Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 028/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 159/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 3605, de 11 de dezembro de 2017, que dispõe sobre a conciliação, as hipóteses de acordo, transação, dispensa ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 028/2023 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei Municipal nº 3.605, de 11 de dezembro de 2017, que dispõe sobre a conciliação, as hipóteses de acordo, transação, dispensa ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte”. O projeto veio acompanhado de exposição de motivos (fls. 02 e 03). Encaminhado à Comissão de Justiça e Redação, o projeto de lei foi remetido a esta Procuradoria, para parecer.

2. Mérito:

Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da atividade administrativa de órgão subordinado ao Chefe do Poder Executivo, sendo este, portanto, o agente político legitimado para deflagrar o processo legislativo, fulcro no artigo 52, VI, da LOM.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, II, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

A criação de mecanismos de conciliação, hipóteses de acordo, transação ou desistência recursal e de contestação nas ações judiciais em que o Município de Guaíba é parte se insere, efetivamente, na definição de interesse local, pois resta evidente que, ao estabelecer meios para a solução de controvérsias judiciais que envolvam a Administração Municipal, o Projeto de Lei do Executivo nº 028/2023 veicula matéria de relevância para o Município, não atrelada às competências privativas da União (artigo 22, CF), por consistir na mera padronização da atividade da Procuradoria do Município.

Portanto, sob os critérios da competência e da iniciativa, não se vislumbram vícios de ordem formal que possam impedir a tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 028/2023.

No tocante aos dispositivos da propositura em questão, em linhas gerais, verifica-se estarem de acordo com o ordenamento jurídico, uma vez que o atual Código de Processo Civil assim prevê:

Art. 3º Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito.

[...]

§ 2º O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.

§ 3º A conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser estimulados por juízes, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público, inclusive no curso do processo judicial.

[...]

Art. 12. Os juízes e os tribunais atenderão, preferencialmente, à ordem cronológica de conclusão para proferir sentença ou acórdão. (Redação dada pela Lei nº 13.256, de 2016)

[...]

§ 2º Estão excluídos da regra do caput:

I - as sentenças proferidas em audiência, homologatórias de acordo ou de improcedência liminar do pedido;

Em âmbito federal, a Lei nº 9.469/97 disciplina similarmente a matéria, prevendo a possibilidade de o Advogado-Geral da União, diretamente ou mediante delegação, e os dirigentes máximos das empresas públicas federais, em conjunto com o dirigente estatutário da área afeta ao assunto, autorizarem a realização de acordos ou transações para prevenir ou terminar litígios (artigo 1º). Trata-se de permissivo legal que objetiva equacionar diversos princípios e interesses jurídicos, como a duração razoável do processo, a economicidade e a indisponibilidade do interesse público.

Como se sabe, o regime jurídico administrativo é marcadamente identificado por dois princípios basilares, que tornam a atividade administrativa distinta da exercida pelos particulares em geral: princípio da supremacia do interesse público sobre o privado e princípio da indisponibilidade do interesse público. Tais pilares formam um regime de prerrogativas e sujeições: a Administração, por um lado, tem vantagens em relação aos particulares (prescrição diferenciada, bens públicos, cláusulas exorbitantes em contratos administrativos, precatórios para o pagamento das obrigações...) e, por outro lado, tem restrições relacionadas ao modo do exercício do poder, que não pode extrapolar da mera gestão da coisa pública, sendo vedada a renúncia ao interesse público. O Estado, com base na indisponibilidade do interesse público, sujeita-se de todo modo ao princípio da legalidade, base do Estado de Direito, obrigando-se a agir apenas nos exatos limites da lei, só podendo fazer aquilo que a norma expressamente autorize ou obrigue.

Por esse motivo, a Administração Pública não pode dispor livremente do interesse público, sendo indispensável a convergência de outros interesses juridicamente legítimos para a adoção de um comportamento que, à primeira vista, pareça configurar renúncia à boa administração. No presente caso, sobressai o direito fundamental à razoável duração do processo, previsto no artigo 5º, LXXVIII, da CF, incluído pela Emenda Constitucional nº 45/04, que condiciona a tramitação dos processos judiciais a um tempo razoável e busca garantir a fruição do resultado útil da demanda tempestivamente.

