Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 065/2023
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 158/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a proibição e a instalação de postes de iluminação pública de madeira, estabelece prazo para troca e dá outras providências"

1. Relatório:

 O Vereador Ale Alves (PDT) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 065/2023 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre a proibição e a instalação de postes de iluminação pública de madeira, estabelece prazo para troca e dá outras providências”. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir obrigação sob a responsabilidade da concessionária do serviço público de energia elétrica, no sentido de instituir proibição de instalação de postes de iluminação pública de madeira, bem como estabelecer prazo para sua troca. Apesar do mérito, a matéria invade de modo indevido a competência da União para legislar sobre energia elétrica, estabelecida pelo art. 22, IV e parágrafo único da Constituição Federal, bem como afronta a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, por dispor sobre obrigação no âmbito dos serviços públicos, os quais são de responsabilidade do Poder Executivo:

Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:

IV - águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;

Parágrafo único. Lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo.

Observa-se o pronunciamento, no âmbito do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro acerca da inconstitucionalidade de lei que versava acerca da substituição de postes de madeira e proibição de instalação de novos postes do mesmo material, conforme MS nº 0366943-98.2012.8.19.0001, julgado pela 15ª Câmara Cível:

Logo, não poderia a câmara legislativa municipal, ter editado e promulgado lei que obriga a concessionária que presta o serviço de fornecimento de energia elétrica a efetuar a troca dos postes de madeira existentes no município, por outros de concreto.   Isso porque além de a competência para legislar sobre energia elétrica pertencer de forma privativa à União, tem-se que também é da responsabilidade do referido ente a organização do serviço, consoante artigo 21, XI da Constituição Federal: Art. 21. Compete à União:  XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais;

Da mesma forma, no âmbito do E. STF, o Relator, Ministro Celso de Mello, em decisão monocrática, negou provimento a recurso que tratava da matéria, ao fundamento de estar o decisum em alinho à jurisprudência daquela Corte, ex vi o Interposto Agravo em Recurso Extraordinário:

Rel. Min. TEORI ZAVASCKI, fixou entendimento que desautoriza pretensão de direito material deduzida pela parte recorrente (Adi 4925 SP - STF):

"CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL N° 12.635/07, DE SÃO PAULO. POSTES DE SUSTENTAÇÃO DA REDE ELÉTRICA. OBRIGAÇÃO DE REMOÇÃO GRATUITA PELAS CONCESSIONÁRIAS EM PROVEITO DE CONVENIÊNCIAS PESSOAIS DOS PROPRIETÁRIOS DE TERRENOS. ENCARGOS EXTRAORDINÁRIOS NÃO PREVISTOS NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. RELEVÂNCIA TURÍDICA DA TESE DE USURPACÃO DAS COMPETÊNCIAS FEDERAIS PARA DISPOR SOBRE O TEMA.

  1. As competências para legislar sobre energia elétrica e para definir os termos da exploração do serviço de seu fornecimento, inclusive sob regime de concessão, cabem privativamente à União, nos termos dos art. 21, XII, 'b'; 22, IV e 175 da Constituição. Precedentes.
  2. Ao criar, para as empresas que exploram o serviço de fornecimento de energia elétrica no Estado de São Paulo, obrigação significativamente onerosa, a ser prestada em hipóteses de conteúdo vago ('que estejam causando transtornos ou impedimentos') para o proveito de interesses individuais dos proprietários de terrenos, o art. 2° da Lei estadual n° 12.635/07 imiscuiu-se indevidamente nos termos da relação contratual estabelecida entre o poder federal e as concessionárias.
  3. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente." O exame da presente causa evidencia que o acórdão impugnado em sede recursal extraordinária ajusta-se à diretriz jurisprudencial que esta Suprema Corte estabeleceu na matéria em referência. Sendo assim e em face das razões expostas, ao apreciar o presente agravo, nego provimento ao recurso extraordinário, por achar-se em confronto com acórdão proferido pelo Plenário desta Suprema Corte (CPC/15, art. 932, IV, "b). Não incide, no caso em exame, o que prescreve o art. 85, § 11, do CPC/15, ante a inadmissibilidade de condenação em verba honorária, por tratar-se de processo de mandado de segurança (Súmula 512/STF Lei n° 12.016/2009, art. 25). Publique-se. Brasília, 16 de dezembro de 2016. Ministro CELSO DE MELLO.

