Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 015/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 107/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dá nova redação aos incisos I, II, V e VIII do artigo 22; ao caput do artigo 23; ao caput e o parágrafo único do artigo 26; ao inciso I do artigo 39; ao § 3.º do artigo 163; ao § 2.º do artigo 164; ao inciso I do artigo 167; a alínea a do Inciso I do artigo 179; ao parágrafo único dos artigos 197 - 219 - 252; aos §1.º e § 3.º do artigo 251; ao § 5.º do artigo 263; e, ao caput dos artigos 51 - 60 - 170 - 191 -194 - 196 - 197 - 211 - 219 - 251. ACRESCENTA o parágrafo único ao artigo 22; os § 1.º e 2.º ao artigo 31; o inciso III ao artigo 51; os incisos I ao VI e § 1.º ao § 5.º do artigo 60; o § 3.º ao artigo 132; os incisos I ao III ao artigo 191; os §1.º e §2.º ao artigo 194; o §2.º ao artigo 197; o §2.º ao artigo 219; o § 6.º ao artigo 233; o §4.º ao artigo 251; os incisos IV e V e os § 1.º ao § 9.º ao artigo 255; o §5.º ao artigo 263; e, os incisos IV e V ao artigo 264. REVOGA os incisos I ao V do artigo 23; os artigos 40, 253 e os § 2.º dos artigos 21 e 263. ALTERA os Anexos 01, 02, 04, 12 e 15 da Lei no 2.146/2006 – Plano Diretor de Planejamento e Gestão Municipal de Guaíba."

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 015/2023 à Câmara Municipal, o qual “DÁ NOVA REDAÇÃO aos incisos I, II, V e VIII do artigo 22; ao caput do artigo 23; ao caput e o parágrafo único do artigo 26; ao inciso I do artigo 39; ao § 3.º do artigo 163; ao § 2.º do artigo 164; ao inciso I do artigo 167; a alínea a do Inciso I do artigo 179; ao parágrafo único dos artigos 197 - 219 - 252; aos §1.º e § 3.º do artigo 251; ao § 5.º do artigo 263; e, ao caput dos artigos 51 - 60 - 170 - 191 -194 - 196 - 197 - 211 - 219 - 251. ACRESCENTA o parágrafo único ao artigo 22; os § 1.º e 2.º ao artigo 31; o inciso III ao artigo 51; os incisos I ao VI e § 1.º ao § 5.º do artigo 60; o § 3.º ao artigo 132; os incisos I ao III ao artigo 191; os §1.º e §2.º ao artigo 194; o §2.º ao artigo 197; o §2.º ao artigo 219; o § 6.º ao artigo 233; o §4.º ao artigo 251; os incisos IV e V e os § 1.º ao § 9.º ao artigo 255; o §5.º ao artigo 263; e, os incisos IV e V ao artigo 264. REVOGA os incisos I ao V do artigo 23; os artigos 40, 253 e os § 2.º dos artigos 21 e 263. ALTERA os Anexos 01, 02, 04, 12 e 15 da Lei no 2.146/2006 – Plano Diretor de Planejamento e Gestão Municipal de Guaíba”. O projeto foi remetido a esta Procuradoria, para parecer jurídico, com fundamento no art. 105 do Regimento Interno. Em 05/04/2023, foi apresentado 2º Substitutivo pelo proponente.

2. Mérito:

Antes de tudo, recomenda-se que nas mensagens retificativas de encaminhamento de Emendas ou Substitutivos a propostas, o autor especifique as alterações pretendidas, não somente reproduzindo a mensagem da proposta original, para melhor compreensão dos parlamentares e das Comissões Permanentes.

Constata-se, preliminarmente, quanto à competência legislativa dos entes federados, que a matéria constante do 2º Substitutivo ao Projeto de Lei do Executivo nº 015/2023, encontra-se inserida no âmbito de matérias de interesse local, tendo a CF/88 instituído para os Municípios uma competência genérica para legislar sobre assunto de interesse local e suplementar a legislação estadual e federal no que couber, sendo algumas matérias não nitidamente explicitadas no texto constitucional, mas sempre necessária estrita observância à simetria com os ditames do texto constitucional e respeitado o princípio da separação de poderes (art. 2º da CF/88).

