Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 048/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 247/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Reorganiza a Unidade de Controle Interno no Município e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 048/2023 à Câmara Municipal, o qual “Reorganiza a Unidade de Controle Interno no Município e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 72 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Mérito:

Preliminarmente, o artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

                                                                                        

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As modificações pretendidas na legislação municipal se inserem, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, I, da CF/88), tendo em vista que dizem respeito à organização de órgão de controle municipal inserido na estrutura do Poder Executivo, matéria de competência legislativa municipal.

Com efeito, o texto constitucional do art. 31 da CRFB prevê o sistema de Controle Interno do Poder Executivo Municipal:

 Art. 31. A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante controle externo, e pelos sistemas de controle interno do Poder Executivo Municipal, na forma da lei.

Da mesma forma o artigo 74 da Constituição Federal prevê a existência de sistema de controle interno integrados dos Poderes no âmbito de cada ente federado:

 Art. 74. Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de:

I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União;

II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado;

III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União;

IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

§ 1º Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária.

Também a Lei Federal nº 4.320/1964 estabelece regras que tratam do controle interno:

Do Contrôle Interno

Art. 76. O Poder Executivo exercerá os três tipos de contrôle a que se refere o artigo 75, sem prejuízo das atribuições do Tribunal de Contas ou órgão equivalente.

Art. 77. A verificação da legalidade dos atos de execução orçamentária será prévia, concomitante e subseqüente.

Art. 78. Além da prestação ou tomada de contas anual, quando instituída em lei, ou por fim de gestão, poderá haver, a qualquer tempo, levantamento, prestação ou tomada de contas de todos os responsáveis por bens ou valores públicos.

Art. 79. Ao órgão incumbido da elaboração da proposta orçamentária ou a outro indicado na legislação, caberá o contrôle estabelecido no inciso III do artigo 75.

Parágrafo único. Êsse controle far-se-á, quando fôr o caso, em têrmos de unidades de medida, prèviamente estabelecidos para cada atividade.

Art. 80. Compete aos serviços de contabilidade ou órgãos equivalentes verificar a exata observância dos limites das cotas trimestrais atribuídas a cada unidade orçamentária, dentro do sistema que fôr instituído para êsse fim.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS.

Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto de lei apresentado trata de questões ligadas à organização administrativa de órgão vinculado ao Poder Executivo Municipal, cuja iniciativa é privativa do Prefeito, autor da proposição.

Em relação à matéria de fundo, nos termos da exposição de motivos apresentada, verifica-se que a proposta busca “a atualização da regulamentação do Sistema de Controle Interno no Município de Guaíba, instituído no ano de 2001, de forma a observar as mudanças legais e estruturais que alcançaram a Administração Pública, neste interstício. A organização do controle interno visa aprimorar o controle e a avaliação da ação governamental e da gestão fiscal dos administradores municipais, por intermédio da fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial, quanto à legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, tal como preveem os artigos 31, 70 e 74 da Constituição Federal. Nessa linha, a legislação atende à necessidade de melhora da estrutura, acarretando no desenvolvimento da capacidade de controle preventivo, em consonância com as recomendações dos órgãos de controle externo”.

A proposta em apreço pretende estabelecer as diretrizes do sistema de controle interno do Município ao revogar a atual Lei Municipal nº 1.585/2001.

A proposta busca integrar o Poder Legislativo Municipal ao Sistema de Controle Interno do Município de Guaíba, instituindo um verdadeiro Sistema de Controle Interno dos Poderes Executivo e Legislativo, sendo a Unidade de Controle Interno o órgão central do sistema de controle interno dos Poderes Executivo e Legislativo Municipais, em atendimento à previsão legal:

- do inciso I, art. 3º, da Resolução TCE-RS nº 936/2012 - previsão legal de que os órgãos e entidades da administração municipal, direta e indireta, e o Poder Legislativo se submetem à fiscalização da UCCI;

- da alínea “h” do inciso II do artigo 4º da Resolução TCE-RS n.º 936/2012 - previsão legal de exame da legalidade e avaliação dos resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração municipal, da aplicação de recursos públicos por entidades do direito privado;

- alínea “c” do inciso II do artigo 3º da Resolução TCE-RS n.º 936/2012 - previsão legal de fixação de prazos a serem cumpridos pelos órgãos e entidades auditados internamente para resposta aos questionamentos formulados e aos relatórios elaborados pela UCCI, assim como para a adoção das medidas corretivas demandadas;

- inciso III do parágrafo único do artigo 6º da Resolução TCE-RS n.º 936/2012 - previsão legal de que a UCCI acompanhará o processamento das tomadas de contas especiais, manifestando-se ao final da respectiva instrução, as quais deverão ser encaminhadas ao TCE-RS, a fim de ensejar a possível responsabilização dos administradores ou agentes subordinados por atos omissivos ou comissivos que importarem em dano ao erário.

 

A estruturação e funcionamento do sistema de controle interno municipal devem atender as diretrizes estabelecidas na Resolução TCE-RS n.º 936/2012.

Em um ponto específico, entretanto, cabe referir que a proposta legislativa vai de encontro à linha assentada em decisão do E. STF no RE 1264676/SC:

Assim, considerando a natureza técnica do cargo de Controlador Interno criado pela Lei Complementar 22, de 3 de abril de 2017, do Município de Belmonte – SC, mostra-se inconstitucional sua investidura por meio de provimento em comissão ou função gratificada, sendo necessária, portanto, a observância da orientação prevista no art. 37, II, da Constituição República, segundo a qual “a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas ou de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei”... Ora, da leitura acima, verifica-se que o cargo de Controlador Interno desempenha funções de natureza técnica, para cuja realização não se faz necessária prévia relação de confiança entre a autoridade hierarquicamente superior e o servidor nomeado, que justifique a contratação por meio de provimento em comissão ou função de confiança, eis que ausente, na hipótese, qualquer atribuição de comando, direção, chefia ou assessoramento. (Brasília, 8 de junho de 2020, Ministro Alexandre de Moraes Relator).

Caba referir, não obstante, que em análise das Contas Ordinárias da PM de Guaíba do exercício de 2021 a equipe de auditoria, em análise do Sistema de Controle Interno, manifestou-se pela adequação de seu provimento (PROCESSO Nº: 000784-0200/21-5, Item 5.3.1 Composição da Unidade Central de Controle Interno[1]).

Cabe, então, às Comissões Permanentes e aos Vereadores fazerem exame de mérito, avaliando os motivos expostos pelo proponente à luz do interesse público.

[1] “Quadro 17 – Composição da Unidade de Controle Interno... A partir da análise dos dados apresentados no quadro anterior, pode-se concluir que os servidores: a) exercem cargos de provimento efetivo; b) desempenham suas atividades exclusivamente no controle interno; e, c) estão lotados em cargos com atribuições compatíveis às desenvolvidas na unidade de controle”.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 048/2023, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É necessária a correção do § 2º, art. 5º, para que conste “Lei nº 2.586/2010...”.

É o parecer.

Guaíba, 22 de agosto de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

 

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
22/08/2023 15:56:38
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 22/08/2023 ás 15:56:21. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 305cfef4b5d6adb92b9e079b7d8141e1.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 182929.