Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 090/2023
PROPONENTE : Ver. Rosalvo Duarte
     
PARECER : Nº 218/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o programa 'Terceira Idade em Atividade', destinado a incentivar a inserção e a manutenção de idosos no mercado de trabalho e dá outras providências."

1. Relatório:

O Vereador Rosalvo Duarte (PL) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 090/2023 à Câmara Municipal, o qual “Cria o programa "Terceira Idade em Atividade", destinado a incentivar a inserção e a manutenção de idosos no mercado de trabalho e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

A norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade. Solução análoga é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, §1º),no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina caracteriza a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno como um instrumento do controle de constitucionalidade preventivo, desempenhado pelo Parlamento, por meio de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição legislativa tenha seu trâmite regimental. A devolução perfaz-se por despacho fundamentado da Presidência, com direito a recurso ao proponente.

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do art. 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de iniciativa comum ou iniciativa concorrente, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos federativos, com fundamento no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um poder sobre o outro.

Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Dessas afirmações é possível extrair o entendimento de que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum; a iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III.

Sobre a proposição em análise, à primeira vista aparenta realmente ser de iniciativa privativa do Prefeito de Guaíba, porquanto trata de programa de incentivo à reinserção de idosos no mercado de trabalho, consistente na realização de atividades –cursos, projetos etc. – que promovam a inclusão desses profissionais no mercado de trabalho, com a previsão de medidas que indiretamente dependem da ação do Poder Executivo Municipal. Ocorre que, em relação a essa matéria, já se posicionou a jurisprudência do Tribunal de Justiça de SP sobre lei municipal análoga ao projeto, em decisão na qual se reconheceu a sua constitucionalidade material e formal.

 

Na situação, em ação direta de inconstitucionalidade em face da Lei Municipal nº 2.069, de 16 de outubro de 2015, do Município de Conchal/SP, que instituiu o Programa de Sustentabilidade Ambiental na Rede Municipal de Ensino, com dispositivos legais idênticos aos da proposição em apreciação, decidiu o Tribunal de Justiça de SP, em termos gerais, pela constitucionalidade da referida legislação, com exceção apenas de um dispositivo, por avaliar que não houve, no todo,qualquer violação à separação entre os poderes e à iniciativa legislativa, caracterizada, no caso, como concorrente:

Ação direta de inconstitucionalidade. Lei municipal de origem parlamentar que institui o Programa de Sustentabilidade Ambiental na Rede Municipal de Ensino de Conchal. Inconstitucionalidade parcial, apenas no tocante ao artigo 3º da referida norma, que efetivamente dispõe sobre matéria de organização administrativa, em ofensa aos artigos 5º e 47, incisos II e XIV, ambos da Constituição Estadual. Não ocorrência de ofensa à regra da separação dos poderes, todavia, no tocante aos demais dispositivos, Precedentes deste Órgão Especial e do Supremo Tribunal Federal. Inexistência de vício de iniciativa: o rol de iniciativas legislativas reservadas ao chefe do Poder Executivo é matéria taxativamente disposta na Constituição Estadual. Precedentes do STF. Ausência, por fim, de ofensa à regra contida no artigo 25 da Constituição do Estado. A genérica previsão orçamentária não implica a existência de vício de constitucionalidade, mas, apenas, a inexequibilidade da lei no exercício orçamentário em que aprovada. Precedentes do STF. Ação julgada parcialmente procedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2056692-29.2016.8.26.0000; Relator (a): Márcio Bartoli; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 03/08/2016; Data de Registro: 05/08/2016)

Destaca-se, ainda, que o único dispositivo legal reconhecido como inconstitucional pelo Tribunal de Justiça de SP foi retirado pelo proponente, nada havendo a ser corrigido.

Assim, embora aparentemente inconstitucional, por supostamente interferir nas atribuições de órgãos públicos pertencentes ao Poder Executivo Municipal, a proposição legislativa, na realidade, revela-se formalmente constitucional à luz do precedente invocado, o qual se acolhe neste parecer jurídico por enaltecer a iniciativa legislativa dos membros do Poder Legislativo e, sobretudo, por tornar efetivo importante comando constitucional constante no art. 196 da CF/88, consistente na promoção da saúde como direito de todos e dever do Estado.

