PARECER JURÍDICO |
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"Institui o Programa Estágio Social, autoriza o Poder Executivo a conceder subvenção, nos termos do art. 19 da Lei Federal n.º 4.320, de 17 de março de 1964, para o alcance dos objetivos que especifica, e dá outras providências" 1. Relatório:O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 076/2023 à Câmara Municipal, o qual “Institui o Programa Estágio Social, autoriza o Poder Executivo a conceder subvenção, nos termos do art. 19 da Lei Federal n.º 4.320, de 17 de março de 1964, para o alcance dos objetivos que especifica, e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 72 do Regimento Interno. 2. Mérito:Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do Projeto de Lei do Executivo n.º 076/2023, de autoria do Pode Executivo Municipal, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber. Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:
Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração: As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras. O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos: Art. 30. Compete aos Municípios: I - legislar sobre assuntos de interesse local; II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber; III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei; IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual; V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial; VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006) VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população; VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano; IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual. Pela competência suplementar, compete ao município suplementar a legislação federal e estadual, no que couber, ou seja, o município pode suprir as omissões e lacunas da legislação federal e estadual, sem obviamente contraditá-las e ainda estabelecer normas que digam respeito às realidades específicas do Município. Tal competência se aplica também às matérias elencadas no artigo 24 da Constituição Federal. É pertinente destacar trecho da obra de Gilmar Mendes sobre o tema: É claro que a legislação municipal, mesmo que sob o pretexto de proteger interesse local, deve guardar respeito a princípios constitucionais acaso aplicáveis. Assim, o STF já decidiu que a competência para estabelecer o zoneamento da cidade não pode ser desempenhada de modo a afetar princípios da livre concorrência. O tema é objeto da Súmula 646. Aos Municípios é dado legislar para suplementar a legislação estadual e federal, desde que isso seja necessário ao interesse local. A normação municipal, no exercício dessa competência, há de respeitar as normas federais e estaduais existentes. A superveniência de lei federal ou estadual contrária à municipal, suspende a eficácia desta. A competência suplementar se exerce para regulamentar as normas legislativas federais e estaduais, inclusive as enumeradas no art. 24 da CF, a fim de atender, com melhor precisão, aos interesses surgidos das peculiaridades locais. O Tribunal de Justiça de São Paulo, através do voto do Desembargador Roberto MacCracken, no julgamento da ADI nº 01752128420138260000, manifestou-se sobre a competência legislativa dos municípios: A questão da competência legislativa deve ser apreciada sobre a exegese dos artigos 24 e 30 da CF/88, isto é, enquanto o primeiro arrola as competências concorrentes da União, Estados e Distrito Federal para legislar, principalmente, sobre proteção do meio ambiente (artigo 24, inciso VI), o segundo autoriza o Município a “suplementar a legislação federal e a estadual no que couber” (artigo 30, inciso II), assim, a lei impugnada, que dispôs sobre proteção do meio ambiente na comercialização, na troca e no descarte de óleo lubrificante, não ingressou na matéria ambiental de forma genérica, mas apenas promoveu regulamentação suplementar e nitidamente específica, não ofendendo a competência legislativa de qualquer outra Unidade da Federação, mas, pelo contrário, exerceu preceito constitucional dentro dos limites próprios e atinentes ao seu campo de atuação. (SÃO PAULO, 2014) Está bem exercida, ademais, a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, tratando a proposta de instituição de programa de estímulo ao estágio, através de subvenção, o que cabe ao Poder Executivo Municipal, versando sobre a organização e o funcionamento da administração pública, sendo de iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, por força do art. 60, II, d e 82, VII, ambos da Constituição Estadual. No que diz respeito à matéria de fundo, a proposta pretende “oportuniza a inclusão social do jovem do município, de modo a incentivar a criação de vagas de estágio em empresas da cidade, para o jovem em vulnerabilidade, objetivando o desenvolvimento de competências para o mundo do trabalho e os empresários a oportunidade de contribuir para formação dos futuros profissionais, difundindo valores e cultura da empresa”. O art. 227 da Constituição Federal prevê, com efeito, ser dever do Estado assegurar ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à