Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 055/2023
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 128/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Inclui a Seção IV ao Capítulo IV da Lei Municipal n.º 1.441, de 23 de dezembro de 1998 – Código Municipal de Saúde"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 055/2023 à Câmara Municipal, que inclui a Seção IV ao Capítulo IV da Lei Municipal nº 1.441, de 23 de dezembro de 1998 – Código Municipal de Saúde. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 94 do Regimento Interno.

2. Mérito:

A norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade ou ilegalidade. Solução análoga é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º), no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina caracteriza a norma inscrita no art. 94 do Regimento Interno como um instrumento do controle de constitucionalidade preventivo, desempenhado pelo Parlamento, por meio de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição legislativa tenha seu trâmite regimental. A devolução perfaz-se por despacho fundamentado da Presidência, com direito a recurso ao proponente.

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes leciona: "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria normativa se adéqua ao interesse local, pois, além de veicular tema de relevância municipal, não atrelado às competências privativas da União (art. 22 da CF/88), objetiva suplementar, no estrito âmbito local, a Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares, que define alternativas de tratamento já reconhecidas oficialmente e que se baseiam em conhecimentos tradicionais, visando à prevenção e à recuperação da saúde.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, neste caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura legislativa por iniciativa parlamentar sobre a matéria tratada, pois o projeto não dispõe sobre a criação de cargos ou funções, tampouco sobre a organização, a composição ou as atribuições dos órgãos vinculados ao Poder Executivo Municipal, tratando, na realidade, de política já reconhecida em âmbito nacional pelo Sistema Único de Saúde (Portaria nº 971/2006, do Ministério da Saúde, com alterações posteriores).

No aspecto da constitucionalidade material, não se identificam óbices de natureza jurídica, pois a proposição busca concretizar o direito fundamental à saúde (art. 6º da CF/88), cuja disciplina do art. 196 da CF/88 estabelece: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.” O art. 198 da CF/88, por sua vez, estabelece que os serviços de saúde se desenvolvem por meio de um sistema público organizado e mantido com recursos do Poder Público, nos seguintes termos:

Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;

II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;

III – participação da comunidade.

Percebe-se, assim, que o Projeto de Lei do Legislativo nº 055/2023 está em consonância com o regramento constitucional sobre o direito à saúde, consagrado no art. 6º como direito fundamental, cuja aplicabilidade é imediata (art. 5º, § 1º, da CF/88).

 Sobre a aplicabilidade imediata do artigo 6º da CF/88, veja-se:

APELAÇÃO. DIREITO À SAÚDE. AÇÃO PARA APLICAÇÃO DE MEDIDA PROTETIVA. INÉPCIA DA INICIAL. AFASTADA. LEGITIMIDADE PASSIVA. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PODER PÚBLICO. APLICAÇÃO IMEDIATA E INCONDICIONADA DE DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. I - Havendo pedido em harmonia com os requisitos do parágrafo único do art. 286 do CPC, não há falar em inépcia da inicial. II - O acesso às ações e serviços de saúde é universal e igualitário (CF - art. 196), do que deriva a responsabilidade solidária e linear dos entes federativos. A saúde, elevada à condição de direito social fundamental do homem, contido no art. 6º da CF, declarado por seus artigos 196 e seguintes, é de aplicação imediata e incondicionada, nos termos do parágrafo 1º do artigo 5º da C. Federal, que dá ao indivíduo a possibilidade de exigir compulsoriamente as prestações asseguradas. O artigo 196 da Constituição Federal não faz distinção entre os entes federados, de sorte que cada um e todos, indistintamente, são responsáveis pelas ações e serviços de saúde, sendo certo que a descentralização, mera técnica de gestão, não importa compartimentar sua prestação. Preliminar rejeitada. Apelo desprovido. Sentença confirmada em reexame necessário. Unânime. (Apelação Cível Nº 70051387074, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, j. em 19/12/2012).

Por fim, sublinha-se que a matéria disposta na proposição já está contemplada na Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares instituída pela Portaria nº 971/06, do Ministério da Saúde, com alterações posteriores, em que já estão incorporadas as 29 (vinte e nove) práticas constantes nos incisos do proposto art. 36-C do Código Municipal de Saúde, não consistindo, portanto, em novidade legislativa ou nova atribuição à Secretaria Municipal de Saúde, mas de suplementação das normativas federais já existentes.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 055/2023, por inexistirem vícios de natureza formal ou material que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Guaíba, 9 de maio de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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ICP-BrasilGUSTAVO DOBLER:02914216017
09/05/2023 13:45:36
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