Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 015/2024
PROPONENTE : Mesa Diretora
     
PARECER : Nº 036/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 4.291, de 14 de dezembro de 2022, a qual Autoriza o Poder Legislativo Municipal a conceder estágios à Polícia Civil e dá outras providências"

1. Relatório:

A Mesa Diretora apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 015/2024 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 4.291, de 14 de dezembro de 2022, a qual Autoriza o Poder Legislativo Municipal a conceder estágios à Polícia Civil e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, I, da CF/88), já que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à colaboração do Legislativo Municipal com as demais instituições do sistema de justiça, notadamente com a Polícia Civil.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a iniciativa é privativa da Mesa Diretora, nos termos do art. 38 do Regimento Interno:

Art. 38. Compete à Mesa Diretora, além de outras atribuições estabelecidas na Lei Orgânica:

...

II – iniciar o processo legislativo, privativamente, nos seguintes casos:

...

b) organização dos serviços administrativos;

c) criação, transformação e extinção de cargos e funções dos serviços da Câmara Municipal, e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias;

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto apresentado trata de matéria relativa a estágios no âmbito do Poder Legislativo Municipal, medida que se encontra sob a reserva de administração da Mesa Diretora, com fundamento no art. 38, inc. II, c), do Regimento Interno.

No aspecto material, a proposta legislativa em análise possui sólido fundamento na Constituição Federal de 1988, pois, em última análise, contribui para o adequado funcionamento das instituições do sistema de justiça, cuja insuficiência de pessoal é fenômeno já conhecido e comum no contexto brasileiro, a indicar que a colaboração do Poder Público é relevante também para a concretização dos direitos garantidos por tais serviços públicos.

Os convênios que viabilizam estágios devem expressamente prever a aplicação da Lei de Estágios, sob pena de desfazimento, sendo também imperativa a observância, pelo Município, das obrigações contidas no termo de compromisso de estágio, cuja formalização com cada estagiário cedido e sua instituição de ensino é condição indispensável, nos expressos termos dos convênios firmados. Recomenda-se ainda que além da supervisão do Município cedentes, que têm o dever inarredável de verificar a regularidade de condutas dos estagiários, sua efetividade, carga horária, pagamentos, e tantos aspectos administrativos relevantes, haja também supervisão direta e do ensino profissionalizante ministrado, de forma prática, pelo órgão beneficiado pela cedência.

 

Veja-se, nesse sentido da regularidade, trecho de Sentença da Terceira Vara do Trabalho de Gravataí proferida no Processo nº 0020028- 40.2017.5.04.0233, em Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Trabalho em face do Estado do Rio Grande do Sul, que afasta a suposta irregularidade da relação de estágio mediante cedências operadas entre a Defensoria Pública do Estado e municípios diversos no Estado, questão aqui debatida:

(...)

Conforme decisão de ID. 048161b - Pág. 1, a prática de utilização de convênios com Municípios para a admissão de estagiários não se mostra ilegal, mormente porque é admitida, outrossim, a cessão de servidores públicos. Convênios administrativos são firmados entre entes públicos ou entre entes púbicos e o setor privado para a consecução de objetivos comuns. Os convênios administrativos são regidos pelas mesmas regras que disciplinam os contratos administrativos, no que couber, conforme art. 116 da Lei n. 8.666/1993. Não há lei específica sobre os convênios administrativos, motivo pelo qual seu objeto não apresenta, em princípio, limitação, bastando que os entes envolvidos conjuguem esforços para um objetivo comum. Pelo exame dos convênios administrativos anexados aos autos, nota-se que as atividades dos estagiários cedidos pelos Municípios junto à Defensoria Pública Estadual tinham como escopo realizar objetivos comuns dos entes públicos mencionados. Por exemplo, na cláusula primeira, I, do convênio administrativo de ID. 5d5905c - Pág. 1, consta que "constitui objeto do presente convênio a conjugação de esforços para a execução de atividades típicas administrativas municipais, concernentes à regularização fundiária, regularização de dívidas municipais e fornecimento administrativo de medicamentos, cirurgia e outros tratamentos de saúde, solução extrajudicial de demandas relacionadas à educação, ao transporte municipal, ao saneamento de água e esgoto, à poluição ambiental, entre outras nos termos da lei". Além disso, é imperioso destacar que as atividades exercidas pelos estagiários cedidos visam a alcançar os objetivos de ambos os entes públicos. Consoante a cláusula segunda, II.a, do convênio administrativo, está dentre as atividades do estagiário cedido: "cadastramento dos munícipes ou assistidos da Defensoria Pública que pleiteiam providências extrajudiciais e ações atinentes à regularização fundiária; regularidade de dívidas municipais; fornecimento de medicamentos, cirurgias, internações e outros tratamentos de saúde; solução extrajudicial de demandas relacionadas à educação, ao transporte público municipal, ao saneamento de água e esgoto e à poluição ambiental, tutela coletiva, trânsito" (ID. 5d5905c - Pág. 2). Assim, os estagiários cedidos pelos Municípios auxiliavam o citado ente público na consecução de competências constitucionais, constante no artigo 30, VI, VII e VIII, da Constituição Federal. Da mesma forma, as funções institucionais da Defensoria Pública Estadual, previstas no artigo 4º, I, II e IV, da Lei Complementar n. 80/1994, também eram realizadas por meio do trabalho dos estagiários cedidos pelos Municípios, o que evidencia a cooperação e união de esforços da Administração Pública para a prestação de serviço público, o que nada tem de ilegal nem ilícito. Afora isso, não se verifica irregularidades nos convênios que foram juntados, a exemplo do convênio celebrado com o Município de Bagé - RS atende aos requisitos da Lei n. 11.788/2008 (ID. cd2ea06). Ademais, inexiste alegação de inobservância dos requisitos exigidos pela Lei 11.788/2008, exceto quanto à terceirização, que não foi considerada irregular pelo Juízo, máxime na forma com que formalizada pela parte ré. Constam nos convênios administrativos a obrigação de os Municípios observarem a Lei n. 11.788/2008 (por exemplo, ID. 5d5905c - Pág. 2).

