Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 089/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 379/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Acrescenta o Artigo 74 - B à Lei Municipal n.° 1.027/1990 - Código de Posturas, e dá outras providências."

1. Relatório:

O Chefe do Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 089/2023 à Câmara Municipal, o qual “Acrescenta o Artigo 74 - B à Lei Municipal n.° 1.027/1990 - Código de Posturas, e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da CF/88, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Por interesse local, leciona Dirley da Cunha Junior, entende-se não aquele interesse exclusivo do Município, mas seu interesse predominante, que o afete de modo mais direto e imediato (in Curso de Direito Constitucional, 2ª edição, Salvador: Juspodivm, 2008, p. 841).

Assim, a matéria normativa constante na proposta se adéqua efetivamente à definição de interesse local. Isso porque o Projeto de Lei do Executivo nº 089/2023, além de veicular matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (CF, art. 22), visa regular matéria relativa ao exercício de polícia administrativa em âmbito local, especificamente regulando normas que dizem respeito aos passeios públicos.

O art. 30, incisos I e II, da CF/88 é evidente ao assegurar aos Municípios a competência para legislar sobre os assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e a estadual. Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa apenas sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I).

Além disso, a Constituição de Estado do Rio Grande do Sul, em seu artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais”.

No presente caso, a medida está realmente inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município. O poder de polícia, no magistério de Hely Lopes Meirelles é a “faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”, estando limitado seu exercício através da “Constituição Federal, de seus princípios e da lei” (Hely Lopes Meirelles, Direito Administrativo Brasileiro, 34. Ed., São Paulo, Malheiros, 2008, p. 133 e 137).

A própria Constituição Federal garante tal prerrogativa aos entes municipais em seu artigo 174, caputin verbis:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS.

Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, neste caso, que não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva, sendo a proposta de iniciativa concorrente.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Executivo nº 089/2023 é promover, através do poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, a proteção ao meio-ambiente e o desenvolvimento da funcionalidade do ordenamento urbano, bem como promover a adequada ordenação da cidade.

Além disso, ao dispor sobre os elementos da urbanização, a Lei Federal nº 10.098/2000 (chamada de Lei da Acessibilidade) estabelece, entre outras disposições, o seguinte:

Art. 3º O planejamento e a urbanização das vias públicas, dos parques e dos demais espaços de uso público deverão ser concebidos e executados de forma a torná-los acessíveis para todas as pessoas, inclusive para aquelas com deficiência ou com mobilidade reduzida. (Redação dada pela Lei 13.146/2015)

Parágrafo único. O passeio público, elemento obrigatório de urbanização e parte da via pública, normalmente segregado e em nível diferente, destina-se somente à circulação de pedestres e, quando possível, à implantação de mobiliário urbano e de vegetação. (Incluído pela Lei 13.146/2015).

Com base nesses fundamentos e na jurisprudência, a proposição está inserida no âmbito das normas de polícia administrativa e é imposta visando um ambiente sadio para as pessoas, cabendo a iniciativa também aos parlamentares, não usurpando ainda a competência de outros entes.

Ressalta-se, ademais, a exigência de ampla divulgação da presente proposição conforme exige a Lei Orgânica Municipal em seu artigo 46, já que pretende alterar o Código de Posturas Municipal, e, ainda, a necessidade de aprovação por maioria absoluta dos membros da Casa Legislativa, já que se trata de matéria reservada a Lei Complementar.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei Complementar do Executivo nº 089/2023, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Deve ser observada a exigência de ampla divulgação da presente proposição, conforme exige a Lei Orgânica Municipal em seu artigo 46, já que pretende alterar o Código de Posturas Municipal.

É o parecer.

Guaíba, 19 de dezembro de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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19/12/2023 10:59:46
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