Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 044/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 212/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Poder Executivo a realizar parceria com a Organização da Sociedade Civil, Associação Hospitalar Vila Nova, na forma em que especifica e dá outras providências"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 044/2023 à Câmara Municipal, o qual “Autoriza o Poder Executivo a realizar parceria com a Organização da Sociedade Civil, Associação Hospitalar Vila Nova, na forma em que especifica e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Preliminarmente, quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no art. 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe gerar autorização legislativa para Poder Executivo autorizado a realizar parceria com a Organização da Sociedade Civil, Associação Hospitalar Vila Nova, no valor de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), mediante dispensa de chamamento público, consoante plano de trabalho e termo de fomento ou colaboração, na forma da Lei Federal no 13.019/2014, tem-se por adequada a iniciativa do Chefe do Poder Executivo Municipal.

Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o artigo 59 da Constituição Estadual:

Art. 59. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou comissão técnica da Assembléia Legislativa, à Mesa, ao Governador, ao Tribunal de Justiça, ao Procurador-Geral de Justiça, às Câmaras Municipais e aos cidadãos, nos casos e na forma previstos nesta Constituição.

Parágrafo único. As leis complementares serão aprovadas pela maioria absoluta dos Deputados.

A Lei Orgânica Municipal que cabe ao Município prestar assistência hospitalar mediante convênio e que compete privativamente ao Chefe do Poder Executivo a gestão dos bens públicos municipais e planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais:

Art. 6º Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições:

I - legislar sobre assunto de interesse local;

[...]

IX - dispor sobre organização, administração, utilização e alienação de bens públicos;

...

XXVI - prestar assistência nas emergências médico-hospitalares de pronto-socorro por seus próprios serviços ou mediante convênio com instituição especializada;

Art. 52 Compete privativamente ao Prefeito:

 [...]

X - planejar e promover a execução dos serviços públicos municipais;

[...]

XXII - administrar os bens e as rendas municipais, promover o lançamento, a fiscalização e a arrecadação de tributos;

 

Art. 92 Cabe ao Prefeito a administração dos bens municipais, respeitada a competência da Câmara quanto àqueles utilizados em seus serviços.

A Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, por sua vez, estipula que cabe ao Chefe do Poder Executivo a firmatura de convênios, nos termos do art. 82, XXI, da CERS:

Art. 82.  Compete ao Governador, privativamente:

...

XXI - celebrar convênios com a União, o Distrito Federal, com outros Estados e com Municípios para a execução de obras e serviços;

Portanto, foram respeitadas a iniciativa e a competência para a propositura do Projeto de Lei do Executivo nº 044/2023, uma vez que apresentado pelo Chefe do Executivo Municipal.

A respeito do teor do Projeto de Lei nº 044/2023, tem-se que o seu objeto é gerar autorização legislativa para gerar autorização legislativa para Poder Executivo autorizado a realizar parceria com a Organização da Sociedade Civil, Associação Hospitalar Vila Nova, no valor de R$ 1.200.000,00 (um milhão e duzentos mil reais), mediante dispensa de chamamento público, consoante plano de trabalho e termo de fomento ou colaboração, na forma da Lei Federal no 13.019/2014.

Segundo a exposição de motivos da proposição, “Trata-se de projeto de lei de caráter autorizativo, visando trazer maior publicidade e discussão sobre o objeto da parceria, que visa a implementação de centro de diagnóstico por imagem no Hospital Nelson Cornetet, atendendo a finalidade de interesse público e recíproco entre a Administração e a OSC, atividade esta que trará benefícios diretos à população, que passará a contar com este importante serviço no própria município, além da otimização gerada pela desnecessidade de transporte de pacientes para outros municípios para a realização de exames de imagens, o que atualmente ocorre”.

Nesses termos, dispõe o art. 156 da LOM: “Art. 156 O Município prestará assistência social, de saúde educacional, através de seus próprios órgãos ou de convênios com o Estado, com a União ou com entidades privadas, dando preferência às filantrópicas”.

Ressalta-se que o §1º do art. 199 da Constituição Federal prevê a possibilidade de instituições privadas participarem de forma complementar do Sistema Único de Saúde, dando preferência às entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, consoante as disposições abaixo:

Art. 199. A assistência à saúde é livre à iniciativa privada.

