PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a alteração da data base da revisão geral anual dos vencimentos e subsídios dos servidores públicos municipais." 1. Relatório:O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 004/2024, o qual “Dispõe sobre a alteração da data base da revisão geral anual dos vencimentos e subsídios dos servidores públicos municipais”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno. 2. Mérito:O direito brasileiro é organizado em um sistema de escalonamento das normas jurídicas, sendo a Constituição Federal de 1988 o diploma paradigma para a elaboração de todas as demais espécies legislativas. Em função da hierarquia das normas, exsurge do ordenamento jurídico o princípio da continuidade das leis, segundo o qual, “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (art. 2º, LINDB). Diante disso, uma determinada norma jurídica só pode ser alterada ou revogada por meio de outra norma da mesma hierarquia; do contrário, a nova espécie legislativa não terá a aptidão de atingir a norma primária. No caso em análise, a Lei Municipal nº 1.622, de 25 de outubro de 2001, tem natureza jurídica de lei ordinária, podendo ser revogada por norma superveniente do mesmo status. O Projeto de Lei nº 004/2024, por sua vez, tem a pretensão de instituir lei ordinária, estando adequado e apto, portanto, para alterar a anterior. Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da CF/88, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da LOM refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS: Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que: I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14) II - disponham sobre: a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica; b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade; c) organização da Defensoria Pública do Estado; d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública. No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias: Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre: I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração; II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos; III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017) Verifica-se, no caso em análise, que a matéria é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal, consoante se constata a jurisprudência pátria, a qual considera ser de iniciativa exclusiva do Prefeito as matérias que digam respeito à revisão anual geral dos servidores públicos, bem como a fixação de sua data base. Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul o firmaram o entendimento de que a iniciativa da lei para a concessão da revisão geral anual é privativa do Chefe do Executivo para todos, incluindo aqueles servidores e agentes políticos para os quais a iniciativa da lei para fixação ou alteração da remuneração compete ao Legislativo, como os servidores da Câmara e os agentes políticos, com fulcro inclusive no art. 33, § 1º, da Constituição do Estado do RS, consoante se extrai do acórdão a seguir ementado:
[...] SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO GERAL ANUAL. [...] 1. Consoante estabelece o artigo 37, inciso X, da Constituição Federal de 1988, a fixação ou a alteração de remuneração de servidor público ou do subsídio de que trata o artigo 39, §4º, do texto constitucional, deve ser fixada por Lei, observada a iniciativa privativa em cada caso. 2. Nessa senda, a Revisão Geral Anual, ainda que tenha previsão constitucional, depende de edição de Lei específica de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. [...] 4. Sentença mantida. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível, Nº 71010252799, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Julgado em: 25-11- 2021) A revisão geral, enquanto reposição inflacionária, tem previsão constitucional no artigo 37, inc. X, da CF/88 e no artigo 33, § 1º, da CE/RS, nos seguintes termos:
Art. 37 (...) X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Art. 33 (...) § 1º A remuneração dos servidores públicos do Estado e os subsídios dos membros de qualquer dos Poderes, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, dos Procuradores, dos Defensores Públicos, dos detentores de mandato eletivo e dos Secretários de Estado, estabelecidos conforme o § 4º do art. 39 da Constituição Federal, somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, sendo assegurada através de lei de iniciativa do Poder Executivo a revisão geral anual da remuneração de todos os agentes públicos, civis e militares, ativos, inativos e pensionistas, sempre na mesma data e sem distinção de índices. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 57, de 21/05/08) As expressões “mesma data” e “sem distinção de índices” norteiam, em geral, a reposição inflacionária porque tal fenômeno econômico é geral e atinge todas as pessoas igualmente, sendo contrária ao princípio da isonomia a norma que estabeleça diferença de percentuais de revisão entre as diversas categorias de agentes públicos e/ou políticos. Já no reajuste remuneratório não há qualquer diretriz de igualdade, podendo o gestor conceder acréscimos distintos entre as diferentes classes de servidores. Assim, a alteração da Lei Municipal nº 1.622/2001, tendo sido deflagrada a iniciativa pelo Chefe do Poder Executivo, caberá ao Plenário da Câmara de Vereadores, soberano em tal decisão, exigindo-se para tanto maioria simples e Sessão Ordinária. Em relação à justificativa e ao