     
PARECER : Nº 046/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre afixação de cartazes nos estacionamentos, públicos e privados, alertando sobre o abandono involuntário de menores no interior dos veículos"

1. Relatório:

O Vereador Marcão do Povo (REP) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 017/2024 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre afixação de cartazes nos estacionamentos, públicos e privados, alertando sobre o abandono involuntário de menores no interior dos veículos”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida pretendida por meio do Projeto de Lei do Legislativo nº 017/2024 se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município, não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22 da CF/88), a proposta define um novo instrumento de garantia dos direitos à proteção da saúde.

Neste contexto, na medida em que, na forma do disposto no art. 13, I, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, compete aos Municípios, além da previsão constante na Constituição Federal e ressalvada a do Estado, exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais, tem-se por viável a edição de norma municipal determinando aos estabelecimentos que identifica a fixação de cartazes.

Hely Lopes Meirelles leciona que “o poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.” (Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 134). Trata-se de prerrogativa própria de Estado que limita ou condiciona o exercício de liberdades individuais visando atender ao interesse público, que pode envolver, por exemplo, a satisfação coletiva do direito à saúde da população vulnerável, tal como propõe o Projeto de Lei nº 017/2024.

Por fim, tratando-se de medida para a proteção de crianças e adolescentes, tem-se compatibilidade com o art. 227 da CF/88: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”

Desse modo, não há dúvidas de que todas as medidas políticas que, de algum modo, impliquem a obrigação de assegurar publicidade à atividade pública, sobretudo para a proteção de crianças e adolescentes, possuem respaldo constitucional. Inclusive, a determinação que se pretende instituir também encontra amparo na legislação federal. A Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011, regula o direito ao acesso a informações previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da CF/88, disciplinando os procedimentos a serem observados pela União, Estados, DF e Municípios para a garantia dessa prerrogativa pública. Importante, nesse caso, transcrever o artigo 3º, que institui as diretrizes da publicidade das informações de interesse coletivo ou geral:

Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com as seguintes diretrizes:

I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção;

II - divulgação de informações de interesse público, independentemente de solicitações;

III - utilização de meios de comunicação viabilizados pela tecnologia da informação;

IV - fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública;

V - desenvolvimento do controle social da administração pública.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Legislativo nº 017/2024 é promover a proteção e a saúde das pessoas, medida que se alinha aos vários direitos fundamentais estabelecidos na CF/88 (direito à vida, à saúde, à integridade física).

Não obstante, para que não haja usurpação da iniciativa do Chefe do Executivo à deflagração do processo legislativo, é importante que seja mantida apenas a expressão “privados”. Isso porque, caso determine a afixação de cartazes em estacionamentos públicos, o Projeto de Lei nº 017/2024, de autoria parlamentar, estará tratando da matéria de organização administrativa e atribuições das secretarias e órgãos da Administração Pública, cuja iniciativa é reservada ao Prefeito, na forma do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88 e artigo 60, II, “d”, da CE/RS, aplicada por simetria aos municípios, por se tratar de normas constitucionais de reprodução obrigatória.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, a Procuradoria Jurídica opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Legislativo nº 017/2024, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua tramitação e análise pormenorizada das Comissões permanentes, desde que apresentado substitutivo suprimindo a expressão “públicos” e corrigindo a redação em toda sua extensão, bem como prevendo as multas em UFIRMs e não em salários mínimos. Também é necessária a correção do art. 3º, em observância à LC 95/98. Sugere-se o seguinte substitutivo:

SUBSTITUTIVO AO PLL Nº 017/2024

DISPÕE SOBRE AFIXAÇÃO DE CARTAZES NOS ESTACIONAMENTOS PRIVADOS, ALERTANDO SOBRE O ABANDONO INVOLUNTÁRIO DE MENORES NO INTERIOR DOS VEÍCULOS.

Art.1º Ficam os proprietários e os responsáveis por estacionamentos privados obrigados a afixar nas suas dependências, em local visível, cartazes informativos, com o seguinte dizer: “Aviso aos pais e responsáveis: "SOLICITAMOS QUE ATENTEM PARA SEUS FILHOS OU MENORES DE IDADE NO INTERIOR DO VEÍCULO AO SAIR DELE.”

Art. 2º Os estacionamentos que descumprirem esta Lei estarão sujeitos às seguintes penalidades:

I – advertência na primeira ocorrência;

II - multa de 50 UFIRMs na segunda ocorrência;

III – multa equivalente ao dobro da prevista no inciso II deste artigo nas ocorrências subsequentes.

Art. 3º Esta Lei entra em vigor 90 dias após a sua publicação.

 

É o parecer.

Guaíba, 15 de fevereiro de 2024.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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15/02/2024 11:10:33
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