§ 1º - As instituições privadas poderão participar de forma complementar do sistema único de saúde, segundo diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, tendo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos.

A jurisprudência consolidada e a doutrina assentaram a desnecessidade de autorização legislativa específica para que o Chefe do Poder Executivo firme convênios ou parcerias. O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade no 177/RS, proposta pelo Governador do Estado do Rio Grande do Sul, em votação unânime, por seu Tribunal Pleno, tendo como Relator o Ministro Carlos Velloso, em julgamento datado de 01/07/96, assim decidiu:

“CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS E DÍVIDAS DA ADMINISTRAÇÃO: AUTORIZAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA:

INCONSTITUCIONALIDADE. Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, inciso XXVI do artigo 53, e § 2º do artigo 82.

I – Norma que subordina convênios e dívidas da administração à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao princípio da independência e harmonia dos poderes. C.F., art. 2º. Precedentes do STF.

II – Inconstitucionalidade do inc. XXVI do art. 53, e § 2º do art. 82, ambos da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul.

III – Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.”

No mesmo sentido, decisão recente do Egrégio STF:

CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS, AJUSTES E INSTRUMENTOS CONGÊNERES. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE.

I – Normas que subordinam convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo estadual à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade.

II – Suspensão cautelar da Lei nº 10.865/98, do Estado de Santa Catarina.” (Origem: ADIMC-1865/SC; pub. DJ. DATA: 12/03/99 – PP. 00002 EMENT. VOL.-01942-01 PP-00102; Rel. Min. Carlos Velloso; Julg. 04/02/1999 – Tribunal Pleno. (Grifo aposto).

STF - ADIN - 676-2/600, de 1992 - Decisão da Liminar: “Por Votação UNÂNIME, o Tribunal DEFERIU medida cautelar para suspender a eficácia dos incisos XX e XXXI do art. 99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Votou o Presidente. - Plenário, 20.03.92” Publicada no D.J. Seção I de 27.03.92, Acórdão, DJ 15.05.92. Decisão do Mérito: “Por votação unânime, o Tribunal julgou procedente a ação direta para declarar a inconstitucionalidade dos incisos XX e XXXI do art. 99, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Votou o Presidente. Falou pelo requerente a Dra. Christina Aires Corrêa Lima”. - Plenário, 01.07.96 - Acórdão, D.J. 29.11.96. EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONVÊNIOS, ACORDOS, CONTRATOS E ATOS DE SECRETÁRIOS DE ESTADO. APROVAÇÃO DA ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA: INCONSTITUCIONALIDADE. I. - Norma que subordina convênios, acordos, contratos e atos de Secretários de Estado à aprovação da Assembléia Legislativa: inconstitucionalidade, porque ofensiva ao princípio da independência e harmonia dos poderes. C.F., art. 2º. II. - Inconstitucionalidade dos incisos XX e XXXI do art. 99 da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente.

Como se constata, o STF entendeu, da mesma forma, ao examinar a Lei nº 20.865/1998 do Estado de Santa Catarina Carta e incisos do art. 99 da CERJ, que normas jurídicas que subordinam convênios, ajustes, acordos e instrumentos congêneres celebrados pelo Poder Executivo à aprovação do Poder Legislativo revestem-se de inconstitucionalidade.

Nesse sentido, subordinar os convênios ou parcerias firmados entre o Município e entidades à aprovação do Legislativo, com a prévia fixação, pelo Legislativo, dos respectivos valores, os quais só poderão ser ultrapassados mediante autorização legislativa, imporiam de certa forma ao Prefeito em flagrante intromissão do Legislativo em atos da competência exclusiva do Prefeito Municipal. O Chefe do Poder Executivo, como já se observou da jurisprudência acostada a este parecer, pode praticar os atos de administração ordinária independentemente de autorização especial da Câmara, inserindo-se nessa categoria os convênios estabelecidos para o bom funcionamento dos serviços públicos. Tais instrumentos não se inserem naqueles que acarretam encargos, obrigações ou responsabilidades excepcionais para o Município, tais como empréstimos, abertura de créditos, concessão de serviços de utilidade pública etc., em relação aos quais o Prefeito dependeria de prévia autorização do Poder Legislativo Municipal.

