Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Veto Total n.º 036/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER :
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Veto Total ao Projeto de Lei do Legislativo n.º 036/2023"

1. Relatório:

O Ver. Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2023, que altera a Lei Municipal nº 3.693/2018, a qual dispõe sobre a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas escolas públicas municipais e cercanias. Após a sua tramitação regimental, a proposição foi aprovada em Plenário na reunião ordinária de 2/5/2023. Encaminhada ao Executivo para fins de sanção ou veto por meio do Ofício nº 075/2023, da Secretaria Legislativa, protocolou-se mensagem de veto, encaminhada à Procuradoria Jurídica para análise técnica, com fundamento no art. 128 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:

A Procuradoria Jurídica, órgão consultivo previsto no art. 3º da LM nº 3.687/2018, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência e dos setores legislativos, pela emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas para a tomada de decisões, por meio de manifestações escritas e aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/2018 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, razão pela qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. MÉRITO:

A Constituição Federal de 1988 (CF/88) estabelece, em termos gerais, as normas aplicáveis ao processo legislativo, as quais, segundo o entendimento pacificado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), são de reprodução/repetição obrigatória pelos entes federados:

Agravo regimental no recurso extraordinário. Constitucional. Representação de inconstitucionalidade de lei municipal em face de Constituição Estadual. Processo legislativo. Normas de reprodução obrigatória. Criação de órgãos públicos. Competência do Chefe do Poder Executivo. Iniciativa parlamentar. Inconstitucionalidade formal. Precedentes. 1. A orientação deste Tribunal é de que as normas que regem o processo legislativo previstas na Constituição Federal são de reprodução obrigatória pelas Constituições dos Estados-membros, que a elas devem obediência, sob pena de incorrerem em vício insanável de inconstitucionalidade. [...] (RE 505476 AgR, Relator: Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 21/08/2012, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-176 DIVULG 05-09-2012 PUBLIC 06-09-2012).

O art. 66 da CF/88 disciplina o exercício do veto pelo Chefe do Poder Executivo nos seguintes termos:

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.

§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

§ 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 3º Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.

§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013)

§ 5º Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.

§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

§ 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.

Na Lei Orgânica do Município de Guaíba, à semelhança do previsto na CF/88, o art. 45 disciplina o exercício do veto pelo Prefeito da seguinte forma:

Art. 45. Se o Prefeito julgar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, poderá vetá-lo total ou parcialmente, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados da data do recebimento.

§ 1º O veto será sempre justificado e, quando parcial, abrangerá o texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 2º As razões aduzidas no veto serão apreciadas no prazo de 30 (trinta) dias, contados do seu recebimento, em única discussão e votação, somente podendo ser rejeitado pela maioria absoluta dos Vereadores.

§ 3º Esgotado, sem deliberação, o prazo previsto no parágrafo anterior, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas, até sua decisão final, as demais matérias.

§ 4º Se o veto for rejeitado, o projeto será enviado ao Prefeito, em 48 (quarenta e oito) horas, para promulgação.

§ 5º Se o Prefeito não promulgar a lei em 48 (quarenta e oito) horas, nos casos de sanção tácita ou rejeição do veto, o Presidente da Câmara a promulgará em igual prazo.

§ 6º Caberá ao Vice-Presidente a promulgação imediata da lei, na hipótese de não promulgação pelo Prefeito e pelo Presidente da Câmara. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Em síntese, os dispositivos afirmam a possibilidade de o Chefe do Poder Executivo vetar as proposições legislativas por inconstitucionalidade ou por razões de interesse público. Ou seja, na primeira hipótese, o veto se fundamenta em possível contrariedade à ordem constitucional e, na segunda, em inconveniência ao interesse público, pelo fato de a proposta não representar, efetivamente, as legítimas expectativas e interesses da coletividade.

Portanto, exsurgem da CF/88 os denominados vetos jurídico e político, o primeiro fundamentado em eventuais inconstitucionalidades formais ou materiais e o segundo em razões de interesse público.

Nesses termos, considerando o disposto no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/2018, que estabelece competir a esta Procuradoria Jurídica a orientação dos membros da Câmara Municipal apenas quanto aos aspectos jurídicos das proposições, limitar-se-á este parecer aos elementos jurídicos do exercício do poder de veto.