Efetivamente, a Constituição Federal de 1988 fortaleceu a autonomia dos municípios, no ensinamento de Celso Ribeiro Bastos, emprestando a estes entes quatro competências particularmente significativas:

  • Auto-organização, através da existência de Lei Orgânica Municipal;
  • Autogoverno, através da eleição de prefeito e vereadores;
  • Faculdade normativa, através da capacidade de editar leis locais próprias ou legislação suplementar às leis estaduais e federais;
  • Autoadministração ou autodeterminação, através da administração e prestação de serviços de interesse local.

Alexandre de Moraes traz lição lapidar quanto à competência municipal, considerando a primordial e essencial competência legislativa do município a possibilidade de auto-organizar-se através da edição de sua Lei Orgânica. As competências legislativas dos Municípios se evidenciam, ademais, pelo princípio da predominância do interesse local, o qual tem que ver com as peculiaridades e premências do ente em questão, configurando interesses específicos mais pontualmente atrelados às precisões particulares de cada município. O E. Min. Gilmar Ferreira Mendes trata do tema com particular ilustração:

As competências implícitas decorrem da cláusula do art. 30, I, da CF, que atribui aos Municípios ‘legislar sobre assuntos de interesse local’, significando interesse predominantemente municipal, já que não há fato local que não repercuta, de alguma forma, igualmente, sobre as demais esferas da Federação. Consideram-se de interesse local as atividades, e a respectiva regulação legislativa, pertinentes a transportes coletivos municipais, coleta de lixo, ordenação do solo urbano, fiscalização das condições de higiene de bares e restaurantes, entre outras.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Nesses termos, a alteração pretendida no Plano Diretor se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular tema de relevância para o Município, a proposta se refere ao planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, matéria para a qual o Município é competente, conforme fundamenta o art. 30, VIII, da CF/88.

No que diz respeito à iniciativa, também está adequada, porque não há qualquer dispositivo constitucional que restrinja o poder de iniciativa no que concerne aos projetos de lei sobre o plano diretor. Aplica-se, em razão disso, a regra geral prevista no artigo 61, caput, da CF/88, artigo 59, caput, da CE/RS e artigo 38, caput, da LOM, segundo os quais a iniciativa dos projetos de lei, salvo disposição contrária, cabe a qualquer membro do Legislativo, comissão permanente da Câmara Municipal, ao Prefeito e ao eleitorado.Veja-se a jurisprudência do o STF e do TJRS sobre a iniciativa concorrente quanto à matéria:

Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal, dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2. Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado. Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 218110, Relator(a): NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em 02/04/2002, DJ 17-05-2002 PP-00073 EMENT VOL-02069-02 PP-00380)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE CACHOEIRA DO SUL. ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR. INICIATIVA CONCORRENTE DO PODER EXECUTIVO E DO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAIS. EXIGÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO. ART. 177, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE DISCIPLINA CONSTITUCIONAL ACERCA DA FORMA DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE. AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA ANTES DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI QUE PROPORCIONOU RAZOÁVEL DISCUSSÃO DA MATÉRIA PELA POPULAÇÃO LOCAL. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70064357361, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em: 21-09-2015).

ADIN. CANOAS. LEI N. 4347, QUE ACRESCENTOU O PARÁGRAFO QUINTO AO ART. 14 DA LEI N. 1447/72, QUE DISPÕE SOBRE O PLANO DE DESENVOLVIMENTO UR-BANO. INICIATIVA DE LEI NÃO RESERVADA AO EXECUTIVO PELA CARTA ESTA-DUAL. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. A infringência de lei municipal, não a carta estadual, mas tão somente aos cânones da lei orgânica do município ou aos preceitos de outra lei ordinária municipal, não caracteriza hipótese de inconstitucionalidade, eis ausente afronta a disposição constitucional. ADIN julgada improcedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 599163367, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, Julgado em: 13-12-1999).