profissionalização, sendo essencial o desenvolvimento de políticas públicas de formação profissional: Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. No Brasil, a Constituição da República de 1988 reconheceu a profissionalização como um dos direitos fundamentais de todo adolescente (artigo 227), a ser garantido com absoluta prioridade, observadas as restrições estabelecidas no artigo 7º, inciso XXXIII, na redação dada pela Emenda constitucional nº 20, de 1996. Por sua vez, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990 - reafirma o Princípio da Proteção Integral em seu artigo 4º, reconhecendo que é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária. Na mesma linha, o texto referencial do SINASE, aprovado pela Resolução nº 119/20064, do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), consagra a profissionalização como um dos eixos estratégicos da ação socioeducativa, a ser implementado na forma dos seguintes parâmetros, comuns a todas as entidades e/ou programas que executam a internação provisória e as demais medidas socioeducativas: - encaminhar os adolescentes ao mercado de trabalho desenvolvendo ações concretas e planejadas no sentido de inseri-los no mercado formal, em estágios remunerados, a partir de convênios com empresas privadas ou públicas, considerando, contudo, o aspecto formativo; No bojo do PL 6494/2019, na Câmara dos Deputados, por exemplo, em reunião na Câmara dos Deputados, especialistas em educação e políticas para a juventude apontaram a necessidade de incentivos – tanto na forma de financiamentos quanto de qualificação. Os jovens são, segundo os estudos de Puerta e Aznarde (2013) e Nascimento (2014), a faixa etária que mais sofre com o desemprego, visto que são protagonistas de um cenário de falta de formação profissional que os leva a ocupar vagas de trabalhos extremamente precarizadas e sem perspectivas de ascensão. Geralmente são os jovens pobres que ingressam mais cedo no mundo do trabalho, assim une-se também a questão das necessidades e busca por melhores condições de vida (Tommasi, 2014). Isso demarca questões já tão conhecidas de desigualdade social no país, como salienta Linhares (2014), e dessa forma, para suprir suas necessidades e de suas famílias um grande número de jovens se submete cada vez mais cedo ao mundo do trabalho, mesmo que este não se dê de forma legalizada. A implementação do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego (Lei nº 10.940, de 2004), foi uma das tentativas, vindo com o objetivo de promover a geração de postos de trabalho para jovens e prepará-los para o mercado de trabalho. O Programa foi depois alterado pela Lei Federal nº 11.692/2008, que Dispõe sobre o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem, o qual prevê inclusive repasse de recursos aos jovens atendidos: Art. 4º Para a execução das modalidades tratadas no art. 2o desta Lei, a União fica autorizada a transferir recursos aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, sem a necessidade de convênio, acordo, contrato, ajuste ou instrumento congênere, mediante depósito em conta-corrente específica, sem prejuízo da devida prestação de contas da aplicação dos recursos. § 1º O montante dos recursos financeiros a que se refere esta Lei será repassado em parcelas e calculado com base no número de jovens atendidos, conforme disposto em regulamentação, e destina-se à promoção de ações de elevação da escolaridade e qualificação profissional dos jovens, bem como à contratação, remuneração e formação de profissionais. Art. 18. Nas unidades da Federação e nos Municípios onde existirem programas similares e congêneres ao previsto no Projovem Trabalhador, o Ministério do Trabalho e Emprego buscará promover a articulação e a integração das ações dos respectivos Programas. Observam-se outros exemplos de programas análogos em outros entes da federação, dentre esses: - Programa Jovem Cidadão do Estado de São Paulo (DECRETO Nº 44.860, DE 27 DE ABRIL DE 2000): Para ajudar esta parcela da população, foi criado o “Programa Jovem Cidadão: Meu Primeiro Trabalho”, que oferece vagas de estágio de seis meses para jovens de baixa renda com idade entre 16 e 21 anos, estudantes do ensino médio da rede pública nas 39 cidades da Região Metropolitana de São Paulo. Esses estagiários recebem bolsa de R$ 130,00, sendo que o governo do Estado paga metade e a empresa contratante se responsabiliza pela outra metade - https://www.saopaulo.sp.leg.br/blog/galeria-de-audios/programa-jovem-cidadao-oferece-oportunidade-a-jovens-de-baixa-renda/. https://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/decreto/2000/decreto-44860-27.04.2000.html - Programa Jovem Cidadão Sertãozinho - Meu Primeiro Trabalho do Município de Sertãozinho/SP: Em vigor desde 2011- Lei nº 5.196/2011. (O Programa Jovem Cidadão de Sertãozinho: Meu Primeiro Trabalho consiste na realização de aprendizado e prática profissional por meio de estágio aos estudantes das instituições de ensino citadas no artigo 1º, em empresas privadas e profissionais liberais cadastrados no programa, mediante a concessão aos estagiários de uma bolsa-estágio - A Prefeitura, através