Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 133/2023
PROPONENTE : Ver. Marmotha
     
PARECER : Nº 285/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal no 4.116, de 06 de janeiro de 2022, para instituir o Programa Doar é Legal"

1. Relatório:

O Vereador Marmotha (SDD) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 133/2023 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal no 4.116, de 06 de janeiro de 2022, para Instituir o Programa Doar é Legal”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Vereadores.

2. Mérito:

Preliminarmente, a matéria de fundo insere-se na competência local, não havendo qualquer óbice à proposta. A proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, bem como no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios. O referido artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, dispõe que:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;  

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;                (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

(...)

A instituição de procedimentos voltados a aumentar a doação de órgãos, sangue, medula óssea e tecidos no âmbito do Município é matéria de interesse local, verificando-se que a proposta legislativa ora em análise encontra-se ao abrigo do comando constitucional que estabelece a competência legislativa ao Município, não havendo, portanto, sob esse prisma, óbice material à regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo n.º 133/2023.

Sob o prisma dos deveres dos Entes federados, o Município deverá promover, em conjunto com a União e o Estado, o acesso universal e igualitário dos seus habitantes às ações e serviços de promoção da saúde, além de garantir o direito dos indivíduos de obterem informações sobre assuntos pertinentes à saúde. Ademais, a Constituição Federal estatui ser da competência comum da União, Estados e Municípios cuidar da saúde e assistência pública (art. 23, inciso II), em termos análogos ao que preveem os artigos 162 e seguintes da LOM:

CF/88

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

LOM

SEÇÃO III

DA SAÚDE

Art. 162. O Município desenvolverá ações destinadas a tomar efetivos os direitos à saúde, assegurados pela constituição Federal, atendidas às peculiaridades do Município, vilas ou Distritos.

Parágrafo Único - Será estimulada a participação da população que atuará através de organizações representativas da comunidade e de entidades associativas de prestadores de serviço de saúde, visando a otimização dos recursos do Poder Público, face às necessidades de atendimento da população.

Art. 163. É da competência do Município desenvolver as seguintes ações:

I - planejar, organizar, gerir, controlar e avaliar as ações e serviços públicos de saúde;

II - planejar, programar e organizar a rede regionalizada e hierarquizada do sistema único de saúde do Município, em articulação com a direção Estadual do sistema;

III - gerir, controlar e avaliar as ações referentes às condições e aos ambientes de trabalho;

IV - executar os seguintes serviços, inclusive no ambiente escolar, em cooperação com o Estado e a União:

a) de vigilância epidemiológica;

b) de vigilância sanitária;

c) de saneamento básica;

d) de medicina preventiva, curativa e reabilitadora;

e) de atendimento especializado e gratuito para crianças, adolescentes e idosos portadores de deficiências;

f) de tratamento à saúde ocupacional dos trabalhadores estudantes.

V - articular-se com Municípios vizinhos para o equacionamento e solução de problemas comuns da área de saúde;

VI - celebrar convênios com profissionais autônomas e entidades prestadoras de serviço de saúde, observada a legislação específica, dando preferência, aqueles sem fins lucrativos;

VII - fiscalizar o tratamento do lixo hospitalar, de clinicas, laboratórios médicos assemelhados;

VIII - autorizar a instalação de serviços privados de saúde e fiscalizar-lhes o funcionamento no que couber;

IX - promover treinamento de nível médio, em articulação com a escola de saúde pública estadual, para a promoção das atenções básicas de saúde.

Ao que tudo indica, a propositura não estabelece como se darão os procedimentos de manifestação da vontade, nem quais serão seus requisitos, visto que compete privativamente à União legislar sobre direito civil, a teor do disposto no art. 22, incisos I e XXV, da Constituição Federal, tendo a Lei Federal nº 9.434/1997 disciplinado a matéria. Ademais, foi editado pelo Presidente da República o Decreto nº 9.175, de 18 de outubro de 2017, que “regulamenta a Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997, para tratar da disposição de órgãos, tecidos, células e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento”, abrogando o Decreto nº 2.268, de 30 de junho de 1997.