Com efeito, na Lei Orgânica Municipal, não há dispositivo obrigando a aprovação de projeto de lei para a celebração de convênios ou parcerias pelo Poder Executivo Municipal.

Quanto às demais previsões da proposta, com efeito o fundamento da referida dispensa está no art. 30, VI, da Lei nº 13.019/2014:

Art. 30. A administração pública poderá dispensar a realização do chamamento público:

(...)

VI - no caso de atividades voltadas ou vinculadas a serviços de educação, saúde e assistência social, desde que executadas por organizações da sociedade civil previamente credenciadas pelo órgão gestor da respectiva política.

Nesse sentido, a dispensa de chamamento, para a solução tem como justificativa a possibilidade de celebração de parcerias com organizações previamente credenciadas para atividades vinculadas a serviços de saúde. Impende destacar, ainda, que o Marco Regulatório do Terceiro Setor (Lei 13.019/2014) estimula a gestão pública democrática nas diferentes esferas de governo e valoriza as organizações da sociedade civil como parceiras do Estado na garantia e efetivação de direitos, em consonância com a Constituição Federal. As parcerias entre o Estado e as organizações da sociedade civil qualificam as políticas públicas, possibilitando a solução de problemas sociais específicos.

Cabe referir, não obstante, entendimento no sentido de que “... a Lei Federal nº 13.019/2014 tem incidência apenas residual nas relações contratuais entre os órgãos e entidades integrantes do SUS e entidades civis sem fins lucrativos, limitando-se às atividades de fomento, ao passo que as ações e serviços de saúde em regime complementar exercidas por pessoas de direito público ou privado, inclusive de natureza filantrópicas, submetem-se às normas regentes do Sistema Único de Saúde (vide Parecer MPC nº 6761/2020 e Processo n. 010648-02.00/18-7, Decisão n. 1C-0610/2020 TCE-RS e Informação extraída da Consulta Cod 143294, tendo como Consulente o Fundo Municipal de Saúde de Sant’Ana do Livramento, por meio de Sandra Denize Silva Cardoso e Atendente o Auditor Público Externo Valtuir Pereira Nunes. A resposta foi proferida por e-mail em 08/11/2016.). No Processo nº 010648-0200/18-7 a conclusão da equipe de auditoria do TCE-RS foi de que “A incidência das disposições da Lei nº 13.019/2014 sobre as relações estabelecidas entre os órgãos e entidades integrantes do SUS e entidades civis sem fins lucrativos é residual, restringindo-se a atividades de fomento, de acordo com as disposições do art. 3º, inc. IV, art. 30, inc. VI, e art. 84 da Lei das Parcerias.”

Ainda, já em decisão do TJ/RS sobre a aplicabilidade da Lei nº 13.019/2014 no campo da saúde (Agravo de Instrumento em Mandado de Segurança – Processo nº 70080530009, datado de 29/05/2019 – peça 2253557) o judiciário gaúcho adotou o mesmo entendimento do Ministério da Saúde (vide Seção 2.1.5.) em sua decisão, qual seja, o reconhecimento de projetos e atividades com o objetivo de fomentar à saúde podem ser regidos pelas disposições da legislação do Marco Regulatório, por não se enquadrarem no regime de participação complementar da entidade privada no âmbito do SUS: Embora o art. 3º, IV, da Lei nº 13.019/2014 preveja a inaplicabilidade do Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil para convênios e contratos celebrados com entidades filantrópicas e sem fins lucrativos, o Ministério da Saúde reconhece que os projetos e atividades com o objetivo de fomentar a saúde serão regidos pelas disposições da legislação, mediante chamamento público, por não se enquadrarem no regime de participação complementar da entidade privada no âmbito do SUS.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, ressaltando a desnecessidade de autorização legislativa para a firmatura de convênios ou parcerias, a Procuradoria opina pela constitucionalidade e pela legalidade do Projeto de Lei do Executivo nº 044/2023, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 27 de julho de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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27/07/2023 14:07:49
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