E podem-se identificar mais precedentes do E. STF acerca da competência da União para legislar sobre a matéria, não cabendo ao município estabelecer restrições e condicionantes para o fornecimento de energia elétrica:

ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONSTITUCIONAL. ARTS. 1º A 4º DA LEI N. 7.015/2015 DE JARAGUÁ DO SUL/SC. RESTRIÇÕES A LIGAÇÕES DE ENERGIA ELÉTRICA E ÁGUA. LEGITIMIDADE ATIVA. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. COMPETÊNCIA DA UNIÃO PARA EXPLORAR E LEGISLAR SOBRE ENERGIA ELÉTRICA. ARGUIÇÃO CONHECIDA EM PARTE E, NA PARTE CONHECIDA, JULGADA PROCEDENTE. 1. Há legitimidade ativa das entidades de classe de âmbito nacional para o ajuizamento de ação de controle abstrato em caso de se comprovar nexo entre os objetivos institucionais e o conteúdo material dos textos normativos impugnados. Precedentes. 2. Este Supremo Tribunal admite o aditamento da inicial nas ações de controle concentrado quando se tratar de impugnação de eventual norma revogada pela norma questionada em ação pendente de julgamento. Precedentes. 3. Ao se estabelecer condicionantes para o fornecimento de energia elétrica a pretexto de regular o desenvolvimento urbano do município, o regulador municipal exorbitou de sua competência: usurpação de competência exclusiva da União para legislar sobre o serviço de energia elétrica. Precedentes. 4. Arguição parcialmente conhecida e, nesta parte, julgada procedente para declarar inconstitucionais as expressões referentes ao fornecimento de “energia elétrica” e “Centrais Elétricas de Santa Catarina S/A – CELESC”, constantes do parágrafo único e caput do art. 1º, caput do art. 2º, caput do art. 3º e caput do art. 4º da Lei n. 7.015/2015 de Jaraguá do Sul/SC. Ausente efeito repristinatório por permanecer em vigor o art. 6º da Lei n. 7.015/2015 de Jaraguá do Sul/SC, pelo qual se prevê a revogação expressa da lei anterior, na qual regulada parte da matéria debatida nos autos. (ADPF 452 - Órgão julgador: Tribunal Pleno - Relator(a): Min. CÁRMEN LÚCIA - Julgamento: 27/04/2020 Publicação: 14/05/2020)

Diante disso, a alteração das regras contratuais sobre a prestação do serviço não cabe ao Poder Legislativo, mas apenas ao Executivo, enquanto esfera de poder responsável pelo serviço de fornecimento de energia elétrica, consoante a jurisprudência colacionada:

Os Estados-membros – que não podem interferir na esfera das relações jurídico-contratuais estabelecidas entre o poder concedente (quando este for a União Federal ou o Município) e as empresas concessionárias – também não dispõem de competência para modificar ou alterar as condições, que, previstas na licitação, acham-se formalmente estipuladas no contrato de concessão celebrado pela União (energia elétrica – CF, art. 21, XII, b) e pelo Município (fornecimento de água – CF, art. 30, I e V), de um lado, com as concessionárias, de outro, notadamente se essa ingerência normativa, ao determinar a suspensão temporária do pagamento das tarifas devidas pela prestação dos serviços concedidos (serviços de energia elétrica, sob regime de concessão federal, e serviços de esgoto e abastecimento de água, sob regime de concessão municipal), afetar o equilíbrio financeiro resultante dessa relação jurídico-contratual de direito administrativo. [ADI 2.337 MC, rel. min. Celso de Mello, j. 20-2-2002, P, DJ de 21-6-2002.]

Lembre-se que a medida é uma daquelas que tem aptidão para gerar o desequilíbrio do contrato administrativo, visto que pode gerar custos adicionais não estabelecidos previamente e não contemplados na proposta ofertada na licitação. Considerando isso, as eventuais alterações devem ser implementadas por ato exclusivo do Poder Executivo competente, não sendo possíveis alterações dessa relação jurídico-administrativa por iniciativa do Poder Legislativo.

O Projeto de Lei do Legislativo nº 065/2023, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, e no art. 163, § 4º, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

 

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII - dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Art. 163. Incumbe ao Estado a prestação de serviços públicos, diretamente ou, através de licitação, sob regime de concessão ou permissão, devendo garantir-lhes a qualidade.

(...)

