Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 070/2023
PROPONENTE : Ver. Florindo Motorista
     
PARECER : Nº 171/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Estabelece que bares, restaurantes e casas noturnas adotem medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Florindo Motorista (PP) apresentou o Projeto de Lei nº 070/2023 à Câmara Municipal, o qual “Estabelece que bares, restaurantes e casas noturnas adotem medidas de auxílio à mulher que se sinta em situação de risco, e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado apenas propõe a instituição de programa de combate à violência contra a mulher, inexistindo qualquer limitação constitucional à propositura de projeto de lei por Vereador versando sobre a matéria tratada, desde que não sejam previstos deveres, obrigações ou mesmo “permissões” ao Executivo no que diz respeito à logística e à operacionalização, o que macularia o projeto de lei por vício de iniciativa. A propósito do tema, destaca-se o posicionamento da jurisprudência:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 4.751/2014 que inclui no calendário oficial de eventos do Município a "Corrida Ciclística". Norma guerreada que não versou simplesmente sobre a instituição de data comemorativa no calendário oficial do Município, mas, ao revés, instituiu evento esportivo com criação de obrigações ao Executivo e despesas ao erário, sem previsão orçamentária e indicação da fonte e custeio. Afronta aos arts. 5º, 47, II e XIV, 25 e 144 da Carta Bandeirante, aplicáveis ao município por força do principio da simetria constitucional. Inconstitucionalidade reconhecida. [...] (TJ-SP - ADI: 21628784720148260000 SP 2162878-47.2014.8.26.0000, Relator: Xavier de Aquino, Data de Julgamento: 11/03/2015, Órgão Especial, Data de Publicação: 16/03/2015).

Além disso, não há impedimento a que campanhas municipais sejam informadas por objetivos ou princípios, contanto que não obriguem de qualquer forma o Poder Executivo.

As medidas de prevenção e de combate pretendidas no âmbito do Município de Guaíba se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque a matéria veiculada na proposta é de responsabilidade comum de todos os entes federados, não sendo uma competência privativa da União (artigo 22, CF), além do que a medida proposta tem repercussão municipal, pois se vincula apenas aos estabelecimentos comerciais de Guaíba.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei nº 091/2019 é criar mecanismos de prevenção e de combate à violência contra a mulher em ambientes propícios a tais ocorrências (bares, restaurantes, casas noturnas e similares), o que encontra amparo na Lei nº 11.340/2006.

De acordo com o artigo 2º do referido diploma legal, “Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social”.

Importante revelar, ainda, o disposto no artigo 3º da Lei nº 11.340/06, que dispõe, em linhas gerais, sobre os direitos garantidos às mulheres:

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

§ 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

No que concerne à iniciativa para o processo legislativo, para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

À luz da interpretação das normas jurídicas, é clássica a lição de que as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva. Ou seja, quando a norma jurídica excepciona uma regra geral, estabelecendo requisitos que limitam o exercício de uma prerrogativa, não se pode adotar a técnica da interpretação ampliativa para atingir outros casos não previstos na norma analisada.

O rol de iniciativas privativas do Chefe do Executivo, portanto, é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão e/ou perturbação do esquema organizatório funcional estabelecido na CF, base do princípio da conformidade funcional, que rege a interpretação dos dispositivos constitucionais. Em palavras mais simples, o intérprete da Constituição não pode chegar a uma conclusão que altere “a repartição de funções constitucionalmente estabelecidas pelo constituinte originário, como é o caso da separação de poderes” (LENZA, 2011, p. 148).

Inclusive, o Supremo Tribunal Federal fez história ao julgar o Recurso Extraordinário com Agravo nº 878.911/RJ, reconhecendo repercussão geral no tema nº 917: “Competência para iniciativa de lei municipal que preveja a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias”. No acórdão, o STF registrou que as hipóteses de restrição previstas no artigo 61, § 1º, da CF – e, portanto, as correspondentes nas Constituições Estaduais – são taxativas, não admitindo interpretação extensiva por consistirem em normas de exceção ao poder de iniciativa:

O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo. Nesse sentido, cito o julgamento da ADI 2.672, Rel. Min. Ellen Gracie, Redator p/ acórdão Min. Ayres Britto, Tribunal Pleno, DJ 10.11.2006; da ADI 2.072, Rel. Min. Cármen Lúcia, Tribunal Pleno, DJe 2.3.2015; e da ADI 3.394, Rel. Min. Eros Grau, DJe 215.8.2008.

[...]

Assim, somente nas hipóteses previstas no art. 61, § 1º, da Constituição, ou seja, nos projetos de lei cujas matérias sejam de iniciativa reservada ao Poder Executivo, é que o Poder Legislativo não poderá criar despesa. [...] No caso em exame, a lei municipal que prevê a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública local nem trata do regime jurídico de servidores públicos, motivo pelo qual não vislumbro nenhum vício de inconstitucionalidade formal na legislação impugnada.

O entendimento do Supremo Tribunal Federal, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF), sem dúvidas ecoa por todos os tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC).

No caso em análise, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, visto que o projeto de lei apresentado propõe medidas de prevenção e de combate à violência contra a mulher em estabelecimentos comerciais, inexistindo qualquer limitação à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre essa matéria.

 

Contudo, identifica-se que, no Município de Guaíba, já existe a Lei Municipal nº 3.928, de 22 de dezembro de 2022, que “Cria mecanismos para adoção de medidas preventivas e de auxílio à mulher em situação de assédio ou violência a serem adotados por bares, restaurantes, casas noturnas e similares”. Portanto, ainda que não exista inconstitucionalidade completa da proposta, o fato de já haver lei municipal praticamente idêntica impõe que se reavalie a necessidade do processo legislativo, motivo pelo qual a medida mais prudente é a devolução ao autor, para que, se quiser, apresente substitutivo ou nova proposição alterando disposições da norma já existente com o fim de torná-la mais completa.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei nº 070/2023.

Contudo, considerando que já existe a Lei Municipal nº 3.928, de 22 de dezembro de 2022, dispondo sobre campanha idêntica no Município de Guaíba, recomenda-se que o autor apresente substitutivo ou nova proposição alterando as disposições da norma já existente com o objetivo de torná-la mais completa, eventualmente incluindo a previsão de inclusão nos cartazes do número telefônico da Central de Atendimento à Mulher – “DISQUE 180” – e o número de emergência da Brigada Militar – “DISQUE 190”.

É o parecer.

Guaíba, 15 de junho de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

 

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
15/06/2023 10:56:06
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 15/06/2023 ás 10:55:21. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação d0a326989c0e0225887350451708c20d.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 173436.