Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 046/2023
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 111/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Acrescenta o art. 26-B à Lei Municipal no 1.027/1990 - Código de Posturas, para tornar obrigatório o nivelamento de tampões, caixas de inspeção e tampas metálicas de telefonia, de energia elétrica e de esgoto cloacal, por parte das empresas por eles responsáveis"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 046/2023 à Câmara Municipal, que acrescenta o art. 26-B à Lei Municipal nº 1.027/1990 – Código de Posturas, para tornar obrigatório o nivelamento de tampões, caixas de inspeção e tampas metálicas de telefonia, de energia elétrica e de esgoto cloacal, por parte das empresas por eles responsáveis. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se faz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes leciona: "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)." (Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740). Assim, a matéria normativa se adéqua ao interesse local, pois, além de veicular tema de relevância municipal, não atrelado às competências privativas da União (art. 22 da CF/88), visa regular a polícia administrativa da estética urbana, especificamente sobre o nivelamento de tampões, caixas de inspeção e tampas metálicas de telefonia, de energia elétrica e de esgoto cloacal nos locais em que forem executadas obras de pavimentação, recapeamento, reconstrução, tapa-buracos ou qualquer serviço de manutenção em passeios e vias públicas.

Quanto à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, visto que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Além disso, a Constituição Estadual do RS, no artigo 13, inciso I, já estabelece um rol de competências deferidas aos Municípios, entre as quais está a de “exercer o poder de polícia administrativa nas matérias de interesse local, tais como proteção à saúde, aí incluídas a vigilância e a fiscalização sanitárias, e proteção ao meio-ambiente, ao sossego, à higiene e à funcionalidade, bem como dispor sobre as penalidades por infração às leis e regulamentos locais.”. A medida pretendida por meio do projeto de lei, na realidade, está inserida no âmbito das posturas municipais, cuja competência para definição é do Município, fundamentando-se no poder de polícia administrativa, nos termos do art. 78, caput, do CTN:

Considera-se poder de polícia atividade da administração pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.

Hely Lopes Meirelles afirma que “o poder de polícia é a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado.” (Direito administrativo brasileiro. 36. ed. São Paulo: Malheiros, 2010, p. 134). Trata-se de prerrogativa inerente ao Estado, que limita ou condiciona o exercício das liberdades individuais visando a atender ao interesse público, o que pode envolver, por exemplo, a qualidade e a funcionalidade dos passeios e vias.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 046/2023, por inexistirem vícios de natureza formal ou material que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 20 de abril de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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20/04/2023 10:41:53
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