Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 168/2023
PROPONENTE : Ver. Marmotha
     
PARECER : Nº 345/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Proíbe o estacionamento de veículos de grande porte no entorno de áreas públicas como praças, parques, creches, escolas e academias ao ar livre, e exige a sinalização destas áreas, bem como a construção de faixas elevadas para garantir a segurança na travessia de pedestres"

1. Relatório:

O Ver. Marmotha (SDD) apresentou o Projeto de Lei nº 168/2023 à Câmara Municipal, o qual “Proíbe o estacionamento de veículos de grande porte no entorno de áreas públicas como praças, parques, creches, escolas e academias ao ar livre, e exige a sinalização destas áreas, bem como a construção de faixas elevadas para garantir a segurança na travessia de pedestres”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais ou ilegais (art. 94, §1º). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 94, parágrafo único do RI.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, estando prevista, no inciso I, a competência para legislar sobre assuntos de interesse local. A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, pois a proposta pretende dispor sobre regras de trânsito no âmbito local. Tal medida se insere na competência municipal e está alinhada aos objetivos previstos na Constituição Estadual Gaúcha.

 

Ocorre, todavia, que a proposta contém vício de iniciativa. A proposição esbarra no disposto no art. 61, § 1º, da CF/88, que estabelece a iniciativa privativa para a deflagração do processo legislativo, fixando as disciplinas próprias do Presidente da República, aplicáveis por simetria aos demais entes federados, entre eles o Município de Guaíba:

Art. 61 (...)

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

(...)

O conteúdo normativo do Projeto de Lei do Legislativo nº 168/2023, do Poder Legislativo, invade a iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo Municipal, prevista no aludido art. 61, § 1º, da Constituição da República Federativa do Brasil, ao regulamentar serviço público que é de responsabilidade e atribuição do Executivo.

Diante disso, a alteração das regras contratuais sobre o tema não cabem ao Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pela administração dos serviços públicos.

Não se pode esquecer, ainda, do previsto nos artigos 52 e 119 da Lei Orgânica Municipal, que, à semelhança dos citados dispositivos constitucionais, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre determinadas matérias:

Art. 52 - Compete privativamente ao Prefeito:

(...)

VI – dispor sobre a organização e o funcionamento da Administração Municipal, na forma da Lei;

(...)

X – planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

É preciso destacar, por fim, a existência de inúmeros precedentes do Tribunal de Justiça declarando a inconstitucionalidade formal de leis municipais nesse sentido, quando deflagrado o processo legislativo por Vereador:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI DO MUNICÍPIO DE ALEGRETE QUE ESTABELECE REGRAS SOBRE A RESERVA DE VAGAS GRATUITAS DE ESTACIONAMENTO PARA IDOSOS E DEFICIENTES. INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO DE INICIATIVA QUANTO AO REGRAMENTO DO PODER EXECUTIVO. SEPARAÇÃO DE PODERES. Segundo a jurisprudência do Tribunal de Justiça, a lei de iniciativa da Câmara de Vereadores possui vício de iniciativa, ao estabelecer regras para os serviços públicos de estacionamento rotativo pago nas vias públicas municipais, cuja gestão cabe ao Poder Executivo, viola o princípio constitucional da separação dos Poderes Republicanos, que condiciona todos os entes políticos, e o Município, nas circunstâncias do caso. PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70070873567, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Carlos Cini Marchionatti, Julgado em 27/11/2017).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 7.648/2013, DO MUNICÍPIO DE CARAZINHO, QUE DÁ NOVA REDAÇÃO AOS ARTIGOS 2º E 4º DA LEI MUNICIPAL Nº 7.067/2009, QUE CONSOLIDA A LEGISLAÇÃO QUE INSTITUI E DISCIPLINA O ESTACIONAMENTO ROTATIVO PAGO. EMENDA ADITIVA QUE LIMITOU A VIGÊNCIA DA LEI Nº 7.648/2013 EM 06 (SEIS) MESES. VÍCIO DE ORIGEM. INICIATIVA PRIVATIVA DO PREFEITO. OFENSA AOS ARTS. 5º, 8º, 10, 60, II, D, E 82, VII, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AFRONTA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. É inconstitucional a parte do art. 2º da Lei Municipal nº 7.648/2013 acrescentada pela Emenda Aditiva ao Projeto de Lei nº 001/2013, a qual limitou a vigência da Lei em 06 (seis) meses, por vício de iniciativa, considerando que a competência para regular matéria relativa a estacionamento rotativo pago é do Chefe do Executivo. Há, pois, ingerência do Poder Legislativo em matéria de competência exclusiva do Poder Executivo Municipal, violando o princípio constitucional da independência e harmonia dos Poderes, em ofensa ao disposto nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, d, e 82, VII, da Constituição Estadual. [...] (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70056182025, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Francisco José Moesch, Julgado em 27/01/2014)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE LAJEADO. LEI MUNICIPAL LEI Nº 10.006, DE 23 DE DEZEMBRO DE 2015. PROJETO DE LEI ORIGINÁRIO DA CÂMARA DE VEREADORES DISPONDO SOBRE O ESTACIONAMENTO ROTATIVO PAGO NAS VIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. MATÉRIA DE INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES. CONFIGURADOS VÍCIO FORMAL E MATERIAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROVIDA. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70068200468, Tribunal Pleno, TJRS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 05/09/2016).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI MUNICIPAL DE RIO CLARO nº 4.404, de 19 de setembro de 2012 - ALTERAÇÃO DE LEI ANTERIOR REGULAMENTANDO A UTILIZAÇÃO DO ESTACIONAMENTO ROTATIVO DE VEÍCULOS AUTOMOTORES (ZONA AZUL) CARACTERIZAÇÃO - VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA LEGISLATIVA - VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – Projeto de lei de iniciativa de Vereador,  aprovado e promulgado pela respectiva Câmara Municipal, com veto do Alcaide de Rio Claro, que modifica a legislação anterior regulamentadora da utilização do estacionamento rotativo pago de veículos automotores (Zona  Azul) - Introdução da gratuidade do estacionamento em vias públicas locais para o período de dez minutos - Competência exclusiva do Poder Executivo Municipal - Inconstitucionalidade da Lei Municipal de Rio Claro nº 4.404, de 19 de setembro de 2012, proclamada, à luz dos artigos 5º, 47, incisos II e XIV, da Constituição do Estado de São Paulo - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente, confirmada a liminar deferida ‘ab initio utis'. (Processo nº 0229401-46.2012.8.26.0000 - Direta de Inconstitucionalidade - Relator(a): Amado de Faria - Comarca: São Paulo - Órgão julgador: Órgão Especial – Data do julgamento: 10/04/2013 – Data de registro: 23/04/2013).

Assim, considerando ser exclusiva do Poder Executivo a iniciativa para definir a matéria, o PLL nº 168/2023 sofre de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa, sendo juridicamente inviável.

Sugere-se a remessa de indicação ao Executivo, nos termos regimentais.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver à autora a proposição em epígrafe, em razão de vício de iniciativa caracterizado com base no artigo 61, § 1º, da CF/88, nos artigos 5º, 8º, 10, 60, II, “d”, e 82, III, da CE/RS e no artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer.

Guaíba, 20 de abril de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

 

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20/11/2023 13:05:01
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