Além disso, destaca-se também o princípio da economicidade, previsto no artigo 70, caput, da CF, formado pela junção dos fatores celeridade, qualidade e avaliação dos custos operantes da atividade administrativa. Ou seja, a economicidade estará cumprida quando a medida tiver custo-benefício positivo para a comunidade, refletindo, também, na eficiência da Administração Pública (artigo 37, caput, CF).

No caso do Projeto de Lei nº 028/2023, embora a transação pela Administração Pública revele, sob uma visão superficial, a disposição de possíveis ganhos patrimoniais nos processos judiciais, a verdade é que a lentidão do Poder Judiciário na solução das demandas e os riscos inerentes ao processo trazem a conciliação e a transação como mecanismos céleres e efetivos de encerramento de causas, com economia para os cofres públicos. Entre os riscos próprios do processo que podem prejudicar o Município, citam-se a extinção antecipada por irregularidades processuais, uma eventual prescrição, insucesso na fase de execução e, obviamente, a probabilidade de derrota na fase de conhecimento. As medidas pretendidas com o projeto de lei são legítimas sob o ponto de vista da economicidade e da eficiência da Administração Pública, pois antecipam o resultado dos processos e garantem algum proveito ao Poder Público nas causas em que a derrota é bastante provável (artigo 5º).

Está correto o encaminhamento da proposta ao Poder Legislativo, tendo em vista a necessidade de autorização legislativa para a matéria pretendida:

Aportou nos autos requerimento de homologação de acordo formalizado entre as partes (fls. 78/79). Em sequência (fls. 82/83), o (a) exequente requereu a intimação do (a) executado para comprovação da adimplência do acordo formalizado. No tocante ao requerimento de fls. 78/76, importante destacar o seguinte aresto: REEXAME NECESSÁRIO - ACORDO JUDICIAL CELEBRADO PELO PODER PÚBLICO - INTELIGÊNCIA DO ART. 8º DA LEI 12.153/2009 - AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO LEGISLATIVA - IMPOSSIBILIDADE - OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE - LEI N.º 9.469/1997 - NÃO APLICAÇÃO AO CASO EM ANÁLISE - ÂMBITO DE APLICAÇÃO RESTRITO À ESFERA FEDERAL. REEXAME CONHECIDO - SENTENÇA DESCONSTITUÍDA. 1. Não havendo Lei que autorize o município, por seu procurador ou qualquer outro agente, a celebrar acordo em processos judiciais, a sentença de piso não deve ser confirmada. 2. Reexame conhecido. Sentença de piso cassada. (TJRR - RN 0020.13.700126-7, Rel. Juiz (a) Conv. JEFFERSON FERNANDES DA SILVA, Câmara Única, julg.: 15/12/2015, DJE 16/02/2016, p. 39) Trata-se de corolário do princípio da legalidade, segundo o qual a Administração Pública sujeita-se à rule of law, só podendo agir nos termos e segundo as condições estabelecidas pela lei. Neste contexto, antes de proceder com a homologação requestada, determino que se intime o (a) exequente para que junte aos autos a autorização legislativa que autorize a formalização da transação em apreço. (...)” (São João dos Patos (MA), 13 de fevereiro de 2017 - RANIEL BARBOSA NUNES - Juiz de Direito da Comarca de São João dos Patos Resp: 183830 – TJ/MA - PROCESSO Nº. 646- 11.2016.8.10.0126).

A propósito, o STF já reconheceu que há casos em que o princípio da indisponibilidade do interesse público deve ser atenuado, mormente quando se tem em vista que a solução adotada pela Administração é a que melhor atenderá à ultimação deste interesse, como ocorre com o Projeto de Lei do Executivo nº 028/2023.

Importante salientar o entendimento do TCE/RS sobre a matéria:

2.4.5. Na linha da possibilidade de transação, o Tribunal de Contas de Santa Catarina, em decisão proferida em 13-7-98, no Prejulgado nº 568 (28), assim se posicionou: “568 - Os agentes do Estado somente podem praticar atos para os quais estejam autorizados por norma válida. O poder de transigir ou renunciar não se configura se a lei não o prevê. O acordo judicial, portanto, é possível, desde que existente norma legal autorizativa.”

(...)

2.4.8. Assim, se for o caso de acordo judicial, a lei deverá estabelecer, genericamente, os casos, limites, condições, requisitos e critérios objetivos a fim de que possa ocorrer o respectivo acordo, não sujeitando-se a decisão ao simples poder discricionário do administrador, considerando a necessária observância aos princípios da igualdade, economicidade, finalidade, razoabilidade, dentre outros (art. 37, caput da CF). Isto equivaleria dizer que, em todas as situações que se amoldassem aos exatos ditames da lei, seria possível a transação judicial.