Na mesma linha de entendimento, a jurisprudência do TJSP:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 11.290, de 3 de janeiro de 2013, do Município de São José do Rio Preto, que permitiu a ampliação do potencial construtivo de imóveis localizados em pequena e específica região urbana ali definida. Inocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei deflagrado pelo Legislativo Municipal, haja vista que a norma editada não regula matéria estrita-mente administrativa, afeta ao Chefe do Poder Executivo, delimitada pelos artigos 24, §2°, 47, incisos XVII e XVIII, 166 e 174 da CE, aplicáveis ao ente municipal, por expressa imposição da norma contida no artigo 144 daquela mesma Carta. Previsão legal que apenas tratou de tema pertinente ao uso e ocupação do solo urbano, inserido, portanto, na competência legislativa comum dos poderes Legislativo e Executivo, razão pela qual poderia mesmo decorrer de proposta parlamentar. (…)” (TJSP, ADI 0125155-62.2013.8.26.0000, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. em 26.03.14, g.n.).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 115, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2016, DO MUNICÍPIO DE ITAPETININGA (…) NÃO CARACTERIZAÇÃO, ADEMAIS, DO VÍCIO DE INICIATIVA. MATÉRIA DE INICIATIVA CON-CORRENTE ENTRE O LEGISLATIVO E O EXECUTIVO. PRECEDENTES DO ÓRGÃO ESPECIAL NESSE SENTIDO (…) Não se observa, também, a afronta ao princípio da Separação de Poderes. Destaque-se, por imperioso, que a regra geral acerca da competência de iniciativa legislativa é a da competência concorrente, ou seja, tanto o Executivo, quanto o Legislativo, podem dar início aos projetos normativos. A competência privativa ou exclusiva, por sua vez, é a exceção e, como tal, deve ser tratada de forma restritiva. (…). Ademais, o artigo 47 da Constituição Estadual, ao tratar da competência privativa do Governador do Estado não traz em seu rol qualquer tópico relativo ao uso e a ocupação do solo. (…) É certo, assim, que a Câmara detém competência concorrente, para dispor acerca das regras gerais previstas no artigo 181, da Constituição Estadual (…). E essa é exatamente a hipótese dos autos, em que a Câmara Municipal, mediante projeto de iniciativa Parlamentar, tratou de questões afetas ao uso e ocupação do solo“ (TJSP, ADI 2255977-03.2016.8.26.0000, rel. Des. Amorim Cantuária, j. em 26.04.17, g.n.).

Na doutrina, Regina Maria Macedo Nery Ferrari (Direito Municipal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 237) afirma que “[...] o projeto de lei do plano diretor pode ser de iniciativa geral, isto é, não é de iniciativa privativa do Prefeito, podendo ser de autoria de qualquer membro ou comissão da Câmara, do Prefeito e até mesmo dos cidadãos, nos termos do inciso XII, do art. 29, da Constituição Federal”. Ademais, cabe recordar que o próprio Estatuto das Cidades é lei de iniciativa parlamentar (Projeto de Lei do Senado n.º 181, de 1989), de autoria do Senador Pompeu de Souza, com substitutivo do Senador Inácio Arruda, a demonstrar ser inconstitucional qualquer vedação genérica, ampla e abstrata à iniciativa do processo legislativo tão somente por tratar-se de matéria urbanística, a qual não consta no rol taxativo dos arts. 61, § 1.º da CF/88 e do art. 60, II, da CE/RS e, portanto, não está sob a ingerência exclusiva do Prefeito.