No que diz respeito à iniciativa legislativa para deflagrar o processo legislativo, ao que tudo indica a matéria pode ser deflagrada através de projetos de lei de iniciativa parlamentar, visto que não regula matéria atinente a organização administrativa e atribuições dos órgãos de outro Poder, não cria atribuições para as Secretarias Municipais (além daquelas já existentes), nem interfere na organização de pessoal e infraestrutura do Poder Executivo Municipal. A propositura legislativa em análise, que pretende incentivar a doação de órgãos veicula dispositivos “sintônico com a ideação constitucional”.

Verifica-se jurisprudência do Supremo Tribunal Federal reconhecendo a constitucionalidade de leis de iniciativa parlamentar instituindo programas municipais, inclusive a serem desenvolvidos em logradouros públicos:

A criação, por lei de iniciativa parlamentar, de programa municipal a ser desenvolvido em logradouros públicos não invade esfera de competência exclusiva do chefe do Poder Executivo. [RE 290.549 AgR, rel. min. Dias Toffoli, j. 28-2-2012, 1ª T, DJE de 29-32012.]

Quando do julgamento do referido RE 290.549 AgR, em 2012, a Primeira Turma do STF entendeu que a criação, por lei de iniciativa parlamentar, de programa municipal a ser desenvolvido em logradouros públicos não invade esfera de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo.

Também o Tribunal de Justiça Carioca em seu acórdão - mantido naquele julgamento do STF - entendera por afastar a inconstitucionalidade dos artigos 1º, 2º e 3º da Lei municipal nº 2.621/98 com base em uma interpretação sistemática desses dispositivos, sob o fundamento de que eles não se relacionam com a matéria de competência reservada ao Chefe do Poder Executivo. Afirmou ainda o TJRJ que o que ocorreu foi a previsão de um programa social, cuja execução depende de regulamentação a ser, ao seu tempo, implementada.

Cabe trazer à análise da constitucionalidade da presente proposição julgado de 2017 do plenário do Supremo Tribunal Federal em que a Corte assentou inexistir usurpação de competência pela promulgação da Lei 16.285/2013, de Santa Catarina, em disposições que regulam a assistência a vítimas incapacitadas por queimaduras graves:

CONSTITUCIONAL. PROTEÇÃO À SAÚDE E A PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS. LEI 16.285/2013, DE SANTA CATARINA. ASSISTÊNCIA A VÍTIMAS INCAPACITADAS POR QUEIMADURAS GRAVES. ALEGAÇÕES DIVERSAS DE INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIOS DE INICIATIVA. INEXISTÊNCIA. OCORRÊNCIA DE USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIAS MUNICIPAIS (ART. 30, V) E DA UNIÃO, QUANTO À AUTORIDADE PARA EXPEDIR NORMA GERAL (ART. 24, XIV, § 1º). 1. Os artigos 1º, 4º, 6º e 7º da lei impugnada não afrontam a regra, de reprodução federativamente obrigatória, que preserva sob a autoridade do chefe do Poder Executivo local a iniciativa para iniciar leis de criação e/ou extinção de Ministérios e órgãos da Administração Pública (art. 61, § 1º, II, e, da CF). Mera especificação de quais cuidados médicos, dentre aqueles já contemplados nos padrões nacionais de atendimento da rede pública de saúde, devem ser garantidos a determinada classe de pacientes (portadores de sequelas graves causadas por queimaduras). 2. A cláusula de reserva de iniciativa inscrita no art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, por sua vez, não tem qualquer pertinência com a legislação objeto de exame, de procedência estadual, aplicando-se tão somente aos territórios federais. Precedentes. 3. Inocorrência, ainda, de violação a preceitos orçamentários, tendo em vista o acréscimo de despesas públicas decorrentes da garantia de assistência médica especializada a vítimas de queimaduras. Conforme reafirmado pelo Plenário Virtual desta Suprema Corte em sede repercussão geral (ARE 878.911, Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe de 10/10/2016): Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II,\"a\", \"c\" e \"e\", da Constituição Federal). 4. Ao dispor sobre transporte municipal, o art. 8º da Lei nº 16.285/2013 do Estado de Santa Catarina realmente interferiu na autonomia dos entes municipais, pois avançou sobre a administração de um serviço público de interesse local (art. 30, V, da CF). Além disso, o dispositivo criou presunção legal de restrição de mobilidade de vítimas de queimaduras graves, distanciando-se do critério prescrito em normas gerais expedidas pela União dentro de sua competência para legislar sobre proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência (art. 24, XIV, e § 1º, da CF). 5. A norma prevista no art. 9º da Lei estadual 16.285/2013 funciona como cláusula de mero valor expletivo, que apenas conecta uma categoria normativa geral, de pessoas com deficiência, com uma classe especial de destinatários sempre caracterizados por incapacidade laboral a pessoas com sequelas graves incapacitantes decorrentes de queimaduras sem que exista qualquer contraste entre as duas disciplinas. 6. Ação direta parcialmente procedente quanto ao art. 8º da Lei 16.285/2013, do Estado de Santa Catarina. (ADI 5293, Relator(a): Min. ALEXANDRE DE MORAES, Tribunal Pleno, julgado em 08/11/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe263 DIVULG 20-11-2017 PUBLIC 21-11-2017).

