Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 051/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 280/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui Programa de Incentivos Hospitalares e Ambulatoriais – Assistir/Guaíba, para a qualificação da atenção primária, secundária e terciária em saúde nos hospitais e clínicas contratualizados para prestação de serviços no Sistema Único de Saúde – SUS."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 051/2023 à Câmara Municipal, o qual “Institui Programa de Incentivos Hospitalares e Ambulatoriais – Assistir/Guaíba, para a qualificação da atenção primária, secundária e terciária em saúde nos hospitais e clínicas contratualizados para prestação de serviços no Sistema Único de Saúde – SUS”. Incluída em pauta de Sessão Extraordinária, a proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 72 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Quanto à competência legislativa, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o art. 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o art. 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local” e “prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população”.

A respeito da iniciativa do processo legislativo, destaca-se que, na CF/88, a reserva de iniciativa está prevista no art. 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo art. 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por serem normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Poder Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo. Na Lei Orgânica Municipal, tais restrições são repetidas e detalhadas nos arts. 52 e 119, sendo de observância obrigatória na análise das proposições.

Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observado o disposto no art. 84, VI;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva. (Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Nesses termos, para os fins do direito municipal, relevante é, sobretudo, a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS:

Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b)servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da organização dos serviços públicos ao propor a instituição do Programa Assistir, nos moldes estabelecidos pelo Programa Estadual, que destina-se ao fomento de ações e de serviços de saúde à Hospital contratualizado para prestação de serviços no Sistema Único de Saúde – SUS, para o que há a reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da CF/88 e no art. 60 da CE/RS, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, de modo que sua instituição depende da iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo, representante político do ente federado.

No aspecto da constitucionalidade material, não se identificam óbices de natureza jurídica, pois a proposição busca concretizar o direito fundamental à saúde (art. 6º da CF/88), cuja disciplina do art. 196 da CF/88 estabelece: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O art. 198 da CF/88, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público e com o apoio do Estado, nos seguintes termos:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade.

 

Percebe-se, assim, que o Projeto de Lei do Executivo nº 051/2023 está em consonância com o regramento constitucional sobre o direito à saúde, consagrado no art. 6º como direito fundamental, cuja aplicabilidade é imediata (art. 5º, § 1º, da CF/88):

APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO PARA APLICAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA. INÉPCIA DA INICIAL. AFASTADA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. APLICAÇÃO IMEDIATA E INCONDICIONADA DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. I - Havendo pedido em harmonia com os requisitos do parágrafo único do art. 286 do CPC, não há falar em inépcia da inicial. II - O acesso às ações e serviços de saúde é universal e igualitário (CF - art. 196), do que deriva a responsabilidade solidária e linear dos entes federativos. A saúde, elevada à condição de direito social fundamental do homem, contido no art. 6º da CF, declarado por seus artigos 196 e seguintes, é de aplicação imediata e incondicionada, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da C. Federal, que dá ao indivíduo a possibilidade de exigir compulsoriamente as prestações asseguradas. O artigo 196 da Constituição Federal não faz distinção entre os entes federados, de sorte que cada um e todos, indistintamente, são responsáveis pelas ações e serviços de saúde, sendo certo que a descentralização, mera técnica de gestão, não importa compartimentar sua prestação. Preliminar rejeitada. Apelo desprovido. Sentença confirmada em reexame necessário. Unânime. (Apelação Cível Nº 70051387074, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, j. em 19/12/2012).

Consoante se observa da proposta, o programa Assistir promove uma mudança profunda no conceito de repasse de recursos estaduais às instituições hospitalares vinculadas ao Sistema Único de Saúde (SUS) no Estado. O objetivo do programa é passar a distribuir incentivos hospitalares de forma equânime e transparente a todos os hospitais, independentemente do tipo de gestão (estadual ou municipal), de maneira proporcional aos serviços entregues à população, observando a regionalização da saúde e a capacidade cada instituição.

Nos termos do Decreto nº 56.015/2021, o Programa ASSISTIR é uma modalidade de incentivo financeiro público estadual em saúde destinada ao repasse de recursos pré-fixados a hospitais contratualizados pelo Estado ou pelos Municípios, observados os limites orçamentários e a disponibilidade financeira. Os recursos do ASSISTIR serão utilizados para o fomento de ações e de serviços de saúde realizados no âmbito do SUS, indicados em ato do Secretário da Saúde, repassados aos Fundos de Saúde dos Municípios com gestão hospitalar própria ou diretamente aos hospitais contratualizados pelo Estado, condicionados ao cumprimento dos requisitos previstos no Programa, não se confundindo com o custeio direto da prestação de serviços na atenção secundária e terciária, que ocorre por meio de financiamento federal com recursos computados no teto de média e alta complexidade - Teto MAC do Estado. Poderão receber recursos do ASSISTIR os hospitais privados sem fins lucrativos e públicos municipais prestadores de serviços de saúde no âmbito do SUS. O Programa tem por objetivo distribuir incentivos hospitalares de forma equânime e transparente a todos os hospitais vinculados ao SUS, independentemente do tipo de gestão (estadual ou municipal), de maneira proporcional aos serviços entregues à população observando a Regionalização da saúde e a capacidade instalada e resolutiva de cada instituição.

O Programa deve ainda estar previsto nas peças orçamentárias, nos termos da legislação que diz respeito às normas de Administração Financeira e Orçamentária.

Não obstante, há a necessidade de manifestação do Conselho Municipal de Saúde, diante das exigências da Lei Federal nº 8.142/90, que dispôs sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema Único de Saúde. No mesmo diapasão são os requisitos da Lei Municipal nº 1.155, de 16 de setembro de 1993, a qual instituiu o COMUSA. Faz-se necessário, portanto, que o Conselho Municipal de Saúde se manifeste sobre a proposta, devendo ser anexada aos autos a Ata de deliberação do COMUSA. A exigência de manifestação do COMUSA pode ser extraída, ademais, de Acórdão do Tribunal de Contas da União n. 3.239/2013 – Plenário/TCU – Rel. Walton Alencar Rodrigues.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros da Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria Jurídica opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 051/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a necessidade de juntada aos autos da deliberação do COMUSA sobre a proposta.

É o parecer.

Guaíba, 14 de setembro de 2023.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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14/09/2023 11:31:54
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 14/09/2023 ás 11:31:39. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 1b2be31fcd67512cbe28507a63ded2d9.
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