Quanto à matéria de fundo, o 2º Substitutivo ao Projeto de Lei do Executivo nº 015/2023 busca, sinteticamente, além das alterações já especificadas no parecer à proposta original (https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/portal/tramitacao.texto.php?id=156990&md5=32c75be45f1dc627a073eb52ae5e049e):

1 - Que nas vias projetadas em novos loteamentos que forem prolongamentos de corredores de comercio e serviço, o regime urbanístico aplicado, quando consolidada a implantação do empreendimento, deverá ser o mesmo da via prolongada;

2 - Que as áreas de uso comum voltadas para o lazer e atividades de uso comum, poderão ser construídas acima da altura máxima permitida pela zona, no limite de projeção de 60% do pavimento imediatamente abaixo, com acesso exclusivo por área de uso comum, quando o desnível existente exigir, por acesso por elevador, sem a possibilidade de permanência prolongada, até a altura máxima de 4,00m de pé direito dos compartimentos incluídos;

3 - Que as edificações, independentes de seu uso, até a altura de 12,00m, terão afastamentos laterais e de fundos dispensados, desde que, respeitadas as demais exigências de ventilação.

Salienta-se, contudo, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 177, § 5º, da Constituição Estadual[1] e no art. 40, § 4º, I, do Estatuto da Cidade[2].

Além disso, por tratar-se de projeto de lei complementar municipal, são exigidas a ampla divulgação e a realização de consulta pública para recebimento de sugestões da comunidade (art. 46, IV e § 1º, da LOM). Inclusive, o TJRS já declarou a inconstitucionalidade formal de leis municipais que, modificando o Plano Diretor, deixaram de oportunizar a participação popular:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 2.960/16, DO MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO, A QUAL ALTERA A REDAÇÃO DA LEI INSTITUIDORA DO PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DA OBRIGATÓRIA PARTICIPAÇÃO POPULAR PARA DISCUSSÃO ACERCA DO PLANO DIRETOR. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA. A lei municipal objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade padece de vício formal, pois alterou a lei instituidora do plano diretor de desenvolvimento urbano do Município sem observar o regular processo legislativo, que deve assegurar a participação popular na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, nos termos do preceito constante no art. 177, § 5º, da Constituição Estadual.[...] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70072802689, Tribunal Pleno, TJRS, Rel.: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julg. em: 11-12-2017)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 456/2006, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO NORTE, QUE INSTITUI O PLANO DIRETOR. EMENDA LEGISLATIVA Nº 005/2006, QUE ALTERA SUBSTANCIALMENTE A REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 38, QUE DISPÕE ACERCA DO ZONEAMENTO URBANO. DESRESPEITO, PELO LEGISLADOR NORTENSE, À NORMA QUE DETERMINA A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NO PLANEJAMENTO URBANO, EM TODAS AS FASES DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LEI. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO QUE AFETA UNICAMENTE O DISPOSITIVO LEGAL ALTERADO PELA EMENDA MODIFICATIVA. OFENSA AOS ARTIGOS 29, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 177, PARÁGRAFO 5º, DA CARTA POLÍTICA DO ESTADO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70022471999, Tribunal Pleno, TJRS, Rel.: Osvaldo Stefanello, Julg. em 02/06/2008)

Além disso, também é obrigatória a realização de estudos técnicos para a alteração do Plano Diretor, dado que o exercício da competência constitucional do art. 30, VIII, da CF/88 – promoção do adequado ordenamento territorial – pressupõe o planejamento das ações idealizadas, cujos impactos sobre a cidade devem ser previamente conhecidos e, na medida do possível, reduzidos ou compensados. O processo legislativo que busque modificar o Plano Diretor deve, portanto, incorporar a racionalidade e o planejamento como elementos condutores das decisões políticas, sob pena de inconstitucionalidade formal:

O uso do paralelismo para exigência de estudos técnicos já foi objeto de decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que diversas vezes usou esse princípio para declarar a inconstitucionalidade de leis municipais que tratavam de planejamento urbanístico e elaboradas sem estudos técnicos, conforme procedimento de criação previsto na Constituição Estadual (WWF; FGV DIREITO SP, 2020).

