Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 113/2023
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 270/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Institui a política de arborização Urbana no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves (PDT) apresentou o Projeto de Lei nº 113/2023 à Câmara Municipal, o qual “Institui a política de arborização Urbana no Município de Guaíba”. A proposta foi encaminhada a esta Procuradoria para análise com fulcro no art. 94 do RI.

2. Mérito:

A norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade. Solução análoga é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º), no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina caracteriza a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno como um instrumento do controle de constitucionalidade preventivo, desempenhado pelo Parlamento, por meio de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição legislativa tenha seu trâmite regimental. A devolução perfaz-se por despacho fundamentado da Presidência, com direito a recurso ao proponente.

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende criar deveres ao Executivo, para coordenar políticas de arborização que acabam por interferir e criar atribuições novas a órgãos do Poder Executivo Municipal, o que caracteriza inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa e inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação entre os poderes.

A matéria invade indevidamente a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da CF/88, substância central do princípio da separação de poderes, inscrito no art. 2º da CF/88, ao dispor sobre programa que deve ser coordenado e administrado pelo Poder Executivo, através de suas secretarias, o que cabe exclusivamente ao Executivo decidir, por meio de atos administrativos.

O Projeto de Lei do Legislativo nº 113/2023, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

“A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental.” (em "Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, págs. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer os programas que devem ser coordenados pelo Poder Executivo, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Executivo, na esfera de sua discricionariedade.

O Projeto de Lei nº 113/2023 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Com efeito, a jurisprudência dos tribunais pátrios tem assentado a inconstitucionalidade de propostas análogas quando de iniciativa parlamentar:

Ação direta de inconstitucionalidade - Lei Municipal n° 2.935/10.03.2008, do Município de Tietê, de iniciativa parlamentar e promulgada pelo Presidente da Câmara Municipal após ser derribado o veto do alcaide, que "Disciplina o plantio, o replantio, a poda, a supressão e o uso adequado e planejado da arborização urbana e dá outras providências" - não pode a Câmara Municipal espalmar a administração da cidade, com o propósito de reorganizá-la a partir da sua arborizaçao, e o pior: como se o custo daí decorrente pudesse ser suportado com dinheiro em árvore nascido, ou do céu caído - violação dos artigos 5º, 24, 25, 47 e 144 da CE.
(TJSP;  Ação Direta de Inconstitucionalidade de Lei 9052834-46.2008.8.26.0000; Relator (a): Palma Bisson; Órgão Julgador: Órgão Especial; Foro Central Cível - São Paulo; Data do Julgamento: 24/09/2008; Data de Registro: 14/10/2008)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 5.963, de 17 de outubro de 2016, do Município de Pindamonhangaba, que "dispõe sobre a obrigatoriedade de implementação de projeto de arborização urbana nos novos parcelamentos do solo" – Ato normativo que por seu conteúdo, dependia de prévios estudos de planejamento e efetiva participação popular, exigências reservadas às situações indicadas no artigo 181 da Constituição Estadual - Violação aos artigos 144, 180, inciso II, 181 e 191, da Constituição do Estado de São Paulo. Pedido procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2231006-17.2017.8.26.0000; Relator (a): Ricardo Anafe; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 09/05/2018; Data de Registro: 10/05/2018)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE CAXIAS DO SUL. LEI MUNICIPAL Nº 8.398/2019. LEI MUNICIPAL QUE DISPÕE ACERCA DE ATRIBUIÇÕES DA SECRETARIA MUNICIPAL DO MEIO AMBIENTE. INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. VÍCIO FORMAL. MATÉRIA AFETA AO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. Lei Municipal nº 8.398/2019, do Município de Caxias do Sul, que institui o Programa Adote Uma Árvore no Município. Lei de iniciativa do Poder Legislativo. Lei que padece de vício formal, na medida em que o Poder Legislativo Municipal invadiu a seara de competência do Poder Executivo Municipal, pois afronta dispositivos constitucionais que alcançam ao Chefe do Poder Executivo a iniciativa privativa para editar leis que disponham sobre atribuições de Secretarias e órgãos da Administração Pública. Presença de vícios de inconstitucionalidade de ordem formal, por afronta aos artigos 8º, 10, 60, inciso II, alínea “d”; 82, incisos II e VII, todos da Constituição Estadual. JULGARAM PROCEDENTE. POR MAIORIA. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70082331661, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 11-03-2020)

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei do Legislativo nº 113/2023 contém vício de iniciativa e afronta ao princípio da separação dos poderes, por dispor sobre matéria cuja iniciativa é reservada ao Chefe do Executivo, nos termos dos artigos 2º e 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, dos artigos 5º, 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS e artigo 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

3. Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposta em epígrafe - PLL nº 113/2023, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, II, “b”, CF/88; art. 60, II, “d”; e art. 82, VII, CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º, CF/88; art. 5º, CE/RS), bem como afronta ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer.

Guaíba, 11 de setembro de 2023.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS nº 107.136

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11/09/2023 10:06:24
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