Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 095/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 384/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 4.490, de 13 de dezembro de 2023, a qual Institui o Programa Estágio Social, autoriza o Poder Executivo a conceder subvenção, nos termos do art. 19 da Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964, para o alcance dos objetivos que especifica, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 095/2023 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 4.490, de 13 de dezembro de 2023, a qual Institui o Programa Estágio Social, autoriza o Poder Executivo a conceder subvenção, nos termos do art. 19 da Lei Federal nº 4.320, de 17 de março de 1964, para o alcance dos objetivos que especifica, e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei do Executivo n.º 095/2023, de autoria do Pode Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber.

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

  • auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;
  • auto-governo, através da eleição de prefeito e vereadores;
  • faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;
  • auto-administração ou auto-determinação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Pela competência suplementar, compete ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, ou seja, o município pode suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, sem obviamente contraditá-las e ainda estabelecer normas que digam respeito às realidades específicas do Município. Tal competência se aplica também às matérias elencadas no artigo 24 da Constituição Federal.

É pertinente destacar trecho da obra de Gilmar Mendes sobre o tema:

É claro que a legislação municipal, mesmo que sob o pretexto de proteger interesse local, deve guardar respeito a princípios constitucionais acaso aplicáveis. Assim, o STF já decidiu que a competência para estabelecer o zoneamento da cidade não pode ser desempenhada de modo a afetar princípios da livre concorrência. O tema é objeto da Súmula 646.       

Aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normação municipal, no exercício dessa competência, há de respeitar as normas federais e estaduais existentes. A superveniência de lei federal ou estadual contrária à municipal, suspende a eficácia desta.

A competência suplementar se exerce para regulamentar as normas legislativas federais e estaduais, inclusive as enumeradas no art. 24 da CF, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das peculiaridades locais.

O Tribunal de Justiça de São Paulo, através do voto do Desembargador Roberto MacCracken, no julgamento da ADI nº 01752128420138260000, manifestou-se sobre a competência legislativa dos municípios:

A questão da competência legislativa deve ser apreciada sobre a exegese dos artigos 24 e 30 da CF/88, isto é, enquanto o primeiro arrola as competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal para legislar, principalmente, sobre proteção do meio ambiente (artigo 24, inciso VI), o segundo autoriza o Município a “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (artigo 30, inciso II), assim, a lei impugnada, que dispôs sobre proteção do meio ambiente na comercialização, na troca e no descarte de óleo lubrificante, não ingressou na matéria ambiental de forma genérica, mas apenas promoveu regulamentação suplementar e nitidamente específica, não ofendendo a competência legislativa de qualquer outra Unidade da Federação, mas, pelo contrário, exerceu preceito constitucional dentro dos limites próprios e atinentes ao seu campo de atuação. (SÃO PAULO, 2014)

Está bem exercida, ademais, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, tratando a proposta de alteração de legislação que dispõe acerca da instituição de programa de estímulo ao estágio, alterando a natureza jurídica do programa que da forma vigente se daria através de subvenção, para que os estímulos se dêem diretamente aos estagiários, o que cabe ao Poder Executivo Municipal, versando sobre a organização e o funcionamento da administração pública, sendo de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, por força do art. 60, II, d e 82, VII, ambos da Constituição Estadual.

No que diz respeito à matéria de fundo, a proposta pretende “oportuniza a inclusão social do jovem do município, de modo a incentivar a criação de vagas de estágio em empresas da cidade, para o jovem em vulnerabilidade, objetivando o desenvolvimento de competências para o mundo do trabalho e os empresários a oportunidade de contribuir para formação dos futuros profissionais, difundindo valores e cultura da empresa”, bem como a alteração pretende ainda “estabelecer contrapartidas em termos de capacitação e aprendizagem aos estagiários, bem como prever que as bolsas estágio serão concedidas por dois meses pelo Poder Executivo Municipal diretamente aos estudantes”.

O art. 227 da Constituição Federal prevê, com efeito, ser dever do Estado assegurar ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à profissionalização, sendo essencial o desenvolvimento de políticas públicas de formação profissional:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. 

No Brasil, a Constituição da República de 1988 reconheceu a profissionalização como um dos direitos fundamentais de todo adolescente (artigo 227), a ser garantido com absoluta prioridade, observadas as restrições estabelecidas no artigo 7º, inciso XXXIII, na redação dada pela Emenda constitucional nº 20, de 1996.

Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - reafirma o Princípio da Proteção Integral em seu artigo 4º, reconhecendo que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária.

Na mesma linha, o texto referencial do SINASE, aprovado pela Resolução nº 119/20064, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), consagra a profissionalização como um dos eixos estratégicos da ação socioeducativa, a ser implementado na forma dos seguintes parâmetros, comuns a todas as entidades e/ou programas que executam a internação provisória e as demais medidas socioeducativas:

- encaminhar os adolescentes ao mercado de trabalho desenvolvendo ações concretas e planejadas no sentido de inseri-los no mercado formal, em estágios remunerados, a partir de convênios com empresas privadas ou públicas, considerando, contudo, o aspecto formativo;

No bojo do PL 6494/2019, na Câmara dos Deputados, por exemplo, em reunião na Câmara dos Deputados, especialistas em educação e políticas para a juventude apontaram a necessidade de incentivos – tanto na forma de financiamentos quanto de qualificação.

Os jovens são, segundo os estudos de Puerta e Aznarde (2013) e Nascimento (2014), a faixa etária que mais sofre com o desemprego, visto que são protagonistas de um cenário de falta de formação profissional que os leva a ocupar vagas de trabalhos extremamente precarizadas e sem perspectivas de ascensão. Geralmente são os jovens pobres que ingressam mais cedo no mundo do trabalho, assim une-se também a questão das necessidades e busca por melhores condições de vida (Tommasi, 2014). Isso demarca questões já tão conhecidas de desigualdade social no país, como salienta Linhares (2014), e dessa forma, para suprir suas necessidades e de suas famílias um grande número de jovens se submete cada vez mais cedo ao mundo do trabalho, mesmo que este não se dê de forma legalizada.

A implementação do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (Lei nº 10.940, de 2004), foi uma das tentativas, vindo com o objetivo de promover a geração de postos de trabalho para jovens e prepará-los para o mercado de trabalho. O Programa foi depois alterado pela Lei Federal nº 11.692/2008, que Dispõe sobre o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem, o qual prevê inclusive repasse de recursos aos jovens atendidos:

Art. 4º Para a execução das modalidades tratadas no art. 2o desta Lei, a União fica autorizada a transferir recursos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem a necessidade de convênio, acordo, contrato, ajuste ou instrumento congênere, mediante depósito em conta-corrente específica, sem prejuízo da devida prestação de contas da aplicação dos recursos.

§ 1º  O montante dos recursos financeiros a que se refere esta Lei será repassado em parcelas e calculado com base no número de jovens atendidos, conforme disposto em regulamentação, e destina-se à promoção de ações de elevação da escolaridade e qualificação profissional dos jovens, bem como à contratação, remuneração e formação de profissionais

Art. 18.  Nas unidades da Federação e nos Municípios onde existirem programas similares e congêneres ao previsto no Projovem Trabalhador, o Ministério do Trabalho e Emprego buscará promover a articulação e a integração das ações dos respectivos Programas. 

No que diz respeito às previsões da Lei Nacional nº 9.504/1997, mais especificamente quanto ao contido no § 10 do art. 73, de fato a proposta ora em apreço vai ao encontro da jurisprudência do Tribunal Superior Eleitoral no sentido de estabelecer com maior clareza a adoção de critérios técnicos previamente estabelecidos para a seleção dos estagiários e a exigência de contrapartidas a serem observadas pelos estudantes e empresas participantes do programa:

“[...] Eleições 2012 [...] Conduta vedada. Art. 73, § 10, da Lei 9.504/97. Distribuição de bens. Tablets. [...] 1. Na espécie, a distribuição de tablets aos alunos da rede pública de ensino do Município de Vitória do Xingu/PA, por meio do denominado programa ‘escola digital’, não configurou a conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 pelos seguintes motivos: a) não se tratou de programa assistencialista, mas de implemento de política pública educacional que já vinha sendo executada desde o ano anterior ao pleito. Precedentes. b) os gastos com a manutenção dos serviços públicos não se enquadram na vedação do art. 73, § 10, da Lei 9.504/97. Precedentes. c) como os tablets foram distribuídos em regime de comodato e somente poderiam ser utilizados pelos alunos durante o horário de aula, sendo logo depois restituídos à escola, também fica afastada a tipificação da conduta vedada, pois não houve qualquer benefício econômico direto aos estudantes. Precedentes. d) a adoção de critérios técnicos previamente estabelecidos, além da exigência de contrapartidas a serem observadas pelos pais e alunos, também descaracterizam a conduta vedada em exame, pois não se configurou o elemento normativo segundo o qual ‘a distribuição de bens, valores ou benefícios’ deve ocorrer de forma ‘gratuita’. Precedentes. [...]” (Ac. de 4.8.2015 no REspe nº 55547, rel. Min. João Otávio de Noronha.)

