Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 068/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 304/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre o pagamento, no exercício de 2023, de diferença remuneratória aos servidores que especifica, para o cumprimento dos pisos da enfermagem, na extensão do quanto disponibilizado pela União ao Município a título de assistência financeira complementar, na forma estabelecida na Constituição Federal"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 068/2023 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre o pagamento, no exercício de 2023, de diferença remuneratória aos servidores que especifica, para o cumprimento dos pisos da enfermagem, na extensão do quanto disponibilizado pela União ao Município a título de assistência financeira complementar, na forma estabelecida na Constituição Federal”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

3.1 Da competência legislativa e da iniciativa do processo legislativo

 

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

No mesmo sentido, o artigo 6º, inciso I, da Lei Orgânica Municipal (LOM) refere: “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local”.

A pretendida instituição de complemento salarial para os profissionais da enfermagem é matéria que se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular tema de competência legislativa não privativa da União (art. 22 da CF/88), o Projeto de Lei nº 068/2023 busca, no estrito âmbito local, ajustar por meio de parcela autônoma pisos salariais nacionais para o enfermeiro, o técnico de enfermagem, o auxiliar de enfermagem e a parteira (profissionais da enfermagem), a serem observados por pessoas jurídicas de direito público e de direito privado, foi introduzida no ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional – EC nº 124, publicada em 15/07/2022, que acrescentou os §§ 12 e 13 ao art. 198 da Constituição Federal – CF.

Constata-se que a Lei Federal nº 14.434 mencionada pelo § 12 do art. 198 da CF/88, foi publicada em 5/08/2022, alterando a Lei Federal nº 7.498/1986 e instituindo os pisos salariais nacionais dos profissionais da enfermagem. Em relação às pessoas jurídicas de direito público, os valores dos pisos constam no art. 15-C da Lei Federal nº 7.498/1986, incluído pela Lei Federal nº 14.434/2022:

Art. 15-C. O piso salarial nacional dos Enfermeiros servidores dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios e de suas autarquias e fundações será de R$ 4.750,00 (quatro mil setecentos e cinquenta reais) mensais.

Parágrafo único. O piso salarial dos servidores de que tratam os arts. 7º, 8º e 9º desta Lei é fixado com base no piso estabelecido no caput deste artigo, para o Enfermeiro, na razão de:

I - 70% (setenta por cento) para o Técnico de Enfermagem;

II - 50% (cinquenta por cento) para o Auxiliar de Enfermagem e para a Parteira. (grifamos e sublinhamos)

No que diz respeito à iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto objetiva alterar a remuneração de cargos efetivos do serviço público municipal, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual quanto à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS).

Nesse caso, refere o art. 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o art. 119 da LOM reproduz as hipóteses de iniciativa legislativa privativa do Prefeito, nos seguintes termos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Portanto, a proposta está adequada sob os aspectos da competência legislativa e da iniciativa, estando também apropriada a espécie normativa adotada para veicular a matéria, considerando que o art. 37, inciso X, da CF/88 exige lei específica para alterar a remuneração de servidores públicos.

 

A proposição, nesse sentido, vem exatamente com o propósito de garantir que o piso salarial profissional nacional continue sendo respeitado no Município de Guaíba.

O art. 198 da CF foi novamente alterado pela EC nº 127, publicada em 23/12/2022, que nele incluiu previsão de que compete à União, nos termos da lei, e mediante consignação no seu orçamento geral com dotação própria e exclusiva, prestar assistência financeira complementar aos entes subnacionais e às entidades filantrópicas para o cumprimento dos pisos salariais nacionais dos profissionais da enfermagem.

Esse é o entendimento do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL na ADI nº 7.222:

[...] (ii) em relação aos servidores públicos dos Estados, Distrito Federal, Municípios e de suas autarquias e fundações (art. 15-C da Lei nº 7.498/1986), [...]: a) a implementação da diferença remuneratória resultante do piso salarial nacional deve ocorrer na extensão do quanto disponibilizado, a título de “assistência financeira complementar”, pelo orçamento da União (art. 198, §§ 14 e 15, da CF, com redação dada pela EC nº 127/2022); b) eventual insuficiência da “assistência financeira complementar” mencionada no item (ii.a) instaura o dever da União de providenciar crédito suplementar, cuja fonte de abertura serão recursos provenientes do cancelamento, total ou parcial, de dotações tais como aquelas destinadas ao pagamento de emendas parlamentares individuais ao projeto de lei orçamentária destinadas a ações e serviços públicos de saúde (art. 166, § 9º, da CF) ou direcionadas às demais emendas parlamentares (inclusive de Relator-Geral do Orçamento). Não sendo tomada tal providência, não será exigível o pagamento por parte dos entes referidos no item (ii); c) uma vez disponibilizados os recursos financeiros suficientes, o pagamento do piso salarial deve ser proporcional nos casos de carga horária inferior a 8 (oito) horas por dia ou 44 (quarenta e quatro) horas semanais”, vencidos os Ministros Edson Fachin e Rosa Weber. Pelo voto médio, referendou também o seguinte item da decisão: “[...] Quanto aos efeitos da presente decisão, em relação aos profissionais referidos nos itens [...] e (ii), eles se produzem na forma da Portaria GM/MS nº 597, de 12 de maio de 2023”, vencidos os Ministros Dias Toffoli, Luiz Fux, Nunes Marques e Alexandre de Moraes. Tudo nos termos do voto conjunto do Ministro Luís Roberto Barroso (Relator) e do Ministro Gilmar Mendes. Proclamação realizada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, Vice-Presidente no exercício da Presidência. Plenário, Sessão Virtual de 23.6.2023 a 30.6.2023. (grifamos e sublinhamos).

Sendo assim, está correta a proposta veiculada pelo PLE 068/2023, visto que os Municípios, estão obrigados, em relação aos seus servidores, a dar cumprimento aos pisos dos profissionais da enfermagem definidos pela Lei Federal nº 14.434/2022, sendo necessária, ainda, autorização legislativa para a despesa que se pretende instituir.

3.3 Das exigências orçamentário-financeiras

Quanto à observância das normas de direito financeiro e orçamentário, verifica-se que a proposta pretende instituir complemento remuneratório através de parcela autônoma apenas até dezembro do exercício de 2023, para o qual a EC nº 127/2022 previu que não serão as despesas contabilizadas para os limites de que e trata o art. 169 da Constituição Federal. Cabe o alerta de que para os exercícios seguintes haverá a contabilização para tais limites - houve a previsão de uma regra de transição que incorpora os valores aos limites de maneira progressiva.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria, em conclusão, tece as seguintes considerações sobre o Projeto de Lei do Executivo nº 068/2023:

a) a competência legislativa e a iniciativa foram atendidas, visto que o assunto é de interesse local (art. 30, I, da CF/88), não extrapolando competências de outros entes, e a proposta foi apresentada pelo Prefeito, autoridade com iniciativa privativa para tratar de remuneração dos servidores do Executivo (art. 60, II, “a”, da CE/RS e art. 119, I, da LOM);

b) não houve apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro da proposta, com a justificativa de que a EC nº 127/2022 previu que não serão as despesas contabilizadas para os limites de que e trata o art. 169 da Constituição Federal em relação ao exercício financeiro de 2023. Cabe o alerta de que para os exercícios seguintes haverá a contabilização para tais limites.

Nesses termos, opina-se pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do PLE nº 068/2023, que está apto a seguir o trâmite regimental.

É o parecer.

Guaíba, 10 de outubro de 2023.

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS                                  

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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10/10/2023 19:01:13
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