O próprio Supremo Tribunal Federal já considerou constitucionais leis que não tratavam de questões atinentes à estrutura da administração do Estado previstas nas alíneas a) e f), do inciso II, do § 1º, do artigo 61 da CF/88, apenas regulamentando pequenos aspectos:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI ESTADUAL 9164/95. ESCOLA PÚBLICA ESTADUAL. ENSINO DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA. FORMAÇÃO ESPECÍFICA PARA O EXERCÍCIO DO MAGISTÉRIO. LEI DE DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO NACIONAL. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DA UNIÃO. INICIATIVA PARLAMENTAR. VÍCIO FORMAL. INOCORRÊNCIA. 1. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Iniciativa. Constituição Federal, artigo 22, XXIV. Competência privativa da União para legislar sobre diretrizes e bases da educação nacional. 2. Legislação estadual. Magistério. Educação artística. Formação específica. Exigência não contida na Lei Federal 9394/96. Questão afeta à legalidade. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente em parte. (ADI 1399, Relator(a): Min. MAURÍCIO CORRÊA, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2004, DJ 11-062004 PP-00004 EMENT VOL-02155-01 PP-00028 RTJ VOL-00191-03 PP-00815).

Pode-se identificar claramente uma evolução e alteração na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal quanto aos limites da iniciativa parlamentar para legislar sobre políticas públicas, todavia consistindo tópico deveras complexo. Verifica-se que a jurisprudência da Suprema Corte tem revelado possibilidades amplas de formulação de políticas públicas por iniciativa parlamentar, desde que respeitados determinados parâmetros constitucionais.

Tem-se identificado na jurisprudência dos tribunais uma interpretação mais aberta e consentânea com a finalidade das normas constitucionais de competência, as quais têm afirmado, em casos como os colacionados, não encerrar inconstitucionalidade, seja do ponto de vista formal, seja material, desde que a leitura do intérprete das normas constitucionais incidentes à espécie seja a teleológica, ou seja, busque alcançar a sua finalidade, conforme a interpretação de que a vinculação do Legislador à CF/88 impõe que os direitos fundamentais sejam legislativamente desenvolvidos, inclusive através de leis promotoras desses direitos, assim entendidas aquelas que visam criar condições favoráveis ao exercício dos direitos fundamentais[1]. Deste modo, as interpretações do art. 61, § 1º, II, e, da Constituição Federal passaram, de fato, por uma verdadeira releitura pela jurisprudência.

Da mesma forma, a doutrina especializada leciona que “essa cláusula deve ser interpretada de forma restritiva, por conta de fatores históricos e dogmáticos. Não se pode nela ver uma inconstitucionalidade (por vício de iniciativa) de qualquer projeto de lei proposto pelo Legislativo e que trate sobre políticas públicas. (...) Dessa maneira, é possível defender uma interpretação da alínea e do inciso II do § 1º do art. 61 que seja compatível com a prerrogativa do legislador de formular políticas públicas... desde que não promova o redesenho de órgãos do Executivo.”[2]

É o que considerou o TJRS quando do julgamento da ADI Nº 70076014240, objetivando a retirada do ordenamento jurídico da Lei Municipal nº 3.506, de 26 de agosto de 2005, do Município de São Borja, a qual dispõe sobre a instituição de patrocínio nos uniformes escolares da rede pública de ensino:

...com efeito, na espécie, impossível identificar violação ao princípio da separação de poderes, previsto no art. 10 da Constituição do Estado, mormente não se perdendo de vista que o singelo projeto de patrocínio dos uniformes escolares não importa em alteração da organização das escolas municipais, esta sim incumbência reservada à atividade administrativa do Chefe do Poder Executivo Municipal.