Trecho do voto do relator: “[...] quanto à configuração da conduta vedada do art. 73, § 10, da Lei das Eleições, anoto que não procede a alegação de configuração desse ilícito, porquanto, após a análise da prova efetuada pela Corte de origem, concluiu-se pela sua improcedência, porque, conforme assinalou a Presidência do TRE/SE, houve ‘a constatação de que o programa impugnado possuía previsão legal e execução orçamentária no ano anterior ao da eleição e de que havia um cadastramento prévio regular para a distribuição dos benefícios, em conformidade com a ressalva prevista no §10, do art. 73, da Lei das Eleições’ [...]”. (Ementa não transcrita por não reproduzir a decisão quanto ao tema.) (Ac. de 7.10.2014 no AgR-AI nº 21284, rel. Min. Henrique Neves da Silva.)

“Eleições 2018 [...] Conduta vedada. Uso promocional de programa social. [...] 3. Esta Corte Superior entende que, para a configuração da conduta prevista no art. 73, IV, da Lei das Eleições, faz–se mister que a distribuição de bens e serviços sociais custeados ou subvencionados pelo Poder Público ocorra durante o suposto ato promocional. [...] 4. No caso, extrai–se do acórdão que o vídeo e a imagem a que faz menção o Tribunal regional apenas retratam a condição social de uma cidadã que, no passado, foi beneficiária do programa Pró–Família. 5. Não há que se confundir o momento da entrega do benefício social com a data da postagem das mídias que retratam a vida de uma pessoa que já é beneficiária do programa social. 6. A divulgação de programa social em curso durante o período eleitoral cuja execução se iniciou em exercício anterior não se subsome à conduta vedada prevista no art. 73, IV, da Lei nº 9.504/1997, sendo lícito ato de publicidade das ações do governo. 7. Na hipótese, a lei que instituiu o programa estatal enumera uma série de requisitos necessários para a concessão – e manutenção – do benefício, o que denota a existência de contrapartida por parte dos beneficiários, circunstância que, na linha da jurisprudência desta Corte Superior, afasta a incidência da conduta vedada descrita no inciso IV do art. 73 da Lei nº 9.504/1997. Precedente [...] 8. A jurisprudência do TSE não restringe a concepção da gratuidade prevista no art. 73, IV, da Lei das Eleições, apenas ao aspecto financeiro da contrapartida, sendo certo que as disposições que tipificam as condutas vedadas devem ser interpretadas restritivamente, por serem de legalidade estrita. [...]” (Ac. de 4.6.2020 no AgR-REspe nº 060039853, rel. Min. Og Fernandes.)

 

A jurisprudência da Corte Eleitoral afastou, ainda, a conduta vedada prevista no § 10 do art. 73 da Lei Eleitoral na hipótese de benefícios através de convênio ou parceria entre o poder público e entidades públicas e privadas para projetos nas áreas da cultura, esporte e turismo, com exigência de contrapartidas das instituições beneficiadas:

 