Não obstante, cabe ressaltar que o supra referido Prejulgado nº 568 do TCE-SC foi revogado no pelo Tribunal Pleno, em sessão de 14.09.2022, por meio da Decisão n. 1188/2022, exarada nos autos @CON 22/00377449, e publicada no DOTC-e em 26.09.2022. Foram exarados por aquele Tribunal os prejulgados 580 e 1889, a seguir ementados:

Prejulgado n. 580: 1. Os agentes do Estado, integrantes da administração direta e indireta (autarquias, fundações e estatais dependentes do tesouro do Estado), somente poderão praticar atos para os quais estejam autorizados por norma legal válida. O poder de transigir ou de renunciar não se configura se a lei não o prevê. O acordo extrajudicial, portanto, é possível, desde que existente norma legal autorizativa.  2. As atividades de controle, orientação normativa e supervisão técnica dos serviços jurídicos das autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e empresas públicas estaduais serão de competência da Procuradoria-Geral do Estado, na forma da lei (art. 4º, XI, da Lei Complementar n. 317/2005).  3. A efetivação de acordos com valores a menor que o devido, ainda a negociar, é impraticável, uma vez que só é admitido pelo Estado a celebração de acordo judicial relativamente às condições de pagamento, à forma de pagamento do valor devido, com as correções legais, e não em termos de valores, se a mais ou menos que o efetivamente devido.

Prejulgado n. 1889: 1. Os agentes do Estado, integrantes da administração direta e indireta (autarquias, fundações e estatais dependentes do tesouro do Estado), somente podem praticar atos para os quais estejam autorizados por norma legal válida.  2. O poder de transigir ou de renunciar, através de acordo judicial ou extrajudicial (administrativo), ainda que mais conveniente ao erário, somente é possível diante da existência de norma legal autorizativa.  3. Dessa forma, para que a Junta Comercial do Estado – JUCESC - possa aderir ao Programa de Parcelamento Incentivado – PPI -, criado pela Lei n. 216/2006, é necessária à sua autorização através de lei estadual.

Vide ainda a Informação nº 57/2000 da Consultoria Técnica do TCE-RS, exarada nos autos do processo nº 4901-0200/00-5, acolhida pelo Tribunal Pleno em sessão de 12-07-2000, em que se assentou que a celebração de acordo judicial seria possível de ser efetivada, repisamos, uma vez que autorizada em lei, e desde que alcançasse situações ou temas sobre os quais houvesse farta e dominante jurisprudência; onde pudesse materializar-se vantagem efetiva e inequívoca para o Poder Público, e/ou em que, inquestionavelmente, a Administração estivesse fadada a ser condenada. Portanto, em cada caso, caberia à Administração demonstrar e comprovar clara objetiva e formalmente, as reais e efetivas vantagens que adviriam da aludida celebração, considerados os princípios da economicidade e da razoabilidade:

f) a celebração de acordo judicial seria possível de ser efetivada, repisamos, uma vez que autorizada em lei, e desde que alcançasse situações ou temas sobre os quais houvesse farta e dominante jurisprudência; onde pudesse materializar-se vantagem efetiva e inequívoca para o Poder Público, e/ou em que, inquestionavelmente, a Administração estivesse fadada a ser condenada. Portanto, em cada caso, caberia à Administração demonstrar e comprovar clara objetiva e formalmente, as reais e efetivas vantagens que adviriam da aludida celebração, considerados os princípios da economicidade e da razoabilidade (subitem 2.4.9);

g) em atendimento ao princípio constitucional da legalidade, a efetivação do acordo judicial deveria estar amparado em lei, a qual estabeleceria, de forma genérica, os casos, limites, condições, requisitos e critérios objetivos, considerando a necessária observância aos princípios da igualdade, da economicidade, finalidade, razoabilidade, dentre outros (art. 37, “caput” da CF), afastando, assim, por via de conseqüência, o duplo grau de jurisdição (reexame necessário). Isto equivaleria dizer que, em todas as situações que se amoldassem aos exatos ditames da lei, seria possível a transação judicial (subitens 2.4.7, 2.4.8 e 2.5).

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 028/2023, observadas as recomendações deste parecer, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 01 de junho de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral

OAB/RS 107.136

 

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01/06/2023 16:11:37
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