Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 079/2023
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 189/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a Inclusão do Curso de Manobra de Heimlich no pré-natal das gestantes em acompanhamento pelas Unidades de Saúde do Município de Guaíba."

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista (PSDB) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 079/2023 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre a Inclusão do Curso de Manobra de Heimlich no pré-natal das gestantes em acompanhamento pelas Unidades de Saúde do Município de Guaíba”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pelo Presidente da Câmara para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais ou ilegais (art. 94, §1º). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora.

A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 94, parágrafo único do RI.

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir política sob a responsabilidade do Poder Executivo Municipal. Apesar do mérito, a matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, por dispor sobre programa que deve ser implementado pelo Executivo, através de seus órgãos, sob a responsabilidade do Prefeito.

O Projeto de Lei do Legislativo nº 079/2023, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

  1. a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;
  2. b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;
  3. c) organização da Defensoria Pública do Estado;
  4. d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, p. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer a execução de programa sob a responsabilidade do Poder Executivo no sentido da implantação de internet nos serviços públicos de saúde, por se tratar de matéria de competência privativa do Prefeito, na seara de sua discricionariedade. Aliás, veja-se a jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 6.099/2014. MUNICÍPIO DE PELOTAS. PROGRAMA "INTERNET LIVRE". INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL POR VÍCIO DE INICIATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. VIOLAÇÃO À SEPARAÇÃO DOS PODERES. É inconstitucional a Lei Municipal de iniciativa do Poder Legislativo que, instituindo programa de internet livre por meio de instalação de redes públicas "wireless", estabelece uma série de atribuições às secretarias e órgãos da administração pública. Competência privativa do chefe do Poder Executivo para dispor sobre a matéria, a teor do artigo 60, inciso II, d, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul. A Constituição Estadual (da mesma forma que a Constituição Federal), quando estabelece um rol de matérias cuja iniciativa é reservada a uma estrutura de poder, o faz como garantia da independência e harmonia entre os poderes. Quando o legislativo municipal interfere nas competências que são reservadas à iniciativa privativa do Prefeito - como, no caso, para estabelecer atribuições às Secretarias e órgãos da administração pública - não apenas incorre em inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (inconstitucionalidade subjetiva), senão que implica também flagrante violação à independência e harmonia dos Poderes que compõem o ente federativo. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70061167771, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Marcelo Bandeira Pereira, Julgado em: 17-11-2014).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 09/2007, DO MUNICÍPIO DE GUAPORÉ, QUE AUTORIZA O PODER EXECUTIVO A CRIAR O SERVIÇO "CIDADÃO ON-LINE ", NO ÂMBITO DO MUNICÍPIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS. INICIATIVA LEGISLATIVA. COMPETÊNCIA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70022341333, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Osvaldo Stefanello, Julgado em: 12-05-2008).

O Projeto de Lei do Legislativo nº 079/2023 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto às atribuições dos órgãos públicos:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei do Legislativo nº 079/2023 contém vício de iniciativa, por dispor sobre um programa que envolve atribuições de órgão público, serviços públicos municipais e organização administrativa, matérias de iniciativa reservada do Chefe do Executivo, nos termos do artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF/88, dos artigos 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS e do artigo 119, II, da Lei Orgânica.

No mesmo sentido vide o PARECER Nº 043/2018 ao PROJETO DE LEI DO LEGISLATIVO N.º 014/2018:

https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/portal/tramitacao.texto.php?id=49255&md5=68fe73dade3b347c9bbf52007c66720d.

3. Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PLL nº 079/2023, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS), bem como por violação ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer.

Guaíba, 03 de julho de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

 

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