Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 014/2024
PROPONENTE : Mesa Diretora
     
PARECER : Nº 035/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 3.091/2014 – Dispõe sobre o Estágio de Estudantes na Câmara Municipal de Vereadores"

1. Relatório:

A Mesa Diretora apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 014/2024 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 3.091/2014 – Dispõe sobre o Estágio de Estudantes na Câmara Municipal de Vereadores”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes expõe que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria constante na proposta, que trata da organização da administração pública municipal, se adéqua efetivamente à definição de interesse local.

A medida que se pretende instituir se insere, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, I, da CF/88), já que diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se à alteração da Lei Municipal nº 3.091/2014, que dispõe sobre o estágio de estudantes na Câmara Municipal de Guaíba.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a iniciativa é privativa da Mesa Diretora, nos termos do art. 38 do Regimento Interno:

Art. 38. Compete à Mesa Diretora, além de outras atribuições estabelecidas na Lei Orgânica:

...

II – iniciar o processo legislativo, privativamente, nos seguintes casos:

...

b) organização dos serviços administrativos;

c) criação, transformação e extinção de cargos e funções dos serviços da Câmara Municipal, e fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias;

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto apresentado trata de matéria relativa a estágios no âmbito do Poder Legislativo Municipal, medida que se encontra sob a reserva de administração da Mesa Diretora, com fundamento no art. 38, inc. II, c), do Regimento Interno.

No aspecto material, a proposta legislativa em análise possui sólido fundamento na Constituição Federal de 1988, pois, em última análise, contribui para o adequado funcionamento das instituições.

Não obstante, cabe referir que a relação do estagiário para com o órgão público deve observar as diretrizes da Lei Federal nº 11.788, de 25 de setembro de 2008. Ainda, consoante as disposições da referida norma federal que dispõe sobre o estágio de estudantes, esse é um ato educativo escolar supervisionado que não cria vínculo empregatício de qualquer natureza, cuja a sua formalização depende de celebração de termo de compromisso entre o educando, a parte concedente do estágio e a instituição de ensino, nos termos do inciso II do art. 3º Lei Federal n. 11.788, de 2008.

Quanto à matéria de fundo, não se vislumbram, a priori, óbices da forma em que apresentada, podendo ser considerado um bônus, visto que a Lei do Estágio não prevê a obrigatoriedade do 13º salário para os estagiários. Segundo, o § 1º do art. 12 da referida legislação, após mencionar transporte, alimentação e saúde, é utilizada a expressão “entre outros”, abrindo janela à entidade contratante conceder outros direitos, mas, tratando-se de Administração Pública, regida pelo princípio da legalidade (CF, art. 37, caput), impõe-se ao Chefe do Poder Executivo encaminhar Projeto de Lei à Câmara Municipal instituindo a benesse, como assentou o TJRS[1] e como ora se pretende.

 

Verifica-se a existência de apontamentos apenas a gestores que instituíram vantagens assemelhadas sem previsão legal – vide TCE-SC - PROCESSO N.º REC 00/05784603 - Prefeitura Municipal de Chapecó: “Quanto ao mérito da questão que se discute, o Recorrente entende que as glosas que lhe foram aplicadas, quais sejam: R$ 26.060,93 referente ao pagamento de vantagens pecuniárias a título de progressão funcional e R$ 1.435,24, referente a pagamento de vantagens pecuniárias a estagiários a título de 13º salário sem amparo legal.”

Vide ainda:

Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CONVÊNIOS. SELEÇÃO DE ESTAGIÁRIOS PARA MUNICÍPIO. ÔNUS AO ERÁRIO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO E DE PROCEDIMENTO DE DISPENSA OU DE INEXIGIBILIDADE. GRATIFICAÇÃO NATALINA AOS ESTAGIÁRIOS. AGRAVO RETIDO. 1. AGRAVO RETIDO 1.1 - Alegação de que na formação da Comissão Parlamentar de Inquérito na Câmara Municipal, que mais tarde resultou na ação civil pública por improbidade administrativa, foi violado o princípio da proporcionalidade partidária, motivo por que nulos os atos daquela e também desta. 1.2 - Porém, arguição que não merece êxito porque: (a) deveria ter sido feita perante a própria CPI, com ingresso em juízo, se necessário; (b) eventual vício na formação da CPI, por si só não contamina os atos subsequentes, inclusive por serem basicamente documentais as provas nela colhidas, as quais justificaram o início do Inquérito Civil, o qual prosseguiu, com base no qual foi ajuizada a ação de improbidade, na qual houve larga instrução e observância da ampla defesa e do contraditório. Precedente invocado, porém inaplicável ao caso. 2. CONVÊNIOS PARA SELECIONAR ESTAGIÁRIOS AO MUNICÍPIO COM ÔNUS AO ERÁRIO. 2.1 - O caput do art. 116 da Lei 8.666/93, não diz que não se aplica aos convênios, e sim que se aplica no que couber. Assim como nos contratos há hipóteses de dispensa e de inexigibilidade de licitação (arts. 24 e 25), assim também nos convênios; logo, ou se instaura procedimento de licitação, ou se instaura procedimento de dispensa ou de inexigibilidade (art. 26, parágrafo único), máxime quando o convênio impõe ônus ao erário. 2.2 - Caso em que foram celebrados convênios para selecionar estagiários ao Município, com ônus ao erário, sem licitação nem procedimento de dispensa ou de inexigibilidade. 2.3 - Condutas que, independentemente de a espécie de avença ser adequada ou não, dever ser convênio ou contrato, e de as instituições terem ou não fins lucrativos, revelam culpa, tanto do Prefeito Municipal quanto das instituições conveniadas, causadora de prejuízos ao erário. 2.4 - Verdadeira desordem quanto ao preço, a ponto de, em convênios coexistentes, o preço do segundo ser superior ao do primeiro, e no primeiro haver pagamento superior ao pactuado, inclusive superior ao preço estabelecido no segundo. 2.4 - Circunstâncias que revelam improbidade na forma culposa, prevista no art. 10, caput, e inciso I, da Lei 8.429/93. 3. GRATIFICAÇÃO NATALINA AOS ESTAGIÁRIOS 3.1 - Prefeito Municipal que, sem amparo legal, o que decorre da simples leitura dos arts. 12 e 13 da Lei 11.788/2008 (Dispõe sobre o estágio de estudantes), e ciente de que havia dúvida no âmbito da própria Administração, paga gratificação natalina aos estagiários, o fazendo por conta e risco, sem sequer buscar orientação formal da Procuradoria do Município. 3.2 - Circunstâncias que revelam improbidade na forma culposa, prevista no art. 10, caput, e inciso I, da Lei 8.429/93. 4. SANCIONAMENTOS 4.1 - Imposição de ressarcimento ao erário, solidariamente, conforme as participações dos réus nos fatos. 4.2 - Imposição de multa civil a cada réu, à base de 30% em relação a cada valor, conforme as respectivas participações, sem solidariedade, visto que é individual. 4.3 - Considerando tratar-se de improbidade na forma culposa, portanto, sem a grave nota da corrupção, como normalmente acontece nas improbidades dolosas, tem-se por suficientes as mencionadas sanções (Lei 8.429/93, art. 12, caput, e parágrafo único). 5. DISPOSITIVO Desprovido o agravo retido e provida a apelação. (Apelação Cível, Nº 70073582850, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em: 22-11-2017)

 

A proposta justamente pretende buscar autorização legislativa para ampliação do número de estagiários, instituindo ainda previsão legal para o pagamento da vantagem pecuniária, não se vislumbrando óbices para sua regular tramitação.

 

Portanto, estando adequada a iniciativa legislativa e havendo interesse predominantemente local para a medida, nada obsta a tramitação do projeto de lei sob o ponto de vista jurídico.

É necessária a juntada aos autos do estudo de impacto orçamentário e financeiro exigido pela LC nº 101/2000 durante a tramitação da proposição, para fins de observância da exigência do art. 17 da LRF):

 

 Art. 17. Considera-se obrigatória de caráter continuado a despesa corrente derivada de lei, medida provisória ou ato administrativo normativo que fixem para o ente a obrigação legal de sua execução por um período superior a dois exercícios.

§ 1º Os atos que criarem ou aumentarem despesa de que trata o caput deverão ser instruídos com a estimativa prevista no inciso I do art. 16 e demonstrar a origem dos recursos para seu custeio.

[1] Apelação Cível, Nº 70073582850, Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Irineu Mariani, Julgado em: 22-11-2017.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 014/2024, de iniciativa da Mesa Diretora, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a necessidade de apresentação de impacto orçamentário e financeiro, nos termo do art. 17 da LRF – LC nº 101/2000.

É o parecer.

Guaíba, 06 de fevereiro de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral da Câmara Municipal de Guaíba

OAB/RS nº 107.136

 

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ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
06/02/2024 16:21:44
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