Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 009/2024
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 016/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe quanto às contrapartidas a serem exigidas a título de medidas compensatórias, de empreendimentos imobiliários de uso residencial ou misto que gerem impactos urbanísticos e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 009/2024, o qual “Dispõe quanto às contrapartidas a serem exigidas a título de medidas compensatórias, de empreendimentos imobiliários de uso residencial ou misto que gerem impactos urbanísticos e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Preliminarmente, a matéria de fundo insere-se na competência local, não havendo qualquer óbice à proposta. A proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, bem como no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios. O referido artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, dispõe que:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;  

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;                (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

(...)

As medidas pretendidas por meio do Projeto de Lei do Executivo nº 009/2024 se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (art. 218 da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (art. 22 da CF/88), a proposta estabelece medidas para promoção do desenvolvimento científico, da pesquisa e da capacitação tecnológica no âmbito do município de Guaíba. O próprio artigo 219-B, § 2º, da CF/ 88 estabelece que os “Estados, o Distrito Federal e os Municípios legislarão concorrentemente sobre suas peculiaridades”.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição do Rio Grande do Sul, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do PLE nº 009/2024 é a proteção ao meio ambiente, a qual inclui o meio ambiente urbano ou artificial, o uso equilibrado do solo urbano, o que vem ao encontro das disposições constitucionais, sobretudo dos arts. 23 da  CRFB, art. 13, I, da CERS, os quais afirmam:

CRFB

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

(...)

VI - proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas;

(...)

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

CERS

Art. 13. É competência do Município, além da prevista na Constituição Federal e ressalvada a do Estado:

I - exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais;

Da mesma forma, os arts. 170 e 225 da Constituição da República estabelece:

Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

(...)

VI - defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação;

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Com efeito, as medidas previstas pelo PLE nº 009/2024 constituem um dever de ação do Estado em sentido amplo. Em observância ao interesse público e à proteção do meio ambiente artificial da cidade, do meio ambiente urbano e dos munícipes, para que sejam impostas medidas suficientes e adequadas, como contrapartidas, para viabilizar a realização de empreendimentos imobiliários e sua entrada em funcionamento. Nesse sentido a lição de José Afonso da Silva (Direito Urbanístico, 6. Ed., São Paulo, Malheiros, 2010, p. 179), que:

“(...)

Uma das funções da atividade urbanística do Poder Público consiste em criar condições à circulação. (...) o sistema viário forma a estrutura da cidade, constituindo, talvez, seu mais importante elemento. (...) Nenhum outro elemento da composição material da cidade é tão permanente quanto suas ruas. (...)”

É cediço que o meio ambiente urbano e a cidade como um todo, com a instalação de polo geradores de tráfego sem medidas compensatórias suficientes e adequadas acarretariam na degradação decorrente do aumento do tráfego urbano ainda maior, ficando a Municipalidade (Administração Pública) igualmente onerada, pois a todo aumento de tráfego se seguem novas medidas paliativas e novos gastos do Poder Público Municipal, que arcaria dessa forma e com seus recursos com as consequências do exercício de atividades econômicas dos empreendedores responsáveis, os quais teriam causado o impacto; já os munícipes seriam impactados com o aumento do tráfego e maior necessidade de pagamento de tributos, sem que tenha havido mecanismos adequados para evitar esse novo quadro, o que a proposta legislativa pretende adequar e compatibilizar os interesses para que o desenvolvimento se efetive de forma sustentável.

Portanto, a definição, a título de contrapartida urbanística ou ambiental, para cada situação concreta, é algo que não deve ser definida ao menos em limites, previamente pelo legislador local, pois isso vai ao encontro da necessidade de integral prevenção, proteção e recuperação do meio ambiente natural e artificial ou urbano, bem como o interesse geral da população envolvida.

Nesse diapasão STF já assentou esse entendimento ao definir que em sede de proteção ao meio ambiente, a definição do “quantum” para fins de compensação deve ser estabelecida caso a caso. Esse foi o teor do precedente estabelecido quando do julgamento da ADI 3.378, Rel. Min. Ayres Britto, julgamento em 14-6-2008, Plenário, DJE de 20-6-2008, aplicável, mutatis mutandis, à hipótese ora examinada:

“(...) Compensação ambiental que se revela como instrumento adequado à defesa e preservação do meio ambiente para as presentes e futuras gerações, não havendo outro meio eficaz para atingir essa finalidade constitucional. Medida amplamente compensada pelos benefícios que sempre resultam de um meio ambiente ecologicamente garantido em sua higidez. Inconstitucionalidade da expressão ‘não pode ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento’, no § 1º do art. 36 da Lei 9.985/2000. O valor da compensação-compartilhamento é de ser fixado proporcionalmente ao impacto ambiental, após estudo em que se assegurem o contraditório e a ampla defesa. Prescindibilidade da fixação de percentual sobre os custos do empreendimento. (...)”.

A literatura especializada assenta que os riscos negativos causados e as desvantagens provocadas ao meio ambiente natural e construído impõem ao agente econômico, como requisito indispensável para a concessão da licença ou autorização administrativa da atividade, os ônus econômicos de internalização das contrapartidas urbanísticas e ambientais.

É salutar a proposta no sentido de conferir maior transparência, previsibilidade, equidade e coordenação do processo de definição das regras e condições para deliberação quanto às contrapartidas exigidas em processos de licenciamento de empreendimentos que gerem impactos significativos.

3. Conclusão:

  

Diante dos fundamentos expostos, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta e pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 009/2024, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 29 de janeiro de 2024. 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
29/01/2024 15:14:16
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 29/01/2024 ás 15:13:26. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 999a3d012c145ba10d3bff31d0e7f31f.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 194786.