§ 4º Será assegurado o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão e permissão, vedada a estipulação de quaisquer benefícios tarifários a uma classe ou coletividade de usuários, sem a correspondente e imediata readequação do valor das tarifas, resultante da repercussão financeira dos benefícios concedidos. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 27, de 15/12/99)

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, a qual constitui atribuição político-administrativa do Poder Executivo competente, caracterizando inconstitucionalidade material e formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar estabelecer a execução de programa sob a responsabilidade da concessionária, por se tratar de matéria de competência privativa do Chefe do Poder Executivo do ente competente, no âmbito dos serviços públicos. Aliás, vejam-se precedentes da jurisprudência relacionados ao caso em análise:

Ementa: CONSTITUCIONAL. LEI ESTADUAL 12.635/07, DE SÃO PAULO. POSTES DE SUSTENTAÇÃO DA REDE ELÉTRICA. OBRIGAÇÃO DE REMOÇÃO GRATUITA PELAS CONCESSIONÁRIAS EM PROVEITO DE CONVENIÊNCIAS PESSOAIS DOS PROPRIETÁRIOS DE TERRENOS. ENCARGOS EXTRAORDINÁRIOS NÃO PREVISTOS NOS CONTRATOS DE CONCESSÃO DE ENERGIA ELÉTRICA. RELEVÂNCIA JURÍDICA DA TESE DE USURPAÇÃO DAS COMPETÊNCIAS FEDERAIS PARA DISPOR SOBRE O TEMA. 1. Tendo em vista (a) a simplicidade da questão de direito sob exame; (b) a exaustividade das manifestações aportadas aos autos; e (c) a baixa utilidade da conversão do rito inicial adotado para o presente caso, a ação comporta julgamento imediato do mérito. Medida sufragada pelo Plenário em questão de ordem. 2. As competências para legislar sobre energia elétrica e para definir os termos da exploração do serviço de seu fornecimento, inclusive sob regime de concessão, cabem privativamente à União, nos termos dos art. 21, XII, “b”; 22, IV e 175 da Constituição. Precedentes. 3. Ao criar, para as empresas que exploram o serviço de fornecimento de energia elétrica no Estado de São Paulo, obrigação significativamente onerosa, a ser prestada em hipóteses de conteúdo vago (“que estejam causando transtornos ou impedimentos”) para o proveito de interesses individuais dos proprietários de terrenos, o art. 2º da Lei estadual 12.635/07 imiscuiu-se indevidamente nos termos da relação contratual estabelecida entre o poder federal e as concessionárias. 4. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 4925, Relator(a): Min. TEORI ZAVASCKI, Tribunal Pleno, julgado em 12/02/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-045 DIVULG 09-03-2015 PUBLIC 10-03-2015)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE VACARIA. LEI MUNICIPAL Nº 4.446/2019. INICIATIVA DO PODER LEGISLATIVO. DETERMINA A INSTALAÇÃO DE EQUIPAMENTO ELIMINADOR DE AR NA TUBULAÇÃO DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA. AQUISIÇÃO E INSTALAÇÃO A SER CUSTEADA PELA CORSAN. INCONSTICIONALIDADE POR VÍCIO DE ORIGEM. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. DESEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO FIRMADO ENTRE O MUNICÍPIO E A CORSAN. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PRECEDENTES. 1. Hipótese em que lei de iniciativa parlamentar cria nova obrigação – instalação de equipamentos eliminadores de ar na tubulação de abastecimento de água do município - a ser a cumprida e custeada pela CORSAN, interferindo na prestação dos serviços, sem observar os termos do contrato celebrado entre o Município e a empresa estatal. 2. A lei impugnada versa sobre matéria eminentemente administrativa e interfere no funcionamento da administração municipal, motivo pelo qual a iniciativa para deflagrar processo legislativo acerca dessa temática compete ao Prefeito, nos termos do 8º, caput, 10, 60, inciso II, alínea “d”, 82, incisos III e VII, todos da Constituição Estadual. 3. Outrossim, a norma acaba por gerar um aumento nos custos da prestação dos serviços a ser suportado pela empresa estatal, repercutindo, assim, no equilíbrio-financeiro do contrato celebrado, sem previsão de qualquer fonte de custeio, circunstância que implica violação do art. 163, § 4º, da Constituição Estadual. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PROCEDENTE. UNÂNIME (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70082473737, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julgado em: 11-11-2019)

3. Conclusão:

  Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PLL 065/2023, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por invasão da competência da União para legislar sobre energia elétrica, nos termos do art. 22, IV, da CF/88 e por vício de iniciativa (art. 61, § 1º, da CF/88; arts. 60, II, “d”, e 82, VII, da CE/RS) e de inconstitucionalidade material por afronta ao princípio da separação dos poderes (art. 2º da CF/88; art. 5º da CE/RS) e ao art. 163, § 4º, da CE/RS.

É o parecer

Guaíba, 01 de junho de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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01/06/2023 10:17:49
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