da Secretaria da Indústria, Comércio, Abastecimento, Agricultura e Relações do Trabalho, arcará com: I - R$ 166,00 (https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/sertaozinho/lei-ordinaria/2011/520/5196/lei-ordinaria-n-5196-2011-dispoe-sobre-o-programa-jovem-cidadao-de-sertaozinho-meu-primeiro-trabalho-revoga-a-lei-n-3752-02-e-da-outras-providencias - Programa Trabalho Jovem do Estado do Maranhão: As vagas de estágio são destinadas para empresas cadastradas no Programa Trabalho Jovem e para órgãos e entidades da Administração Pública Estadual (Lei nº 11.384, de 16 de dezembro de 2020 e regulamentado por meio do Decreto nº 36.486, de 10 de fevereiro de 2021). A cada novo estagiário contratado pela empresa cadastrada no Programa Trabalho Jovem, acrescido ao quantitativo já existente na empresa, após credenciamento no Programa e autorização da Seinc, uma Bolsa Auxílio Estagiário de R$ 600 (seiscentos reais) mensais é concedido à empresa - https://www.trabalhojovem.ma.gov.br/. - Programa de Estímulo ao Estágio Você Estagiando do Município de Palmas/TO: LEI Nº 1.394, DE 26 DE OUTUBRO DE 2005 - Fica o Poder Executivo Municipal autorizado a conceder subvenção econômica as empresas que atenderem ao PVE, conforme disposto nesta Lei até o limite de 6 (seis) parcelas bimestrais no valor de R$ 150,00 (cento e cinqüenta reais), por estágio gerado. Nos termos da Informação Técnica nº 2.056/2023 da consultoria DPM: “Para que o Município cumpra as garantias asseguradas pela Constituição Federal, é mister o planejamento de políticas de incentivo ao desenvolvimento econômico e social, mediante edição de leis específicas que prevejam os formatos de incentivo que poderão ser prestados pelo Poder Público aos interessados em desenvolver determinada atividade. Assim, o Município pode criar programas locais de benefícios, como no caso em análise, desde que haja interesse público, como forma de incentivar atividades e melhorar as condições da comunidade local, a curto, médio e longo prazo. Portanto, é materialmente defensável a intenção do Município... Neste diapasão e com a intenção de incentivar e estimular a oferta de estágios para jovens do Município, não vislumbramos óbice na criação de programa de incentivo aos que tenham interesse na ação proposta,” Ante ao exposto, superada a análise quanto a regularidade do projeto de lei encaminhado pelo Poder Executivo para instituir o Programa Estágio Social, ressaltamos que sob o aspecto orçamentário a forma que a Administração Municipal dispõe para viabilizar o repasse de recursos para as entidades privadas com finalidade lucrativa para fins de atender os objetivos do respectivo Programa, é por intermédio do pagamento do auxílio financeiro/incentivo a título de Subvenções Econômicas, nos termos dos arts. 12, §3º, inciso II, e 19, todos da Lei Federal nº 4.320/1964.
Na mesma linha o §1º do art. 39 da Lei Municipal nº 4.263/2022, que dispõe sobre as diretrizes orçamentárias para o exercício de 2023, orienta que em atendimento ao disposto no art. 19 da Lei Federal nº 4.320/1964, a destinação de recursos às entidades privadas com fins lucrativos de que trata o caput somente poderá ocorrer por meio de subvenções econômicas, sendo vedada a transferência a título de contribuições ou auxílios para despesas de capital.
Já, com relação a destinação de recursos para cobertura de despesas correntes/custeio autorizadas em leis específicas, através de programas instituídos pelo ente, não vislumbramos óbice para tanto.
No tocante a natureza da despesa e considerando a finalidade do Programa Estágio Social que o Município pretende implementar, destaca-se que os repasses dessa natureza serão classificados de acordo com o ementário da despesa disponibilizado pelo TCE/RS na categoria econômica de despesa corrente, no seguinte detalhamento 3.3.60.45.00.00.00 - Subvenções Econômicas, e nesta modalidade não há vedação, pois está ressalvada no art. 19 da Lei Federal nº 4.320/1964. O artigo 167, II, da CF/88, exige a existência de previsão orçamentária para a realização da despesa pretendida, nos seguintes termos: Art. 167. São vedados: I - o início de programas ou projetos não incluídos na lei orçamentária anual; II - a realização de despesas ou a assunção de obrigações diretas que excedam os créditos orçamentários ou adicionais; 3. Conclusão:Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 076/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, recomendando-se que haja referência da prévia dotação orçamentária, considerando que toda despesa criada deve ser previamente estimada, consoante o disposto ao art. 16 da Lei de Responsabilidade Fiscal. É o parecer. Guaíba, 27 de novembro de 2023.
FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS Procurador-Geral OAB/RS nº 107.136 Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 27/11/2023 15:39:28 |
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Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 27/11/2023 ás 15:39:13. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação afb0c34e6a0bc074f5bee663348f8225.
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