Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 171/2023
PROPONENTE : Ver. Marmotha
     
PARECER : Nº 038/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria e denomina o espaço para comércio de artesanato na cidade de Guaíba na Praça da Juventude, ao longo da Avenida Getúlio Vargas, denominando-o Brick da Juventude"

1. Relatório:

O Ver. Marmotha (SDD) apresentou o Projeto de Lei nº 171/2023 à Câmara Municipal, o qual “Cria e denomina o espaço para comércio de artesanato na cidade de Guaíba na Praça da Juventude, ao longo da Avenida Getúlio Vargas, denominando-o Brick da Juventude”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais ou ilegais (art. 94, §1º). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 94, parágrafo único do RI.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, estando prevista, no inciso I, a competência para legislar sobre assuntos de interesse local. A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, pois a proposta pretende dispor sobre regras de trânsito no âmbito local. Tal medida se insere na competência municipal e está alinhada aos objetivos previstos na Constituição Estadual Gaúcha.

 

Ocorre, todavia, que a proposta contém vício de iniciativa. A proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da CF/88, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos demais entes federados, entre eles o Município de Guaíba:

Art. 61 (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...)

O conteúdo normativo do Projeto de Lei do Legislativo nº 171/2023, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao dispor sobre a gestão dos bens públicos, o que é de responsabilidade e atribuição do Executivo.

Diante disso, a alteração das regras contratuais sobre o tema não cabem ao Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pela administração dos bens e serviços públicos.

Não se pode esquecer, ainda, do previsto nos artigos 52 e 119 da Lei Orgânica Municipal, que, à semelhança dos citados dispositivos constitucionais, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre determinadas matérias:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

(...)

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

É preciso destacar, por fim, a existência de inúmeros precedentes do Tribunal de Justiça declarando a inconstitucionalidade formal de leis municipais nesse sentido, quando deflagrado o processo legislativo por Vereador:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI Nº 3.606, DE 18 DE SETEMBRO DE 2019, DO MUNICÍPIO DE ANDRADINA QUE 'DISPÕE SOBRE A CRIAÇÃO DA FEIRA MUNICIPAL DE PRODUTOS RURAIS E ARTESANAIS E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS - ATO NORMATIVO DE ORIGEM PARLAMENTAR QUE INSTITUIU E REGULAMENTOU O FUNCIONAMENTO DE FEIRA MUNICIPAL - INADMISSIBILIDADE - VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO E DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - OFENSA AOS ARTIGOS 5º, 47, INCISOS II, XIV E XIX, LETRA 'A', e 144, TODOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL - INCONSTITUCIONALIDADE DECLARADA - AÇÃO PROCEDENTE.

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO MUNICÍPIO DE ALEGRETE QUE ESTABELECE REGRAS SOBRE A RESERVA DE VAGAS GRATUITAS DE ESTACIONAMENTO PARA IDOSOS E DEFICIENTES. INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO DE INICIATIVA QUANTO AO REGRAMENTO DO PODER EXECUTIVO. SEPARAÇÃO DE PODERES. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a lei de iniciativa da Câmara de Vereadores possui vício de iniciativa, ao estabelecer regras para os serviços públicos de estacionamento rotativo pago nas vias públicas municipais, cuja gestão cabe ao Poder Executivo, viola o princípio constitucional da separação dos Poderes Republicanos, que condiciona todos os entes políticos, e o Município, nas circunstâncias do caso. PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70070873567, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 27/11/2017).

Assim, considerando ser exclusiva do Poder Executivo a iniciativa para definir a matéria, o PLL nº 171/2023 sofre de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, sendo juridicamente inviável.

Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, “d”, e 82, III, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer.

Guaíba, 07 de fevereiro de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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