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal 11.810 de 09.10.18, dispondo sobre as regras específicas a serem observadas no projeto, no licenciamento, na execução, na manutenção e na utilização de contêineres como residências ou estabelecimentos comerciais de qualquer natureza. Vício de iniciativa. Inocorrência. Iniciativa legislativa comum. Recente orientação do Eg. Supremo Tribunal Federal. [...] Estudo prévio. Necessidade. Se no âmbito do Executivo esse planejamento ou prévios estudos se fazem necessários, de igual forma se justificam idênticas medidas para modificar a regra original. Precedentes. Procedente a ação. [ADIN 2276121-27.2018.8.26.0000, relator desembargador Evaristo dos Santos, j. em 08.05.2019]

CONSTITUCIONAL. URBANÍSTICO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.274/09 DO MUNICÍPIO DE MOGI DAS CRUZES. PROCESSO LEGISLATIVO. PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA. PROCEDÊNCIA. É inconstitucional lei municipal que altera a legislação de uso e ocupação do solo urbano sem assegurar a participação comunitária em seu processo legislativo, bem como o planejamento técnico (arts. 180, I, II e V, 181 e 191, CE). (ADI 0494816-60.2010.8.26.000, Rel. Des. JOSÉ REYNALDO, v.u., 14.09.2011).

Ainda, conforme o art. 310, inc. I, do Plano Diretor, compete ao Conselho Municipal do Plano Diretor “opinar sobre os projetos de Lei e de decretos necessários à atualização e complementação da Lei do Plano Diretor de Planejamento e Gestão Municipal, a Lei de Parcelamento do Solo e do Código de Obras”. Nesse sentido, compete às comissões permanentes diligenciarem para a obtenção dos pareceres a respeito da proposição, proporcionando a necessária participação popular das instâncias de controle social.

Por fim, destaca-se que o Ministério Público Estadual ingressou com ação civil pública em face do Município de Guaíba e da Câmara Municipal de Guaíba (Processo nº 5007073-48.2022.8.21.0052) buscando, entre outras medidas, que a) o Município de Guaíba interrompam qualquer alteração de parâmetros urbanísticos previstos no texto atual do Plano Diretor de Planejamento e Gestão do Município de Guaíba, até que o cronograma, diagnósticos e prognósticos sejam apresentados e devidamente analisados/discutidos com a comunidade local e demais representante da sociedade, mediante cronograma de audiências públicas setoriais e com a presença da sociedade civil, já qualificada pela gestão e que b) abstenha-se de realizar alterações pontuais e flexibilização de parâmetros urbanísticos que são matéria exclusiva da Política Pública de Desenvolvimento Urbano traduzido pela análise global do Plano Diretor, de forma a evitar seu fatiamento, devendo o referido Plano ser analisado de forma integral e não através de modificações por diversos textos legais. Embora tenha sido deferida a tutela de urgência pelo Juízo de primeiro grau, foi concedido efeito suspensivo em agravo de instrumento interposto pela Câmara Municipal de Guaíba no que tange ao item b) da decisão recorrida, sendo determinada apenas que “o Município de Guaíba: a) interrompa qualquer alteração de parâmetros urbanísticos previstos no texto atual do Plano Diretor de Planejamento e Gestão do Município de Guaíba, até que o cronograma, diagnósticos e prognósticos sejam apresentados e devidamente analisados/discutidos com a comunidade local e demais representante da sociedade, mediante cronograma de audiências públicas setoriais e com a presença da sociedade civil, já qualificada pela gestão...” até o julgamento definitivo do recurso e mantida a multa cominatória já fixada.[3]

Ou seja, no cenário processual atual, não há impedimento à apresentação novas propostas legislativas, dado ter sido concedido efeito suspensivo parcial à tutela de urgência deferida, cabendo ao proponente demonstrar que o cronograma, diagnósticos e prognósticos foram apresentados e devidamente analisados/discutidos com a comunidade local e demais representante da sociedade, mediante cronograma de audiências públicas setoriais e com a presença da sociedade civil, já qualificada pela gestão.

