Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 136/2023
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 302/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a imposição de sanção administrativa aos condomínios residenciais que não afixarem cartazes, placas ou comunicados nas áreas comuns de uso, divulgando sobre a comunicação a Policia Civil e/ou Brigada Militar, quando for preciso, referente ao que fazer para cessar agressão, em casos de ocorrência ou indício de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, em condomínios residenciais no Município de Guaíba."

1. Relatório:

O Substitutivo ao Projeto de Lei do Legislativo n.º 136/2023, de autoria do Vereador Manoel Eletricista (PSDB), o qual “Acrescenta o art. 72-A à Lei Municipal no 1.027/1990 - Código de Posturas, para tornar obrigatório afixar, nas áreas de uso comum dos condomínios residenciais, cartazes, placas ou comunicados divulgando a obrigatoriedade de encaminhamento de comunicação à Polícia Civil, por meio de seus síndicos e/ou administradores devidamente constituídos, quando houver, em suas unidades condominiais ou nas áreas comuns, a ocorrência ou indício de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência.”, foi encaminhado a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade e legalidade da proposição.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais ou ilegais (art. 94, §1º). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora.

A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 94, parágrafo único do RI.

Constata-se que a matéria constante do Substitutivo ao Projeto de Lei do Legislativo n.º 136/2023, de fato insere-se no âmbito de matérias de interesse local, nos termos do artigo 30, I da Constituição Federal, portanto de competência legislativa do município, ao qual ainda cabe suplementar a legislação federal e a estadual no que couber, por força do artigo 30, II da CF/88. Dispõe o artigo 30 da Constituição Federal, prevendo a faculdade normativa dos Municípios, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida de proteção às mulheres, crianças, pessoas com deficiência, aos adolescentes e idosos vítimas de violência doméstica que se pretende instituir no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (artigo 227 da CF), não atrelada às competências legislativas privativas da União (artigo 22 da CF), o Projeto de Lei nº 136/2023 registra, na legislação municipal, mais especificamente na Lei Municipal nº 1.027/1990 - Código de Posturas, dispositivo que prevê a obrigatoriedade dos condomínios residenciais localizados no Município afixarem cartazes, placas ou comunicados divulgando a obrigatoriedade de encaminhamento de comunicação à Polícia Civil, por meio de seus síndicos e/ou administradores devidamente constituídos, quando houver, em suas unidades condominiais ou nas áreas comuns, a ocorrência ou indício de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência, sem prejuízo da comunicação à Brigada Militar, quando for preciso fazer cessar a violência, através do telefone 190, além de prever penalidades em caso de descumprimento da norma, o que se encontra alinhado aos deveres constitucionais de proteção desses grupos.

O Projeto de Lei nº 136/2023 também não incorre em inconstitucionalidade formal, pois apenas explicita, na legislação local, obrigação já prevista no Art. 2º da Lei Estadual nº 15.549, de 04 de novembro de 2020, do Estado do Rio Grande do Sul, suplementando-a ao prever penalidades em caso de descumprimento de suas disposições, medida que tem respaldo na aplicação imediata dos direito fundamentais dos grupos que a norma visa proteger. Isto é, a obrigação já existe; só está sendo veiculada no Código de Posturas Municipal para garantir a sua efetividade no Município e respectiva fiscalização com aplicação de penalidades em caso de seu descumprimento.

No campo da competência suplementar dos Municípios, estes estão legitimados a complementar as normas editadas com base no artigo 24 da CF/88, desde que respeitados os aspectos gerais do regramento objeto da suplementação. Resumidamente, os Municípios podem legislar na competência suplementar caso existam, de fato, normas federais ou estaduais sobre a matéria e se respeite o campo de abrangência das leis complementadas.

Ainda, a CE/RS, no artigo 13, I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais”, inserindo-se a matéria posta no projeto entre aquelas pertinentes ao poder de polícia de âmbito local.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

  • 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

  1. a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;
  2. b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
  3. c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)
  4. d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;
  5. e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
  6. f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998).

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

  1. a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;
  2. b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;
  3. c) organização da Defensoria Pública do Estado;
  4. d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria tratada, tendo em vista que os dispositivos constitucionais não estabelecem a reserva de iniciativa para o tema.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 136/2023 é promover a proteção dos interesses de possíveis vítimas de violência doméstica, através da publicidade da obrigatoriedade de atuação dos síndicos e/ou administradores devidamente constituídos dos condomínios residenciais localizados no Município quando houver ocorrência ou indício de violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, adolescentes, idosos e pessoas com deficiência em suas unidades condominiais ou nas áreas comuns.

O artigo 227, caput, da Constituição Federal prevê que “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.” Já o artigo 230 prevê que “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida.” Ademais, está prevista na Constituição Federal a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (art. 23, II), bem como que Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações (art. 26, § 8º).

 

É perceptível, pois, que a medida pretendida no Projeto de Lei nº 136/2023 é compatível com os interesses defendidos na Constituição Federal e no Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), Estatuto do Idoso (Lei nº 10.741/03), Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13.146/15), Lei Federal n° 11.340/06, que cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, e Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta e pela regular tramitação do Substitutivo ao Projeto de Lei nº 136/2023.

Por fim, tratando-se de alteração do Código de Posturas, com natureza de lei complementar (art. 46, II, da LOM), salienta-se que deverá ser respeitado o disposto no art. 46, § 1º, da LOM, no sentido de que sejam garantidas a ampla divulgação e a realização de consulta pública para o recebimento de sugestões, além da aprovação pela maioria absoluta, requisitos indispensáveis à validade jurídica do processo legislativo.

É o parecer.

Guaíba, 10 de outubro de 2023.

JULIA ZANATA DAL OSTO

Procuradora

OAB/RS 108.241

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10/10/2023 15:18:56
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