Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 002/2024
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 007/2024
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Revoga o § 1.º do Art. 1.º da Lei Municipal n.º 4.336/2023."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 002/2024, o qual “Revoga o § 1.º do Art. 1.º da Lei Municipal n.º 4.336/2023”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O direito brasileiro é organizado em um sistema de escalonamento das normas jurídicas, sendo a Constituição Federal de 1988 o diploma paradigma para a elaboração de todas as demais espécies legislativas. Em função da hierarquia das normas, exsurge do ordenamento jurídico o princípio da continuidade das leis, segundo o qual, “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (art. 2º, LINDB). Diante disso, uma determinada norma jurídica só pode ser alterada ou revogada por meio de outra norma da mesma hierarquia; do contrário, a nova espécie legislativa não terá a aptidão de atingir a norma primária.

No caso em análise, a Lei Municipal nº 4.336, de 31 de março de 2023, tem natureza jurídica de lei ordinária, podendo ser revogada por norma superveniente do mesmo status. O Projeto de Lei nº 002/2024, por sua vez, tem a pretensão de instituir lei ordinária, estando adequado e apto, portanto, para revogar a anterior.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da CF/88, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da LOM refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso em análise, que a matéria é de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal, consoante se constata a jurisprudência pátria, a qual considera ser de iniciativa exclusiva do Prefeito as matérias que digam respeito à revisão anual geral dos servidores públicos, bem como a fixação de sua data base.

Nesse sentido o Supremo Tribunal Federal e o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul o firmaram o entendimento de que a iniciativa da lei para a concessão da revisão geral anual é privativa do Chefe do Executivo para todos, incluindo aqueles servidores e agentes políticos para os quais a iniciativa da lei para fixação ou alteração da remuneração compete ao Legislativo, como os servidores da Câmara e os agentes políticos, com fulcro inclusive no art. 33, § 1º, da Constituição do Estado do RS, consoante se extrai do acórdão a seguir ementado:

 

[...] SERVIDOR PÚBLICO. REVISÃO GERAL ANUAL. [...] 1. Consoante estabelece o artigo 37, inciso X, da Constituição Federal de 1988, a fixação ou a alteração de remuneração de servidor público ou do subsídio de que trata o artigo 39, §4º, do texto constitucional, deve ser fixada por Lei, observada a iniciativa privativa em cada caso. 2. Nessa senda, a Revisão Geral Anual, ainda que tenha previsão constitucional, depende de edição de Lei específica de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo. [...] 4. Sentença mantida. RECURSO INOMINADO DESPROVIDO. UNÂNIME. (Recurso Cível, Nº 71010252799, Terceira Turma Recursal da Fazenda Pública, Turmas Recursais, Relator: Alan Tadeu Soares Delabary Junior, Julgado em: 25-11- 2021)

A revisão geral, enquanto reposição inflacionária, tem previsão constitucional no artigo 37, inc. X, da CF/88 e no artigo 33, § 1º, da CE/RS, nos seguintes termos:

 

Art. 37 (...)

X - a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual, sempre na mesma data e sem distinção de índices; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)

Art. 33 (...)

§ 1º A remuneração dos servidores públicos do Estado e os subsídios dos membros de qualquer dos Poderes, do Tribunal de Contas, do Ministério Público, dos Procuradores, dos Defensores Públicos, dos detentores de mandato eletivo e dos Secretários de Estado, estabelecidos conforme o § 4º do art. 39 da Constituição Federal, somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, sendo assegurada através de lei de iniciativa do Poder Executivo a revisão geral anual da remuneração de todos os agentes públicos, civis e militares, ativos, inativos e pensionistas, sempre na mesma data e sem distinção de índices. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 57, de 21/05/08)

As expressões “mesma data” e “sem distinção de índices” norteiam, em geral, a reposição inflacionária porque tal fenômeno econômico é geral e atinge todas as pessoas igualmente, sendo contrária ao princípio da isonomia a norma que estabeleça diferença de percentuais de revisão entre as diversas categorias de agentes públicos e/ou políticos. Já no reajuste remuneratório não há qualquer diretriz de igualdade, podendo o gestor conceder acréscimos distintos entre as diferentes classes de servidores.

Assim, a revogação do § 1º do art. 1º da Lei Municipal nº 4.336/2023, tendo sido deflagrada a iniciativa pelo Chefe do Poder Executivo, caberá ao Plenário da Câmara de Vereadores, soberano em tal decisão, exigindo-se para tanto maioria simples e Sessão Ordinária.

Em relação à justificativa e ao conteúdo da proposição, tem-se exposição apresentada pelo Poder Executivo no sentido de que a revogação se deve em observância às disposições da Lei Municipal nº 1.622/2001, a qual “Estabelece a Data Base para a Revisão Geral Anual de Remuneração e Subsídios”. Ademais, não há que se confundir piso do magistério, o qual é definido em janeiro de cada ano nos termos da Lei 11.738/2008, com a revisão geral anual, prevista no art. 37, X, da Constituição da República e assegurada a todos os servidores públicos sempre na mesma data e sem distinção de índices. Nesse sentido está correta a proposta a fim de estabelecer a mesma data de RGA para o universo de todos servidores.

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 002/2024, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 08 de janeiro de 2024.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

 

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
08/01/2024 13:19:16
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 08/01/2024 ás 13:18:55. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 58dcf037b7c959fe261c465cae7ce0b8.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 194032.