(...)

Em tal contexto, não se afigura inconstitucional, do ponto de vista formal, pois não houve usurpação de competência do Chefe do Poder Executivo Municipal, tanto é assim que, ao fim e ao cabo, é a própria regulamentação da matéria procedida pelo Decreto baixado pelo Prefeito Municipal que regulamentará e disciplinará a utilização e uniformização do vestuário dos alunos da rede pública municipal de ensino de São Borja.

Considera-se que, como consignou o TJRJ, a proposta estaria correta ao não fazer referência a órgão específico do Poder Executivo que seria responsável pela disponibilização do meio de formalização e manifestação de interesse, deixando para a atividade regulamentadora tal especificação. O acórdão do TJRJ afirmou ainda que o que ocorreu foi a previsão de um programa social, cuja execução depende de regulamentação a ser, ao seu tempo, implementada:

RE 290.549 A GR / RJ. ‘Com efeito, o artigo 112, § 1º, nº II, letra ‘d’, da Constituição Fluminense reserva, ao Chefe do Executivo, a competência exclusiva dos projetos de lei atinentes à criação, estruturação e atribuições dos órgãos desse Poder. Contudo, não se vê desses três comandos a menor referência a órgão do Poder Executivo. Nem para criá-lo; nem para estruturá-lo; nem para atribuir-lhe qualquer função específica. Dispôs-se sobre a criação de um programa, aliás sintônico com a ideação constitucional. Há de se convir, entretanto, que, nesses três primeiros artigos, a Lei Municipal nº 2621/98, de modo algum detalhou a executoriedade de sua realização, claramente deferida para a atividade regulamentatória.

Nesse sentido, também o STF ao analisar a matéria no AG.REG. NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 290.549 RIO DE JANEIRO considerou que: “tendo ficado expressamente consignado nesse texto legal que “ a implantação, coordenação e acompanhamento do programa ficará a cargo do órgão competente do Poder Executivo”, a quem incumbirá, também, aprovar as vias designadas pelos moradores para a realização do programa”.

A proposta está ajustada ao espírito do art. 199, § 4º, da Constituição Federal, o qual prevê a disponibilidade de órgãos e tecidos humanos para fins de transplante e de acordo com o qual a lei disporá sobre as condições e os requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas para fins de transplante, pesquisa e tratamento, bem como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, sendo vedado todo tipo de comercialização.

No que diz respeito às previsões normativas que pretendem incentivar a doação de órgãos através de divulgação no âmbito do Município, contata-se que estão de acordo com o que prevê a legislação federal – Lei Federal nº 9.434/1997, a qual dispõe que cabe aos órgãos locais de gestão do SUS realizar campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados e de estímulo à doação de órgãos:

Art. 11 (...)

Parágrafo único. Os órgãos de gestão nacional, regional e local do Sistema único de Saúde realizarão periodicamente, através dos meios adequados de comunicação social, campanhas de esclarecimento público dos benefícios esperados a partir da vigência desta Lei e de estímulo à doação de órgãos.

Em relação à previsão da publicidade a ser efetivada pelos Poderes do Município, essa particular matéria referente à transparência já foi levada a julgamento em ações diretas de inconstitucionalidade cujo questionamento versou exatamente sobre a existência de vício formal de origem (reserva de iniciativa da proposta ao Chefe do Executivo – art. 61, § 1º da CF/88), tratando-se, por exemplo, da instituição do dever de dar publicidade às listagens de vagas na rede pública de ensino e divulgação de lista de espera em consultas e exames médicos. Da mesa forma, o Tribunal de Justiça de São Paulo definiu que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo no que diz respeito a projeto de lei voltado para a concretização da transparência dos serviços públicos não viola o princípio da separação dos poderes. É o que se depreende deste excerto do Acórdão da Ação Direta de Inconstitucionalidade:

No caso vertente, a Lei Municipal nº 10.591, de 7 de outubro de 2013, do Município de Sorocaba, cuidou de tema de interesse geral da população, sem qualquer relação com matéria estritamente administrativa ou relativa à organização de serviços públicos, na forma prevista no art. 47, inciso II, da Constituição Estadual, razão pela qual poderia mesmo decorrer de iniciativa parlamentar; na verdade, a lei local impugnada pretendeu apenas disciplinar a ordem de atendimento aos interessados em vagas em creches ou pré-escolas municipais, de molde a facilitar e garantir o pleno cumprimento de obrigação constitucionalmente imposta ao ente público local, sem qualquer interferência direta na administração municipal; aliás, cuida-se de importante instrumento de controle da distribuição das vagas existentes entre os postulantes, de molde a permitir à população o acompanhamento regular dessa disponibilidade, reclamando seu direito no momento oportuno. A Presidência da Câmara Municipal de Sorocaba bem realçou em suas informações que a legislação municipal objurgada tão somente pretende fazer o Poder Público “cumprir com seu dever de informar ao munícipe a ordem de inscrição das crianças para vagas em creches e pré-escolas, possibilitando o controle para o preenchimento das vagas, evitando que os pais ou responsáveis legais necessitem se dirigir constantemente aos estabelecimentos de ensino para verificar se surgiram vagas, posto que atualmente não há possibilidade de inscrição para novas vagas, fato que, inclusive, causa uma enorme injustiça, na medida em que caso o interessado não tenha a 'sorte' de se dirigir novamente ao estabelecimento de ensino no dia em que surgiu a vaga, outro interessado que comparecer em tal dia ficará com a vaga, sendo, portanto, imperativo que exista uma lista de espera, através da qual o interessado possa consultar a distribuição das vagas munido de seu número de protocolo, sendo este o móvel da criação do protocolo de inscrição previsto na legislação em debate”(v. fls. 178/179). Ademais, possível considerar aqui que a contestada Lei Municipal nº 10.591/2013 nada mais fez do que permitir o acesso da população a registros administrativos e a informações sobre atos de governo, nos moldes previstos na Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 (…) Como se vê, a divulgação de dados atinentes à gestão municipal, dentre os quais pode ser inserida a ordem de requisição de vagas em creches e pré-escolas municipais, representa uma obrigação imposta ao ente público local pela legislação federal em apreço, tratando-se, portanto, de providência que incumbia realmente ao Legislativo local, sem implicar em intromissão nas atribuições privativas do Prefeito, o que basta para arredar o alardeado vício de iniciativa do processo legislativo que deu origem à lei contestada nos autos. E nem se alegue que o ato normativo em causa produzirá reflexos no orçamento municipal, sem que tenha havido a respectiva indicação da origem da receita, em afronta aos preceitos contidos nos arts. 24, § 5º, “1”, e 25, da Constituição Estadual. Ora, há que se considerar que a vedação ao aumento da despesa, estabelecida no citado art. 24, § 5º, “1”, da Carta Paulista diz respeito apenas aos projetos de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, razão pela qual essa regra não tem aplicação no caso dos autos; forçoso reconhecer, outrossim, que se toda lei com repercussão no orçamento fosse, obrigatoriamente, deflagrada a partir de proposta do Prefeito, a atribuição legislativa da Câmara Municipal restaria completamente esvaziada, aí sim, em completa desconsideração ao princípio da independência entre os Poderes. Por outro lado, nada indica que a Lei nº 10.591/2013 poderá realmente trazer algum impacto nas despesas do Município de Sorocaba, haja vista que a obrigação ali imposta poderá ser facilmente cumprida por qualquer agente público responsável pelo atendimento à população nas creches e pré-escolas municipais, sem maiores empecilhos ou necessidade de qualquer gasto extraordinário, o que arreda também o argumento de violação ao disposto no art. 25 da Constituição Estadual.

[1] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2006; BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006.

[2] João Trindade Cavalcante Filho, 2013.

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Legislativo nº 134/2023, por inexistirem óbices de natureza constitucional que impeçam a sua regular tramitação e deliberação pelas Comissões Permanentes e em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 18 de setembro de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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18/09/2023 18:38:19
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