Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 086/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 373/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Fundo Municipal de Proteção e Defesa Civil - FUNMPDEC do Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 086/2023 à Câmara Municipal, o qual “Cria o Fundo Municipal de Proteção e Defesa Civil - FUNMPDEC do Município de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

O fundo municipal que se pretende instituir no Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 23, VIII, CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (CF, art. 22), o Projeto de Lei do Executivo nº 086/2023 estabelece uma nova forma de alocação das receitas públicas, para destiná-las à execução das ações de defesa civil, as quais compreendem os aspectos globais de prevenção de desastres, preparação para emergências e desastres, respostas aos desastres e reconstrução e recuperação originada por desastres.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, a Constituição Federal de 1988 estabelece, no artigo 167, IX, ser vedada a instituição de fundos de qualquer natureza sem prévia autorização legislativa, de tal forma que cabe ao Chefe do Executivo, no interesse da criação do fundo especial, apresentar a proposta ao Legislativo, exigência que foi devidamente observada no presente caso.

A Lei Federal nº 4.320/64 especifica as exigências para a criação e organização dos fundos especiais. Prevê o artigo 71 que “Constitui fundo especial o produto de receitas especificadas que por lei se vinculam à realização de determinados objetivos ou serviços, facultada a adoção de normas peculiares de aplicação.” Veja-se, portanto, que os recursos a serem alocados nos fundos especiais devem estar atrelados à execução de objetos específicos, já determinados por meio da proposição em que se busca a autorização legislativa para a sua instituição. O Projeto de Lei nº 086/2023 estabelece, especialmente no artigo 3º, os fins do fundo especial, quais sejam: “captar, controlar e aplicar recursos financeiros, de modo a garantir a execução de ações de prevenção e preparação em áreas de risco de desastres, de resposta e de recuperação em áreas atingidas por desastres.”

O artigo 72 da Lei nº 4.320/64 prevê que “A aplicação das receitas orçamentárias vinculadas a fundos especiais far-se-á através de dotação consignada na Lei de Orçamento ou em créditos adicionais.” O artigo 73, por sua vez, estabelece: “Salvo determinação em contrário da lei que o instituiu, o saldo positivo do fundo especial apurado em balanço será transferido para o exercício seguinte, a crédito do mesmo fundo.” Tal é orientação dada pelo artigo 5º, § 1º, do Projeto de Lei do Executivo nº 086/2023, o qual já obriga a manutenção dos saldos financeiros positivos de um exercício para o próximo, de modo a manter, permanentemente, a operacionalidade do fundo especial.

Por fim, o artigo 74 da Lei nº 4.320/64 consigna que “A lei que instituir o fundo especial poderá determinar normas peculiares de controle, prestação e tomada de contas, sem de qualquer modo elidir a competência específica do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.” Da análise da proposta, não se observa a existência de qualquer dispositivo que possa tentar limitar os trabalhos de controle pelos órgãos fiscalizadores, não havendo, portanto, qualquer mácula a impedir a tramitação da proposta neste ponto.

Quanto à previsão do Conselho Gestor ser composto por representantes de órgãos governamentais estaduais, tal norma reveste-se de inconstitucionalidade, nos termos da jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:

 

Ementa: CONSTITUCIONAL. ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE, PROCEDENCIA PARCIAL. 1. É INCONSTITUCIONAL O ART-3, INC-II, F, DA LEI 2087/99, DO MUNICIPIO DE BARRACAO, QUE INCLUIU REPRESENTANTE DA BRIGADA MILITAR NO CONSELHO MUNICIPAL DE ASSISTENCIA SOCIAL, PORQUE USURPA A COMPETENCIA DO GOVERNADOR DO ESTADO DE ORGANIZAR SEUS SERVICOS. 2. ACAO DIRETA JULGADA PROCEDENTE EM PARTE. VOTO VENCIDO. 5 FLS. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70000186494, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Araken de Assis, Julgado em: 21-02-2000).

