Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 051/2023
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 119/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Autoriza o Município a criar o Fundo Municipal de Defesa Civil (FUMDEC) e dá outras providências"

1. Relatório:

O Ver. Manoel Eletricista apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 051/2023 à Câmara Municipal, visando autorizar o Município a criar o Fundo Municipal de Defesa Civil. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Preliminarmente, verifica-se que a norma inscrita no artigo 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido – e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer todo o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução é efetuada mediante despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Quanto ao conteúdo da matéria proposta, verifica-se que pretende instituir lei de natureza autorizativa para a criação do Fundo Municipal de Defesa Civil, cuja gestão caberá à Comissão de Defesa Civil do Município de Guaíba.

Apesar do mérito, a matéria invade de modo indevido a chamada reserva de administração, constante no art. 61, § 1º, da Constituição de 1988, substância central do princípio da separação de poderes inscrito no art. 2º da CF/88, por dispor acerca de fundo municipal a ser administrado por órgão vinculado ao Poder Executivo Municipal, sob a responsabilidade última do Prefeito de Guaíba.

O Projeto de Lei do Legislativo nº 051/2023, ora em análise, vai de encontro, ainda, ao disposto no art. 60, II, “d”, da Constituição Estadual, bem como afronta o previsto no art. 82, VII, do mesmo diploma:

Art. 60 – São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

[...]

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Art. 82 – Compete ao Governador, privativamente:

[...]

VII – dispor sobre a organização e o funcionamento da administração estadual;

Nessa perspectiva, Hely Lopes Meirelles leciona que não cabe ao Poder Legislativo, através de sua iniciativa legiferante, imiscuir-se em matéria tipicamente administrativa, em respeito ao princípio constitucional da separação dos poderes (art. 2º da CF/88 e art. 10 da Constituição do Estado do Rio Grande do Sul):

A atribuição típica e predominante da Câmara é a 'normativa', isto é, a de regular a administração do Município e a conduta dos munícipes, no que afeta aos interesses locais. A Câmara não administra o Município; estabelece, apenas, normas de administração. Não executa obras e serviços públicos; dispõe, unicamente, sobre a sua execução. Não compõe nem dirige o funcionalismo da Prefeitura; edita, tão somente, preceitos para sua organização e direção. Não arrecada nem aplica as rendas locais; apenas institui ou altera tributos e autoriza sua arrecadação e aplicação. Não governa o Município; mas regula e controla a atuação governamental do Executivo, personalizado no Prefeito. Eis aí a distinção marcante entre missão 'normativa' da Câmara e a função 'executiva' do Prefeito; o Legislativo delibera e atua com caráter regulatório, genérico e abstrato; o Executivo consubstancia os mandamentos da norma legislativa em atos específicos e concretos de administração. (...) A interferência de um Poder no outro é ilegítima, por atentatória da separação institucional de suas funções (CF, art. 2º). Por idêntica razão constitucional, a Câmara não pode delegar funções ao prefeito, nem receber delegações do Executivo. Suas atribuições são incomunicáveis, estanques, intransferíveis (CF, art. 2º). Assim como não cabe à Edilidade praticar atos do Executivo, não cabe a este substituí-la nas atividades que lhe são próprias. (...) Daí não ser permitido à Câmara intervir direta e concretamente nas atividades reservadas ao Executivo, que pedem provisões administrativas especiais manifestadas em 'ordens, proibições, concessões, permissões, nomeações, pagamentos, recebimentos, entendimentos verbais ou escritos com os interessados, contratos, realizações materiais da Administração e tudo o mais que se traduzir em atos ou medidas de execução governamental. ("Direito Municipal Brasileiro", Malheiros, 1993, p. 438/439).

A proposição trata, eminentemente, de disciplina tipicamente administrativa, que constitui atribuição político-administrativa do Prefeito, caracterizando inconstitucionalidade de natureza formal. Não cabe à lei de iniciativa parlamentar criar fundo municipal a ser gerido por órgão vinculado ao Poder Executivo, por tratar-se de matéria de competência privativa do Prefeito, na seara de sua discricionariedade. A proposta ainda se revela formalmente inconstitucional por afronta aos arts. 165, III, e 167, IX, da CF/88, na medida em que os fundos municipais constituem parcela do orçamento público municipal, cuja natureza é de lei de iniciativa reservada ao Chefe do Poder Executivo. Aliás, veja-se precedente da jurisprudência relativo ao caso em análise:

Ação Direta de Inconstitucionalidade – Lei do Município de Santa Barbara d’Oeste nº 3294, de 13 de junho de 2011, de iniciativa parlamentar, que dispôs sobre a criação de Fundo Municipal de Defesa Civil – Veto do prefeito rejeitado – Lei autorizativa que tem comando determinativo – Ato de organização do Município, de competência exclusiva do Prefeito – Ofensa ao princípio da separação de poderes - Instituição de fundos que depende de autorização legislativa (art. 176, IX, da CE) e que devem ser compreendidos na lei orçamentária anual (art. 174, § 4º, 1, da CE) de iniciativa legislativa do chefe do Poder Executivo – Violação aos arts. 5º, 25, 47, inciso II, 174, § 4º, 1, e 176, IX, da Constituição Estadual – Procedência da ação. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 0153008-17.2011.8.26.0000; Relator (a): David Haddad; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 14/12/2011; Data de Registro: 08/02/2012)

O PLL nº 051/2023 apresenta, com base nos mesmos fundamentos, vício de iniciativa frente à Lei Orgânica Municipal de Guaíba, que, em seu art. 119, reserva a competência exclusiva ao Chefe do Poder Executivo Municipal nos projetos de lei que tratem da organização administrativa, inclusive quanto à matéria orçamentária:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Assim, embora sejam admiráveis a justificativa e os termos da proposta, o Projeto de Lei do Legislativo nº 051/2023 contém vício de iniciativa, por dispor sobre fundo municipal cuja criação depende de proposição de iniciativa do Prefeito, nos termos dos arts. 61, § 1º, II, b; 165, III; e 167, IX, da CF/88; dos arts. 60, II, d; e 82, VII, da CE/RS e do art. 119, II, da LOM.

3. Conclusão:

Diante do exposto, com base nos fundamentos expostos, a Procuradoria orienta pela possibilidade de o Presidente, por meio de despacho fundamentado, devolver ao autor a proposição em epígrafe – PLL nº 051/2023, pela caracterização de inconstitucionalidade formal por vício de iniciativa (arts. 61, § 1º, II, b; 165, III; e 167, IX, da CF/88; arts. 60, II, d; e 82, VII, da CE/RS, bem como por violação ao art. 119, II, da Lei Orgânica Municipal.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 27 de abril de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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27/04/2023 13:14:45
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