Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 050/2023
PROPONENTE : Ver. Florindo Motorista
     
PARECER : Nº 118/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Permite a apresentação da carteira de identidade como meio de prova para atestar deficiência permanente física,mental, intelectual, auditiva ou visual, bem como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), perante os serviços públicos e para a concessão de benefícios que exijam comprovação de condições de saúde no Município de Guaíba"

1. Relatório:

O Ver. Florindo Motorista apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 050/2023 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a autorização de apresentação de carteira de identidade como meio de prova para atestar deficiência permanente física, mental, intelectual, auditiva ou visual, bem como o Transtorno do Espectro Autista (TEA), perante os serviços públicos e para a concessão de benefícios que exijam comprovação de condições de saúde no Município de Guaíba. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência da Câmara para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. O proponente apresentou substitutivo, que retornou à Procuradoria para análise.

2. Mérito:

O artigo 18 da CF/88, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A política que se pretende criar no Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local (art. 30, inciso I), porquanto se restringe ao estrito âmbito municipal, e reflete, ainda, o exercício da competência legislativa suplementar (art. 30, inciso II), pois disciplina, na esfera municipal, o exercício do direito já consolidado na legislação federal sobre a inclusão de informações sobre condições de saúde nas carteiras de identidade.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, menciona o art. 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, neste caso, que a proposta é de iniciativa legislativa concorrente, uma vez que não altera a estruturação dos órgãos públicos, nem as atividades administrativas, tampouco cria atribuições aos órgãos da Administração Pública.

Sobre o aspecto material da proposição, observa-se que busca dispor sobre a possibilidade de apresentação de carteira de identidade com dados sobre deficiência como meio de prova para atestar essas condições de saúde perante os serviços públicos, de modo a evitar a imposição de apresentação de laudos médicos atualizados para a concessão de direitos que defluem da legislação. Nesse sentido, a matéria legislada está regrada, em caráter geral, pelo Decreto nº 10.977, de 23 de fevereiro de 2022, do Governo Federal, que regulamenta a Lei nº 7.116, de 29 de agosto de 1983, para estabelecer os procedimentos e os requisitos de expedição de carteiras de identidade pelos órgãos de identificação dos Estados e do DF, estando nele previsto, em seu art. 14, § 2º, inciso III, que o titular poderá requerer a inclusão, na carteira de identidade, de informação acerca de “condições específicas de saúde cuja divulgação possa contribuir para preservar a sua saúde ou salvar a sua vida”.

Com base nessa regra, alguns Estados-Membros, entre os quais se inclui o Estado do Rio Grande do Sul, passaram a dispor sobre a inclusão, nas carteiras de identidade, de símbolos e informações de condições específicas de saúde dos titulares, a fim de facilitar-lhes o exercício de direitos previstos na legislação. De acordo com informação noticiada na internet pelo Governo Estadual, “Desde que o Rio Grande do Sul adotou o novo modelo de carteira de identidade, em março de 2019, cinco pequenos desenhos podem ser incluídos na carteira de identidade. São os que identificam as pessoas com deficiência física, auditiva, intelectual, visual e com espectro autista. Mais recentemente, em 2021, o símbolo em formato de laço foi incluído para identificar as pessoas portadoras do espectro autista.[1]

A medida instituída no Estado do Rio Grande do Sul busca, precisamente, facilitar o exercício de direitos por parte das pessoas com deficiência, pois, ao invés de apresentarem laudos médicos comprobatórios de sua condição de saúde – que, como já de praxe, precisam, na maioria das vezes, serem atualizados –, podem elas apresentar somente o documento de identidade que contenha os dados sobre a sua condição de saúde, até mesmo porque a deficiência, como prevê o art. 2º da Lei nº 13.146/2015, é um impedimento de longo prazo, que torna inconveniente e desnecessária a entrega de laudos médicos atualizados.

A proposta legislativa busca, na mesma direção, possibilitar a apresentação da carteira de identidade com essas informações como meio oficial de comprovação de deficiência perante os serviços públicos e para a obtenção de direitos previstos na legislação, o que, como já referido, tem natureza jurídica de norma suplementar que disciplina, na esfera estritamente local, sobre o exercício de faculdade constante na legislação federal, sem avançar ilegalmente na competência legislativa dos outros entes federados.

Portanto, a juízo sumário desta Procuradoria Jurídica, o Projeto de Lei do Legislativo (PLL) nº 050/2023 é juridicamente viável, pois a matéria está compreendida nas competências legislativas municipais, a iniciativa legislativa é concorrente e a proposição é compatível com o interesse local e com as demais normas existentes em âmbito federal e estadual.

[1] https://igp.rs.gov.br/simbolos-na-carteira-de-identidade-facilitam-vida-de-pessoas-com-deficiencia

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 050/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 27 de abril de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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27/04/2023 12:38:41
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