Logo, aplicável o entendimento firmado pelo STF no Tema 917: “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, "a", "c" e "e", da Constituição Federal).” Ou seja, o fato de a norma dirigir-se, de algum modo, ao Poder Executivo, é insuficiente para, por si só, restringir a iniciativa legislativa, quando não disponha, efetivamente, sobre a estruturação ou as competências dos órgãos públicos.

No aspecto da constitucionalidade material, observa-se que a proposição possui o objetivo de efetivar o comando constitucional do art. 196 da CF/88, já citado anteriormente, que consiste na promoção, pelo Estado, da saúde e da participação na comunidade como direitos universais garantidos pela Constituição Federal. Salienta-se que a CF/88 não deixa de considerar a categoria dos idosos quando nos remete aos direitos fundamentais, inclusive quanto ao resguardo das garantias, posto que no artigo 230 da CRFB refere que “A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida”.

Corolário desse direito fundamental é a previsão contida na Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso): “Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária”.

Não obstante, o E. STF possui uma convergência interpretativa que caminha para o juízo de que programas que prevejam políticas públicas possam ser previstos em lei de iniciativa parlamentar, desde que não adentrem no campo da estruturação de órgãos e entidades da Administração Pública:

CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. LEI 10.893/2001, DO ESTADO DE SÃO PAULO. IMPLANTAÇÃO DE PROGRAMA ESTADUAL DE SAÚDE VOCAL EM BENEFÍCIO DE PROFESSORES DA REDE ESTADUAL DE ENSINO. ALTERAÇÃO DO REGIME JURÍDICO DE SERVIDORES. MATÉRIA SUJEITA À RESERVA DE INICIATIVA DO CHEFE DO EXECUTIVO. NORMAS DE APLICAÇÃO OBRIGATÓRIA AOS ESTADOS-MEMBROS. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL CARACTERIZADA. 1. Ao instituir programa de atenção especial à saúde de professores da rede pública local, a Lei 10.893/01 cuidou de instituir um benefício funcional, alterando o regime jurídico desses servidores, além de criar atribuições e responsabilidades para Secretarias Estaduais. 2. Ao assim dispor, por iniciativa parlamentar, a lei estadual entrou em contravenção com regras de reserva de iniciativa constantes do art. 61, II, alíneas “c” e “e”, da CF, que, segundo ampla cadeia de precedentes deste Supremo Tribunal Federal, são de observância obrigatória pelas Constituições Estaduais. 3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 4211, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 03/03/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe053 DIVULG 21-03-2016 PUBLIC 22-03-2016)

...

“(...) mais do que estabelecer um programa, a lei aqui atacada também entrou a definir atribuições e responsabilidades das Secretarias Estaduais de São Paulo. Foi o que se sucedeu, por exemplo, quando determinou a celebração de convênios entre Secretarias Estaduais ou quando impôs a elas a atribuição de oferecimento de um curso teórico anual (art. 2º, da lei atacada). Com isso, a lei paulista se indispôs com prerrogativas de organização administrativa que também devem caber, com exclusividade, ao Governador de Estado, nos termos dos arts. 84, II e IV, e 61, § 1º, II, da Constituição Federal.”

Diante de tal orientação jurisprudencial, merece ser suprimida a previsão contida no § 3º do art. 2º do PLL 090/2023.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 090/2023, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a necessidade de supressão da previsão contida no § 3º do art. 2º da proposta, por imiscuir-se em matéria de iniciativa exclusiva do Chefe do Poder Executivo Municipal ao obrigar a criação de cadastro específico.

Quanto à técnica legislativa, é necessária a correção do § 1º do art. 1º para que conste “Parágrafo único” e não § 1º e correção de concordância gramatical nominal do verbo punir contido no art. 3º, sendo a forma correta no masculino “punido”.

É o parecer.

Guaíba, 31 de julho de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

 

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31/07/2023 14:23:44
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