Assim, em termos gerais, o PLE nº 015/2023 é juridicamente viável, uma vez que a matéria está compreendida nas competências legislativas municipais, a iniciativa legislativa é concorrente e a proposição é compatível com o interesse local. Porém, devem ser garantidas a ampla divulgação e a realização de audiências, consultas e debates visando à participação popular na construção da política, bem como a apresentação de estudos técnicos que subsidiem a modificação tendo em consideração os possíveis impactos sobre a cidade. A necessária oitiva do Conselho Municipal do Plano Diretor (art. 310, I, da Lei nº 2.146/2006) ao que tudo indica já ocorreu nos termos das atas juntadas ao processo legislativo em 13/03/2023.

[1] Art. 177 [...]

§ 5º Os Municípios assegurarão a participação das entidades comunitárias legalmente constituídas na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, bem como na elaboração e implementação dos planos, programas e projetos que lhe sejam concernentes.

[2] Art. 40 [...]

§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

[3] Despacho no AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 5207170-75.2022.8.21.7000/RS, por LEONEL PIRES OHLWEILER, Desembargador Relator, em 26/10/2022: Nesse contexto, é pelo menos controversa a possibilidade de proceder a modificações ou alterações do Plano Diretor do Município de Guaíba de forma pontual, fracionada, mormente quando há relevante sinalização na inicial de que não foram observados os artigos 283, 284 e 290 do Plano Diretor do Município de Guaíba, tampouco as disposições do art. 177, §5º, da Constituição Estadual e do art. 40, §4º, I a III, da Lei Federal nº 10.257/21 (promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade; a publicidade quanto aos documentos e informações produzidos e o acesso de qualquer interessado aos documentos e informações produzidos - deveres impostos tanto ao Poder Executivo quanto ao Poder Legislativo), requisitos que aparentemente não foram observados também em relação às Leis Municipais n.º 4.040/2021, n.º 4.047/2021 e n.º 4.088/2021.

3. Conclusão:

 Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade do 2º Substitutivo ao Projeto de Lei do Executivo nº 015/2023, por inexistirem, até o presente momento, vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Ressalta-se, porém, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 177, § 5º, da CE/RS e no art. 40, § 4º, I, do Estatuto da Cidade. A mesma obrigação se extrai do § 1º do art. 46 da Lei Orgânica Municipal, porquanto a proposição tem natureza de lei complementar municipal. Logo, a completa viabilidade jurídica do projeto, sob o aspecto formal, está condicionada à ampla divulgação, à realização de consultas/audiências públicas para discussão da proposta e para o recebimento de sugestões da comunidade e à deliberação pelo Conselho Municipal do Plano Diretor (art. 310, inciso I, da Lei Municipal nº 2.146/2006). Registra-se que no dia 22/03/2022 foi realizada Audiência Pública no âmbito do Poder Legislativo Municipal, conforme documentação anexa aos autos.

Obrigatória, ainda, a apresentação de estudos técnicos que subsidiem as alterações tendo em conta os possíveis impactos sobre a cidade, pois as medidas públicas envolvendo matéria urbanística pressupõem o adequado planejamento, tal como se extrai do art. 30, VIII, da CF/88, sendo, portanto, requisito de constitucionalidade. Podem-se verificar nos autos os devidos estudos técnicos em relação à proposta original e ao 1º Substitutivo, sem poder-se constatar, entretanto, os estudos técnicos em relação às alterações pretendidas no 2º Substitutivo.

 

Recomenda-se a revisão do art. 31, caput, visto que traz redação incompatível com as previsões dos §§ 1º e 2º. É necessária a correção da redação do art. 197, § 1º. Correção da redação do § 1º do art. 219 (recomenda-se que exceções ou regras de transição sejam dispostas em Capítulo de Disposições Transitórias). A redação dos incisos IV e V do art. 255 deve se desdobrar em parágrafos, visto que os pretendidos incisos fazem referência ao atual inciso I do art. 255.

É o parecer.

Guaíba, 17 de abril de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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