No caso em análise, independentemente das razões que fundamentam o veto do Chefe do Poder Executivo Municipal, verifica-se que houve inobservância do prazo para exercício da prerrogativa, pressuposto inafastável de sua regularidade. Isso porque, tanto na CF/88 quanto na LOM, está previsto que o veto – seja jurídico, seja político – deverá ser exercido no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contado do recebimento da proposição aprovada. Em outras palavras, para admitir-se a tramitação regimental do veto, necessário que tenha sido apresentado ao Poder Legislativo nos quinze dias úteis seguintes ao seu recebimento, sob pena de ser considerado tacitamente sancionado (§ 3º do art. 66 da CF/88).

Em relação ao Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2023, constata-se que houve o seu encaminhamento por meio do Ofício nº 075/2023, da Secretaria Legislativa, remetido aos e-mails [email protected] e [email protected] em 3/5/2023, às 16h18min, pela própria Secretaria Legislativa. O prazo de quinze dias úteis, assim, iniciou-se em 4/5/2023 e encerrou-se em 24/5/2023.

A mensagem de veto, entretanto, foi apresentada pelo Chefe do Poder Executivo em 25/5/2023, ainda que o OF. GAB. nº 550/2023 seja datado de 23/5/2023, já que a assinatura eletrônica do Prefeito foi lançada apenas às 11h11min24s de 25/5/2023, como se verifica da tramitação no sistema ECB Legis (Doc. ID 170980 no VTP 036/2023), a demonstrar, evidentemente, que o protocolo do veto ocorreu após o transcurso do prazo constitucional.

Dessa forma, houve o transcurso do prazo improrrogável do exercício do poder de veto ao Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2023, haja vista que a proposição foi recebida em 3/5/2023 e poderia ter sido vetada até 24/5/2023. Ainda que tenha transcorrido somente um dia entre o termo final e a apresentação do veto, isso já é suficiente para obstar sua tramitação regimental, pois a sanção tácita ocorre automaticamente após o prazo quinzenal de exercício do veto (art. 66, § 3º, da CF/88 – Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção).

Veja-se caso análogo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 893:

DIREITO CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. VETO PRESIDENCIAL EXTEMPORÂNEO. [...] 2. A controvérsia posta nos autos não é sequer a discussão de saber se o veto opera preclusão, e sim se é possível exercer tal poder após a expiração do prazo. A resposta parece ser claramente negativa. Precedentes: ADPFs 714, 715 e 718, Rel. Min. Gilmar Mendes. 3. No caso presente, o prazo para exercício da prerrogativa de vetar o projeto de lei de conversão se entendeu até 14.07.2021. Nessa data, o Presidente da República editou mensagem de veto e encaminhou o texto legal para publicação, sem manifestar a intenção de vetar o art. 8º do projeto de lei. Foi somente no dia seguinte, quando o prazo já havia expirado, que se providenciou a publicação de edição extra do diário oficial para a divulgação de novo texto legal com a aposição adicional de veto a dispositivo que havia sido sancionado anteriormente. 4. Ultrapassado o prazo de 15 (quinze) dias do art. 66, § 1º, da Constituição, o texto do projeto de lei é, necessariamente, sancionado (art. 66, § 3º), e o poder de veto não pode mais ser exercido. O fato de o veto extemporâneo ter sido mantido na forma do art. 66, § 4º, da Constituição não altera a conclusão pela sua inconstitucionalidade. O ato apreciado pelo Congresso Nacional nem sequer poderia ter sido praticado. [...] Tese de julgamento: “O poder de veto previsto no art. 66, § 1º, da Constituição não pode ser exercido após o decurso do prazo constitucional de 15 (quinze) dias” (Plenário. ADPF 893/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, redator do acórdão Min. Roberto Barroso, julgado em 20/6/2022)

Assim sendo, independentemente de qualquer enfrentamento das razões do veto ao Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2023, entende-se que o Chefe do Poder Executivo não exerceu tempestivamente a prerrogativa no prazo de quinze dias úteis, deixando-o transcorrer sem manifestação, o que provocou a sanção tácita da proposição.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pelo arquivamento, por despacho do Presidente da Câmara, do Veto ao Projeto de Lei do Legislativo nº 036/2023, independentemente de deliberação, visto ter sido protocolado no dia seguinte ao encerramento do prazo constitucional de quinze dias úteis do recebimento da proposição, já tendo ocorrido sua sanção tácita por força do art. 66, § 3º, da CF/88.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 26 de maio de 2023.

 

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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26/05/2023 20:38:01
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