“[...] Eleições 2016. Prefeito. Representação. Conduta vedada. Art. 73, § 10, Lei 9.504/97. Convênio. Prefeitura. Sindicato. Patrocínio parcial. Festividade tradicional. Eventos artísticos e culturais. Contrapartida. Entrada franca. [...] 3. O art. 73, § 10, da Lei 9.504/97 veda, em ano eleitoral, a ‘distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública´, exceto nas hipóteses de ‘calamidade pública, de estado de emergência ou de programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior´. 4. A controvérsia dos autos cinge-se a dois pontos: a) se a distribuição de ingressos para evento cultural, por entidade privada, como contrapartida a patrocínio público, enquadra-se no óbice legal [...] 5. A teor da jurisprudência desta Corte, a assinatura de convênios e o repasse de recursos a entidades públicas e privadas para projetos nas áreas de cultura, esporte e turismo não se amoldam ao conceito de ‘distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios´, especialmente quando se exigem contrapartidas das instituições contempladas com as verbas. Precedente [...] 6. O télos do § 10 do art. 73 da Lei 9.504/97 é salvaguardar a lisura do pleito e a paridade de armas de programas assistenciais de cunho oportunista, por meio dos quais se manipula a miséria humana e a negligência do Estado em áreas sensíveis como, por exemplo, saúde e educação. 7. Trata-se da interpretação que melhor se coaduna com o texto legal, sob pena de se ampliar indevidamente as hipóteses de incidência de condutas vedadas, o que não se admite por se cuidarem de normas restritivas de direitos. Precedentes. 8. No caso, é inequívoco que a ExpoTiros representa tradicional festividade no Município de Tiros/MG, organizada pelo Sindicato dos Produtores Rurais de Tiros/MG há mais de 16 anos, contando com inúmeros shows artísticos e rodeios, extraindo-se dessas circunstâncias o seu aspecto cultural. 9. Também não há dúvida de que a entrada franca em dois dos quatro dias não consistiu em distribuição de ingressos pela Prefeitura, mas sim em contrapartida que se exigiu do sindicato diante do patrocínio - parcial, reitere-se - do evento. 10. O aspecto cultural da festa e a contrapartida exigida pela Prefeitura afastam o enquadramento da hipótese dos autos ao art. 73, § 10, da Lei 9.504/97. [...]” (Ac. de 19.6.2018 no REspe nº 4535, rel. Min. Jorge Mussi.)

“[...] Conduta vedada. Art. 73, IV e § 10, da Lei nº 9.504/97. Senador. Deputado estadual. Repasse. Recursos financeiros. Subvenção social. Entidades públicas e privadas. Fomento. Turismo. Esporte. Cultura. Contrato administrativo. Contrapartida. Gratuidade. Descaracterização. [...] 4. A assinatura de convênios e o repasse de recursos financeiros a entidades públicas e privadas para a realização de projetos na área da cultura, do esporte e do turismo não se amoldam ao conceito de distribuição gratuita, previsto no art. 73, § 10, da Lei nº 9.5047/97, sobretudo quando os instrumentos preveem a adoção de contrapartidas por parte das instituições. [...]” (Ac. de 24.4.2012 no REspe nº 282675, rel. Min. Marcelo Ribeiro.)

 

“[...] Abuso do poder político e econômico. [...] 5. O mero aumento de recursos transferidos em ano eleitoral não é suficiente para a caracterização do ilícito, porquanto o proveito eleitoral não se presume, devendo ser aferido mediante prova robusta de que o ato aparentemente irregular fora praticado com abuso ou de forma fraudulenta, de modo a favorecer a imagem e o conceito de agentes públicos e impulsionar eventuais candidaturas. [...]”. NE : Trecho do voto do relator: “Não se pode equiparar a transferência de recursos com vistas ao fomento da cultura, do esporte e do turismo à distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios, sobretudo quando há formalização de contratos que preveem contrapartidas por parte dos proponentes, podendo ser financeiras, na forma de bens ou serviços próprios ou sociais [...]” (Ac. de 24.4.2012 no RCED nº 43060, rel. Min. Marcelo Ribeiro.)

 

Sobre a interlocução “distribuição gratuita” de bens, valores ou benefícios, trata-se de distribuição sem contrapartida. A título de ilustração, menciona-se decisão TRE de Santa Catarina onde é assinalado que “a proibição do §10 do artigo 73 em apreço pressupõe distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da Administração Pública, ou seja, repasse sem qualquer contraprestação ou atuação conjunta” (Processo no 2.276 – Resolução nº 7.560, Relator Juiz Volnei Celso Tomazini, j. 12.12.2007). Na proposta, verifica-se que há previsão de atuação conjunta nos dois primeiros meses de estágio, com capacitação e desenvolvimento de atividades no âmbito de órgão do poder público – Agência de Desenvolvimento. Contata-se, ainda, que o art. 10 prevê ações de fiscalização por parte da Secretaria Municipal de Educação e da Secretaria Municipal de Assistência Social, além de prestação de contas. Portanto, ainda que o conceito de abusividade reclame análise fática caso a caso, e que a responsabilidade por não adotar conduta reputada abusiva para os fins da legislação eleitoral recaia exclusivamente sobre o gestor público, identificam-se elementos contundentes na proposta que tornam defensáveis e inclusive recomendáveis, sob o aspecto jurídico, as alterações pretendidas.

