Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 012/2024
PROPONENTE : Ver. Dr. João Collares
     
PARECER : Nº 040/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Veda a exigência, pelo cliente, de que profissionais responsáveis por entregas a domicílio adentrem os espaços de uso restrito de condomínios residenciais no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Dr. João Collares (PDT) apresentou à Câmara Municipal o Projeto de Lei do Legislativo nº 012/2024, que “Veda a exigência, pelo cliente, de que profissionais responsáveis por entregas a domicílio adentrem os espaços de uso restrito de condomínios residenciais no Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal.

2. Mérito:

Cabe, antecipadamente, analisar se a proposição encontra respaldo no que diz respeito à competência legislativa e à competência material propriamente dita do Município, contemplando ou não o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios:

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

I - direito tributário, financeiro, penitenciário, econômico e urbanístico;

II - orçamento;

III - juntas comerciais;

IV - custas dos serviços forenses;

V - produção e consumo;

VI - florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição;

VII - proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico;

VIII - responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;

Diante desse contexto constitucional normativo, deve-se analisar a compatibilidade das proposições municipais a fim de considerar a possibilidade de que o Município institua norma sobre direitos do consumidor, como pretende a proposição, sem que isso caracterize desarmonia com o as regras constitucionais de competência, sendo as regras de distribuição de competências legislativas alicerces do federalismo.

 

Constata-se que a Constituição Federal assegura à União a competência material e legislativa para dispor sobre consumo e direito do consumidor (artigo 24, inciso V, da Constituição da República), efetivamente a matéria sobre a qual o Projeto de Lei do Legislativo nº 012/2024 pretende dispor. No exercício dessa competência material, cabe à União legislar sobre a matéria, quando não inserida no campo do interesse local, o que não parece ser o caso. Assim, verifica-se que a carta republicana, na repartição das competências aos entes federados não conferiu aos municípios a possibilidade de legislar sobre o assunto, que diz respeito à competência da União.

Sendo assim, a proposição local vai de encontro ao entendimento do E. Supremo Tribunal Federal, que vem assentando que só à União cabe a competência para legislativa sobre a matéria:

  1. Agravo regimental em recurso extraordinário com agravo. 2. Direito Constitucional. 3. Direito do consumidor. Competência concorrente. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre direitos do consumidor. Precedentes. A decisão do Tribunal de origem está em consonância com o entendimento desta Corte. 4. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 5. Agravo regimental a que se nega provimento. Sem majoração da verba honorária. AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 883.165 RIO DE JANEIRO RELATOR, MIN. GILMAR MENDES.

Da análise das referidas normas, tanto federais, estaduais e da norma local proposta, além da jurisprudência, percebe-se que as limitações que tais regulamentos impõem são matéria de competência legislativa da União. Nesse sentido verifica-se ainda o entendimento do TJRS:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE ALVORADA. LEI Nº 3.142/2017 DE INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO LOCAL. DISPOSIÇÃO SOBRE DIREITO DO CONSUMIDOR. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. IMPOSIÇÃO DE MULTA E FISCALIZAÇÃO. INGERÊNCIA SOBRE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. É inconstitucional a Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que regula matéria relativa a direito do consumidor e de responsabilidade por dano ao consumidor, matérias cuja competência legislativa é da União, em concorrência com os Estados e o Distrito Federal. De mais a mais, in casu, o vício de origem ou de iniciativa também acarreta violação ao princípio constitucional da Separação dos Poderes. Ainda, a imposição de multa pela Secretaria da Fazenda em caso de descumprimento das obrigações previstas ao comerciante pela lei local, também importa em aumento de despesas da Administração Pública, pela necessidade de composição de pessoal para a fiscalização de cumprimento da norma e imposição das penalidades. Presença de vício de inconstitucionalidade de ordem formal e material por ofensa ao disposto nos artigos 8º, caput, 10, 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos II, III e VII, 149, incisos I, II e III, e 154, inciso I, da Constituição Estadual, combinados com o artigo 24, incisos V e VIII, da Constituição Federal. PEDIDO JULGADO PROCEDENTE. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70077662815, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Tasso Caubi Soares Delabary, Julgado em: 26-11-2018)

As sanções que se pretendem instituir poderiam caracterizar, ainda, interferência desproporcional à livre iniciativa, à ordem econômica e ao direito de propriedade insculpidos na Carta Republicana, extrapolando o poder de polícia e causando interferência do Estado na propriedade privada. Cabe ainda referir que tal vedação pode impor dificuldades a pessoas idosas, com dificuldade de locomoção ou mobilidade reduzida, com doenças raras e pessoas com deficiência.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela possibilidade de devolução da proposição, por inconstitucionalidade manifesta (art. 94 RI), por invadir a competência legislativa da União, notadamente por consistir em norma que trata sobre consumo, em desrespeito às regras de distribuição de competência conferidas pelo art. 24, V, da CF/88.

É o parecer.

Guaíba, 08 de fevereiro de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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08/02/2024 12:57:09
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