Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 031/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 163/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Conselho Municipal de Pastores e Entidades Filantrópicas e Educacionais da Comunidade Evangélica, com sede no Município de Guaíba, e dá outras providências."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 031/2023 à Câmara Municipal, o qual “Cria o Conselho Municipal de Pastores e Entidades Filantrópicas e Educacionais da Comunidade Evangélica, com sede no Município de Guaíba, e dá outras providências”. O projeto foi remetido a esta Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o exercício de controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

No que diz respeito à criação do referido Conselho Municipal, a proposta também atende à competência do Município para legislar sobre os assuntos de interesse local (artigo 30, I, CF), bem como à iniciativa para a instituição, própria do Poder Executivo.

O artigo 80 da Lei Orgânica Municipal refere que “Os Conselhos Municipais são órgãos governamentais que têm por finalidade auxiliar a administração na orientação, planejamento, interpretação e julgamento de matéria de sua competência.”. A Lei Orgânica Municipal possui Capítulo específico dispondo sobre as diretrizes a respeito desses órgãos auxiliares do Poder Executivo no âmbito municipal:

CAPÍTULO VI

DOS CONSELHOS MUNICIPAIS


Art. 80. Os Conselhos Municipais são Órgãos governamentais que por finalidade auxiliar a administração na orientação, planejamento, interpretação e julgamento de matéria de sua competência.


Art. 81. A Lei especificará as atribuições de cada Conselho, sua organização, composição, funcionamento, forma de nomeação de titular e suplente e prazo de duração do mandato.


Art. 82. Os Conselhos Municipais são compostos paritariamente, nos termos da legislação específica, observado, quando for o caso, a representatividade da administração, das entidades públicas, classistas e da sociedade civil organizada. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)


Art. 83. Os Conselhos Municipais terão poder de decisão no âmbito de suas atribuições, cabendo, todavia, recurso ao Prefeito Municipal no prazo de 30 (trinta) dias contados da decisão.

Assim, por se tratarem de órgãos governamentais, correta a iniciativa do Executivo para a sua criação, tendo em vista a restrição prevista no artigo 61, § 1º, II, “b”, da CF e no artigo 60, II, “d”, da CE:

Art. 61...

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II - disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

O artigo 81 da Lei Orgânica Municipal, por sua vez, estabelece que “A Lei que especificará as atribuições de cada Conselho, sua organização, composição, funcionamento, forma de nomeação de titular e suplente e prazo de duração do mandato.” Tais exigências estão suficientemente atendidas nos dispositivos da proposta que objetiva criar o Conselho Municipal de Pastores e Entidades Filantrópicas e Educacionais da Comunidade Evangélica.

No caso do Projeto de Lei do Executivo nº 031/2023, o Conselho Municipal dos será composto por 14 (quatorze) membros, divididos entre 07 (sete) membros dos órgãos governamentais e 07 (sete) membros da sociedade civil organizada. Verifica-se, portanto, estar devidamente preenchida a exigência de paridade na composição do conselho municipal.

Em relação à matéria de fundo, os conselhos municipais possuem fundamento na Constituição Federal de 1988, em razão do reconhecimento da cidadania como fundamento da República Federativa do Brasil e da democracia como forma de aquisição e exercício do poder. Os conselhos de direitos fazem parte, efetivamente, do processo de abertura para a participação cidadã na política.

O Brasil, desde a Constituição Federal de 1988, vem aprimorando e enriquecendo os meios de participação popular no setor público, seja quanto ao acesso aos cargos públicos, seja quanto à contribuição direta do povo nas decisões políticas de Estado. Instrumentos como o concurso público, a iniciativa popular, o referendo, o plebiscito, a ação popular e os conselhos municipais fortificam o regime democrático e conferem maior legitimidade ao setor público, que passa a estar sob constante fiscalização da sociedade.