conteúdo da proposição, tem-se exposição apresentada pelo Poder Executivo no sentido de que “... existem determinados índices e pisos salariais de cargos que constam no quadro de servidores que são estabelecidos pelo Governo Federal, alguns com base no salário mínimo, e estes valores são reajustados, normalmente, no mês de janeiro, servindo esta medida também de alinhamento com estas ações. Por fim, a data base sendo alterada para janeiro possibilita uma projeção orçamentária mais assertiva da RGA – Revisão Geral Anual, eis que a LOA – Lei Orçamentária Anual – é protocolada em outubro, na forma da Lei Orgânica Municipal, e ficando a data base mais próxima, diminui a possibilidade distorção entre a previsão e a execução.” No que diz respeito à Lei Federal 9.504/97, a proposta não possui óbices, sendo que a Lei Eleitoral em seu artigo 73, inciso VIII, apenas proíbe os agentes públicos de fazer a revisão geral da remuneração dos servidores públicos que exceda a recomposição da perda do seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição, a partir do início do prazo estabelecido – 06 de abril de 2024 - até a posse dos eleitos: “[...] 4. A aprovação de projeto de revisão geral da remuneração de servidores públicos até o dia 9 de abril do ano da eleição, desde que não exceda a recomposição da perda do poder aquisitivo, não caracteriza a conduta vedada prevista no inciso VIII do art. 73 da Lei das Eleições. [...]” (Ac. de 16.6.2014 no AgR-REspe nº 46179, rel. Min. Henrique Neves da Silva.) “Remuneração. Servidor público. Revisão. Período crítico. Vedação. Art. 73, inciso VIII, da Constituição Federal. A interpretação – literal, sistemática e teleológica – das normas de regência conduz à conclusão de que a vedação legal apanha o período de cento e oitenta dias que antecede às eleições até a posse dos eleitos.” (Res. n º 22252 na Cta nº 1229, de 20.6.2006, rel. Min. Gerardo Grossi.) “[...] Servidores. Vencimentos. Recomposição. Limites. [...]” NE : Trecho do voto do relator: “[...] o art. 73, VIII, Lei n º 9.504/97, impõe limites claros à vedação nele expressa: a revisão remuneratória só transpõe a seara da licitude, se exceder ‘a recomposição da perda de seu poder aquisitivo ao longo do ano da eleição’, a partir da escolha dos candidatos até a posse dos eleitos.” (Res. nº 21811 na Cta nº 1083, de 8.6.2004, rel. Min. Humberto Gomes de Barros.) “A aprovação, pela via legislativa, de proposta de reestruturação de carreira de servidores não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo na proibição contida no art. 73, inciso VIII, da Lei n o 9.504, de 1997.” (Res. nº 21054 na Cta nº 772, de 2.4.2002, rel. Min. Fernando Neves.) Ainda, de acordo com o TSE, “a aprovação, pela via legislativa, de proposta de reestruturação de carreira de servidores não se confunde com revisão geral de remuneração e, portanto, não encontra obstáculo na proibição contida no art. 73, inciso VIII, da Lei no 9.504, de 1997” (Resolução nº 21.054, de 02/04/2002, relator Ministro Fernando Neves da Silva). A nosso ver, também não há restrições de ordem eleitoral para concessão de aumento real antes de 09/04/2024 (Resolução TSE nº 22.252, de 20 de junho de 2006). Nessa linha de raciocínio, Olivar Coneglian in “Lei das Eleições Comentada. 4ª ed. rev. amp. Curitiba: Juruá, 2006. p. 347”, ressalta com propriedade: “Deve-se observar, ainda, que qualquer revisão de remuneração não ofende as leis eleitorais se ocorrer no período anterior ao mês de abril, mesmo que ultrapasse o índice inflacionário." Referido incidente buscou pacificar o entendimento naquele órgão, adotando por parâmetro minucioso estudo elaborado pela Procuradora do Ministério Público de Contas do PR, no Processo nº 230369/07, Dra. Célia Rosana Moro Kansou, contido no Parecer 14816/06, proferido no processo nº 139674/05, relativo à prestação de contas anual do Poder Executivo do Município de Lobato, exercício de 2004, ipsis litteris: “Primeiramente, ressalte‐se que até o início do período de proibição a revisão geral pode majorar a remuneração, bem como pode conceder a recomposição do poder aquisitivo de qualquer período anterior. No entanto, a partir deste período, a recomposição deve estar adstrita às perdas relativas ao ano da eleição. Tal entendimento deflui das Resoluções nºs. 7190/00, 7193/00, 21812/04 e 21811/04 do TSE. Vide, ainda, a Consulta 11533 TRE-SP - https://www.tre-sp.jus.br/comunicacao/noticias/2016/Julho/tre-responde-consulta-sobre-reajuste-de-funcionalismo-publico-em-ano-eleitoral. Assim, neste ano de 2024, a revisão geral da remuneração dos servidores públicos, que vá além das perdas do período da data base, deve ser realizada até o dia 09 de abril de 2024 (180 dias antes – Lei nº 9.504/97, art. 73, VIII c/c art. 7º, § 1º), conforme calendário das eleições: RESOLUÇÃO Nº 22.252, DE 20 DE JUNHO DE 2006. REMUNERAÇÃO – SERVIDOR PÚBLICO – REVISÃO – PERÍODO CRÍTICO. VEDAÇÃO – ARTIGO 73, INCISO VIII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A interpretação – literal, sistemática e teleológica – das normas de regência conduz à conclusão de que a vedação legal apanha o período de cento e oitenta dias que antecede às eleições até a posse dos eleitos. 3. Conclusão:Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 004/2024, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer. Guaíba, 24 de janeiro de 2024.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022 24/01/2024 13:37:29 |
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