PARECER JURÍDICO |
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"Dispõe sobre a instalação de detectores de metais em acessos ao prédio da Câmara de Vereadores de Guaíba" 1. Relatório:O Vereador Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Resolução nº 004/2023 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a instalação de detectores de metais em acessos ao prédio da Câmara de Vereadores de Guaíba. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 94 do Regimento Interno. 2. Mérito:A norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade. Solução análoga é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º), no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina caracteriza a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno como um instrumento do controle de constitucionalidade preventivo, desempenhado pelo Parlamento, por meio de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição legislativa tenha seu trâmite regimental. A devolução perfaz-se por despacho fundamentado da Presidência, com direito a recurso ao proponente. A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do art. 61, que prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente. Por ser norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de iniciativa comum ou iniciativa concorrente, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos federativos, com fundamento no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um poder sobre o outro. Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:
Dessas afirmações é possível extrair o entendimento de que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum; a iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12). Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III. Sobre a proposição em análise, à primeira vista aparenta ser de iniciativa privativa da Mesa Diretora da Câmara Municipal, porquanto trata da instalação de detectores de metais nos acessos ao edifício-sede do Poder Legislativo. Ocorre que, em relação a essa matéria, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de julgar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 878.911, com repercussão geral, declarando a constitucionalidade de obrigação similar, consistente na instalação de câmeras de monitoramento em escolas, reconhecendo que não havia restrição da iniciativa legislativa ao Chefe do Poder Executivo. Na situação, o Prefeito do Rio de Janeiro ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça Estadual para buscar a invalidação da Lei Municipal nº 5.616, de 16 de agosto de 2013, que tornava obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências de todas as escolas municipais. No âmbito do Tribunal de Justiça, o pedido foi julgado procedente, sendo declarada inconstitucional a lei municipal, com fundamento na existência de vício formal de iniciativa, pois estaria sendo usurpada a competência exclusiva do Chefe do Executivo para propor norma sobre o tema. Todavia, levada a problemática ao STF por meio de recurso extraordinário – já que as normas sobre iniciativas reservadas na Constituição Estadual são de reprodução obrigatória da Constituição Federal (STF, RE nº 650.898/RS) –, o relator, Min. Gilmar Mendes, afirmou que “O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo.” Prosseguindo no seu voto, o Min. Gilmar Mendes afirmou que “No caso em exame, a lei municipal que prevê obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública local nem trata do regime jurídico de servidores públicos”, motivo pelo qual não vislumbrou vício de inconstitucionalidade formal na legislação impugnada (Lei Municipal nº 5.616, de 16 de agosto de 2013). O julgador afirmou que “a proteção aos direitos da criança e do adolescente qualifica-se como direito fundamental de segunda dimensão que impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva destinado a todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro, nos termos do art. 227 da Constituição.” Por fim, no mérito do recurso extraordinário, votou pela procedência para reafirmar a jurisprudência do STF no sentido de que “não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal).” O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE nº 878.911), ao final, resultou na declaração de constitucionalidade da Lei Municipal nº 5.616/13, do Município do Rio de Janeiro, para tornar obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências e cercanias de todas as escolas públicas municipais. O entendimento, firmado em outubro de 2016 pelo STF, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF), ecoa por todos os tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC). Tanto que, posteriormente ao julgamento da questão no STF, várias foram as ocasiões em que o Poder Judiciário dos Estados-Membros declarou a constitucionalidade de leis com o mesmo objetivo, qual seja, o de instituir a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em estabelecimentos de ensino. Vejam-se os precedentes do TJRS:
Idêntica solução parece ser aplicável às proposições que versem sobre a obrigatoriedade de instalação de detectores de metais na sede do Poder Legislativo. Isso porque, além de estar justificada no princípio da proporcionalidade, a proposta tem o mesmo objetivo das normas que impõem o dever de instalação de câmeras de monitoramento: a proteção da vida e da segurança dos frequentadores de instituições públicas. Veja-se, nesse sentido, que o Tribunal de Justiça de SP já teve a oportunidade de enfrentar a específica matéria em análise, tendo declarado a constitucionalidade das leis municipais que impõem a instalação de detectores de metais em escolas públicas:
Portanto, diante dos fundamentos expostos, entende-se aplicável à proposta em análise a mesma solução dada pelo Supremo Tribunal Federal no ARE nº 878.911, que declarou a constitucionalidade de lei municipal instituidora do dever de instalação de câmeras de monitoramento em escolas públicas, considerando a similitude da obrigação e o idêntico propósito de sua instituição. Deve-se considerar, assim, que não há restrição à iniciativa legislativa para a instituição do dever de instalar detectores de metais no edifício-sede do Poder Legislativo, visto que, embora seja geradora de despesas, a obrigação não envolve a organização ou a estrutura dos órgãos do Poder Legislativo, nem trata de servidores públicos, afastando a regra dos arts. 51, IV, e 52, XIII, da CF/88, análogas ao art. 61, § 1º, da CF/88, também afastado nos casos supracitados de medidas de segurança nas instituições escolares. 3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do substitutivo ao Projeto de Resolução nº 004/2023, de iniciativa do Ver. Manoel Eletricista, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 16 de maio de 2023. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 16/05/2023 13:35:24 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 16/05/2023 ás 13:35:11. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação e4ba6eba75094b083ef62dcc455b9e37.
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