 

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE RODEIO BONITO. LEI N.º 2.608/06. CRIAÇÃO DO CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. PREVISÃO DE INTEGRANTES DE ÓRGÃOS PÚBLICOS DA ESFERA ESTADUAL. Lei municipal prevendo a participação de integrantes do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Ordem dos Advogados do Brasil e de órgãos públicos estaduais na composição do Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente. Previsão de obrigações de representação de órgãos alheios ao peculiar interesse municipal, sobre cuja atividade é defeso à norma citadina dispor. Violação aos arts. 8º e 13 da Constituição Estadual, e art. 30, I e II, da Constituição Federal. Agressão à independência dos poderes. Inconstitucionalidade. JULGARAM PROCEDENTE A AÇÃO. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70043548452, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Carlos Rafael dos Santos Júnior, Julgado em: 10-10-2011). 

Ementa: ADIN. CONSELHO MUNICIPAL DE DEFESA E SEGURANÇA. PARTICIPAÇÃO DE REPRESENTANTES DO PODER JUDICIÁRIO, DO MINISTÉRIO PÚBLICO, DA POLÍCIA CIVIL E DA BRIGADA MILITAR. Manifesta a inconstitucionalidade da lei municipal que envolve, em Conselho Municipal, a atividade de agente estadual. Afronta à autonomia funcional e administrativa do Ministério Público. CE, arts. 108, § 4º, 109 e 111. CF, art. 127, § 1º. Invasão do legislador municipal à competência legislativa privativa de Poderes do Estado, na medida em que atribui a si competência para dispor sobre a prática de atos por parte de membro do Poder Judiciário Estadual, em afronta à regra do art. 8º da CE. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70030653091, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Aquino Flôres de Camargo, Julgado em: 14-12-2009).

Ementa: ACAO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 645/1 (ART-2, V E VIII), DO MUNICIPIO DE ESTANCIA VELHA. CONSELHO MUNICIPAL DOS DIREITOS DA MULHER, COMPOSICAO INTEGRADA POR REPRESENTANTES DO MINISTERIO PUBLICO E DA BRIGADA MILITAR. COMANDOS QUE ESCAPAM A PREVISAO LEGISLATIVA CONFERIDA AOS MUNICIPIOS. AFRONTA A AUTONOMIA ADMINISTRATIVA DO MINISTERIO PUBLICO, A ORGANIZACAO DA ADMINISTRACAO ESTADUAL E AS ATRIBUICOES DA BRIGADA MILITAR. ACAO PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70004745048, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em: 04-11-2002). 

Não obstante, cabe alertar que a criação de fundo municipal deve estar prevista no Plano Plurianual, na Lei de Diretrizes Orçamentárias e na Lei Orçamentária Anual, uma vez que “todas as ações governamentais deverão estar planejadas e contempladas nestas peças orçamentárias”.

 

Por fim, quanto à criação de fundo, a Emenda Constitucional nº 109/2021 incluiu a vedação de criação de fundo público, quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira:

Art. 167. São vedados:

(…)

XIV - a criação de fundo público, quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 109, de 2021)

Portanto, haveria em tese a obrigação de demonstrar que os objetivos não poderiam ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 086/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que se verifique a existência de previsão, nas leis orçamentárias, sobre a possibilidade de criação de fundos e que se justifique a medida nos termos da vedação do art. 167, XIV, da Constituição da República, o qual via de regra veda a criação de fundo público, quando seus objetivos puderem ser alcançados mediante a vinculação de receitas orçamentárias específicas ou mediante a execução direta por programação orçamentária e financeira de órgão ou entidade da administração pública.

Recomenda-se a revisão da previsão de composição do Conselho Gestor por representantes do Corpo de Bombeiros e da Brigada Militar, nos termos da jurisprudência acostada, por usurpar a competência do Governador do Estado.

É o parecer.

Guaíba, 12 de dezembro de 2023.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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12/12/2023 20:13:15
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