Mesmo assim, o Brasil ainda não atingiu níveis satisfatórios de aproximação do povo em relação aos seus governantes. A visão popular existente em relação ao setor público, se não for trabalhada no presente momento, com medidas tais como a que se pretende aprovar, perpetuar-se-á indefinidamente, tendo como efeito direto o maior distanciamento entre o povo e o Poder Público. A propósito, no que diz respeito ao distanciamento do povo em relação ao setor público e sobre os efeitos das medidas de participação popular, Benevides (1994) esclarece:

É evidente que, com a evolução do Estado moderno, o exercício do governo inclui tarefas complexas e técnicas, contribuindo para uma relação autoritária entre governantes e governados. Essa relação, é sabido, tem provocado várias conseqüências negativas, desde a indiferença até a franca hostilidade do povo para com os políticos, em geral, e para os governantes, em particular. A institucionalização de práticas de participação popular tem o apreciável mérito de corrigir essa involução do regime democrático, permitindo que o povo passe a se interessar diretamente pelos assuntos que lhe dizem respeito e, sobretudo, que se mantenha informado sobre os acontecimentos de interesse nacional.[1]

No que diz respeito à constitucionalidade da propositura face ao princípio da laicidade do Estado, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul já enfrentou a matéria. O julgamento da matéria pelo Tribunal Pleno no Processo nº 70073223984 explicitou que “a promoção de qualquer religião, portanto, inviável a permissão da existência de um conselho de pastores da comunidade evangélica que façam propostas de políticas públicas à Administração Pública”, consoante se extrai do acórdão a seguir ementado.

 

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI MUNICIPAL DE MARAU QUE DISPÕE SOBRE CONSELHO MUNICIPAL DE PASTORES E DAS ENTIDADES FILANTRÓPICAS E EDUCACIONAIS DA COMUNIDADE EVANGÉLICA PARA AUXILIO À ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL. OFENSA À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL E FEDERAL. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. ESTADO LAICO. PRINCÍPIO DA IGUALDADE. - A Constituição Federal confere a validade das organizações religiosas e da respectiva liberdade de crença e de associação, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de atuação, nos termos do seu art. 5º, incisos VI, XVII e XVIII. - O Ordenamento Pátrio assegura a existência de uma República laica ou secular, em que o poder do Estado deve ser imparcial em relação às questões religiosas, sem amparo ou se opondo à religião, especialmente visando à imparcialidade ou eventuais distinções e isto acontece desde a separação, no Brasil, do Estado da Igreja, que ocorreu com o Decreto nº 119-A, de 07 de janeiro de 1890. Esta concepção vem sendo reproduzida em todas as Constituições Federais posteriores, inclusive, na Constituição Federal de 1988, conforme se percebe do art. 19. - Ao consagrar a laicidade, a Constituição Federal impede que o Estado intervenha em assuntos religiosos e, de outro lado, a garantia do Estado laico, evita que dogmas da fé e concepções morais religiosas determinem o conteúdo de atos administrativos e estatais. - À República Federativa do Brasil, através da União, Estados e Municípios, é vedada a promoção de qualquer religião, portanto, inviável a permissão da existência de um conselho de pastores da comunidade evangélica que façam propostas de políticas públicas à Administração Pública. - O art. 5º da Constituição Federal, caput, consagra serem todos iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, sendo que estas, quando existem, estão consagradas no próprio texto constitucional. - A carta Magna assegura a inviolabilidade da liberdade de consciência e de crença, sendo garantido o livre exercício de cultos de religião, seus locais de culto e suas liturgias, sem qualquer diferenciação ou privilégio entre as religiões em si. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70073223984, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Gelson Rolim Stocker, Julgado em: 24-07-2017)

[1] BENEVIDES, Maria Victoria de Mesquita. Cidadania e democracia. Lua Nova, São Paulo, n. 33, p. 5-16, ago. 1994. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-64451994000200002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em: 12 set. 2017.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de segurança jurídica para opinar pela constitucionalidade do Projeto de Lei do Executivo nº 031/2023, por existir jurisprudência do TJRS que assentou a inconstitucionalidade da matéria - Processo nº 70073223984, cabendo à Comissão de Constituição, Justiça e Redação analisar a matéria sob o ponto de vista de sua adequação à moldura constitucional vigente, alertando esta Procuradoria para o risco de declaração de inconstitucionalidade se porventura aprovada a proposição legislativa.

É o parecer.

Guaíba, 06 de junho de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

 

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06/06/2023 16:01:59
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