Assim, os direitos dos estagiários estavam preservados. No mais, não é possível asseverar que a Lei de Estágio proíba o uso de convênio administrativo para a cedência de estagiários. A relação triangular entre instituição de ensino, parte concedente e estagiário não é violada com a cedência do estagiário, pois este continua a atuar em benefício da parte concedente, responsável principal pelas obrigações pecuniárias do contrato de estágio. No mais, nada obsta que, no caso concreto, o outro ente público que também se beneficiou do trabalho dos estagiários seja responsabilizado pela falta de cumprimento de obrigações pecuniárias e de fazer descumpridas pela parte concedente. A inexistência de previsão do convênio administrativo na Lei de Estágios é mero reflexo da pouca regulação legislativa sobre a matéria. Afora isso, há discussão doutrinária acerca do fato de os convênios administrativos serem contratos ou não. Assim, é indevida a equiparação dos convênios administrativos para a cedência de estagiários com a terceirização decorrente de contrato de prestação de serviços. O Município que firma o convênio administrativo não aufere lucro do trabalho do estagiário nem o Estado do Rio Grande do Sul têm despesas com a cessão. Levando-se em conta a ausência de elementos que invalidem os convênios com os Municípios, ratifica-se em definitivo a referida decisão interlocutória, restando indeferidos todos os pedidos formulados na petição inicial, inclusive cominações de multas. Assim, não se acolhe. III - DISPOSITIVO Diante do exposto, julga-se a ação civil pública IMPROCEDENTE ajuizada por MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO em face de ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. (...)

Portanto, estando adequada a iniciativa legislativa e havendo interesse predominantemente local para a medida de colaboração, que atende às necessidades de funcionamento do sistema de segurança em âmbito estritamente local, nada obsta a tramitação do projeto de lei sob o ponto de vista jurídico.

Quanto às vedações da Lei Eleitoral – Lei nº 9.504/1997, esta não apresenta óbices à cedência dos estagiários previstas na proposta legislativa em apreço. Nesse sentido verifica-se o Parecer nº 18.378/20 da PGE-RS:

EMENTA: SECRETARIA DA SEGURANÇA PÚBLICA – SSP. CEDÊNCIA DE SERVIDOR MUNICIPAL À DELEGACIA DE POLÍCIA DE MARAU. AUXÍLIO NOS TRABALHOS ADMINISTRATIVOS DO ÓRGÃO. ANO ELEITORAL. POSSIBILIDADE. NÃO INCIDÊNCIA DA VEDAÇÃO CONSTANTE DO § 10 DO ART. 73 DA LEI 9.504/97. PRECEDENTE DESTA PGE. 1. A celebração de Termo de Cooperação entre Estado e Município, envolvendo cessão de servidor municipal ao ente estadual, com o incremento da segurança pública da região, não se insere nas vedações previstas no art. 73, V, “a” e § 10, da Lei 9.504/97, conforme assentado pelo Parecer nº 17.364/18. 2. Não obstante a realização de sufrágio para cargos municipais no presente ano, há existência de sinalagma e onerosidade na cedência, além do interesse público envolvido na questão, o que permite a firmatura do Termo de Cooperação. 3. É vedada qualquer divulgação ou cerimônia em torno do ato administrativo, além da publicação na imprensa oficial, sob pena de configuração da vedação constante no art. 73, VI, “b”, da Lei nº 9.504/97. AUTORA: FERNANDA FOERNGES MENTZ Aprovado em 14 de agosto de 2020.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 015/2024, de iniciativa da Mesa Diretora, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 06 de fevereiro de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
06/02/2024 16:34:01
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 06/02/2024 ás 16:33:30. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 61dcdb6410e3402a1ce4794ffcff42ac.
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