Quanto à matéria de fundo, observam-se outros exemplos de programas análogos em outros entes da federação, dentre esses:

- Programa Jovem Cidadão do Estado de São Paulo (DECRETO Nº 44.860, DE 27 DE ABRIL DE 2000): Para ajudar esta parcela da população, foi criado o “Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho”, que oferece vagas de estágio de seis meses para jovens de baixa renda com idade entre 16 e 21 anos, estudantes do ensino médio da rede pública nas 39 cidades da Região Metropolitana de São Paulo. Esses estagiários recebem bolsa de R$ 130,00, sendo que o governo do Estado paga metade e a empresa contratante se responsabiliza pela outra metade - https://www.saopaulo.sp.leg.br/blog/galeria-de-audios/programa-jovem-cidadao-oferece-oportunidade-a-jovens-de-baixa-renda/. https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2000/decreto-44860-27.04.2000.html

- Programa Jovem Cidadão Sertãozinho - Meu Primeiro Trabalho do Município de Sertãozinho/SP: Em vigor desde 2011- Lei nº 5.196/2011. (O Programa Jovem Cidadão de Sertãozinho: Meu Primeiro Trabalho consiste na realização de aprendizado e prática profissional por meio de estágio aos estudantes das instituições de ensino citadas no artigo 1º, em empresas privadas e profissionais liberais cadastrados no programa, mediante a concessão aos estagiários de uma bolsa-estágio - A Prefeitura, através da Secretaria da Indústria, Comércio, Abastecimento, Agricultura e Relações do Trabalho, arcará com: I - R$ 166,00 (https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sertaozinho/lei-ordinaria/2011/520/5196/lei-ordinaria-n-5196-2011-dispoe-sobre-o-programa-jovem-cidadao-de-sertaozinho-meu-primeiro-trabalho-revoga-a-lei-n-3752-02-e-da-outras-providencias

- Programa Trabalho Jovem do Estado do Maranhão: As vagas de estágio são destinadas para empresas cadastradas no Programa Trabalho Jovem e para órgãos e entidades da Administração Pública Estadual (Lei nº 11.384, de 16 de dezembro de 2020 e regulamentado por meio do Decreto nº 36.486, de 10 de fevereiro de 2021). A cada novo estagiário contratado pela empresa cadastrada no Programa Trabalho Jovem, acrescido ao quantitativo já existente na empresa, após credenciamento no Programa e autorização da Seinc, uma Bolsa Auxílio Estagiário de R$ 600 (seiscentos reais) mensais é concedido à empresa - https://www.trabalhojovem.ma.gov.br/.

- Programa de Estímulo ao Estágio Você Estagiando do Município de Palmas/TO: LEI Nº 1.394, DE 26 DE OUTUBRO DE 2005 - Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a conceder subvenção econômica as empresas que atenderem ao PVE, conforme disposto nesta Lei até o limite de 6 (seis) parcelas bimestrais no valor de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais), por estágio gerado.

Nos termos da Informação Técnica nº 2.056/2023 da consultoria DPM:

“Para que o Município cumpra as garantias asseguradas pela Constituição Federal, é mister o planejamento de políticas de incentivo ao desenvolvimento econômico e social, mediante edição de leis específicas que prevejam os formatos de incentivo que poderão ser prestados pelo Poder Público aos interessados em desenvolver determinada atividade. Assim, o Município pode criar programas locais de benefícios, como no caso em análise, desde que haja interesse público, como forma de incentivar atividades e melhorar as condições da comunidade local, a curto, médio e longo prazo. Portanto, é materialmente defensável a intenção do Município... Neste diapasão e com a intenção de incentivar e estimular a oferta de estágios para jovens do Município, não vislumbramos óbice na criação de programa de incentivo aos que tenham interesse na ação proposta,”

 

Já, com relação a destinação de recursos para cobertura de despesas correntes/custeio autorizadas em leis específicas, através de programas instituídos pelo ente, não vislumbramos óbice para tanto.

3. Conclusão:

 Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 095/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 21 de dezembro de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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