Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 044/2023
PROPONENTE : Ver.ª Carla Vargas
     
PARECER : Nº 106/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 2.664, de 28 de outubro de 2010, que dispõe sobre a Política de Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Social do Município e dá outras providências."

1. Relatório:

A Vereadora Carla Vargas (PTB) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 044/2023, o qual “Altera a Lei Municipal nº 2.664, de 28 de outubro de 2010, que dispõe sobre a Política de Incentivo ao Desenvolvimento Econômico e Social do Município e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

Preliminarmente, a matéria de fundo insere-se na competência local, não havendo qualquer óbice à proposta. A proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da Constituição Federal de 1988, que garante a autonomia a este ente, bem como no artigo 30 da CF/88, que garante a autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios. O referido artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, dispõe que:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;  

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental;                (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

(...)

As medidas pretendidas por meio do Projeto de Lei do Legislativo nº 044/2023 se inserem, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular matéria de competência material do Município (art. 227 da CF/88), não atrelada às competências legislativas privativas da União (art. 22 da CF/88), a proposta estabelece alterações na Lei Municipal nº 2.664, de 28 de outubro de 2010, para o efeito de tornar obrigatória às empresas que busquem incentivos e benefícios do Município de Guaíba a prévia comprovação, pela pessoa jurídica interessada, da contratação de número equivalente a 5% dos trabalhadores existentes no estabelecimento, no mínimo, de mulheres em situação de violência doméstica..

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual, visto que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição do Rio Grande do Sul, conforme preveem o art. 125, § 2º, da CF/88 e o art. 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Refere o artigo 60 da CE/RS:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I - criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II - organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III - servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV - criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador(a) sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Quanto à matéria de fundo, também não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Legislativo nº 044/2023 é promover a proteção dos interesses profissionais das mulheres vítimas de violência, por meio da facilitação do acesso às vagas no mercado de trabalho, o que vem ao encontro das disposições constitucionais, sobretudo dos arts. 7º, XX, e 226, § 8º, da CF/88, que afirmam:

Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

...

XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei;

Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado.

...

§ 8º O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.

Outrossim, de acordo com a Lei Federal nº 11.340, de 2006, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. A violência pode ocorrer em três âmbitos: no lar da vítima, dentro de sua família ou em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação. São formas de violência doméstica e familiar contra a mulher, entre outras: a violência física, a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial, e a violência moral – entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

A Lei Maria da Penha – Lei Federal nº 11.340/2006, Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher e estabelece medidas de assistência e proteção, estabelecendo em seu art. 3º:

Art. 3º Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

  • 1º O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
  • 2º Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições necessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.

No ordenamento jurídico internacional, o Sistema Especial de Proteção dos Direitos da Mulher é composto por documentos internacionais destinados à proteção de novos direitos surgidos ou à proteção de determinados grupos de pessoas tidas como vulneráveis, sendo eles: A Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Contra a Mulher; a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, a chamada “Convenção de Belém do Pará”; a Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial da Mulher “Beijing”, que constituem alguns dos mais relevantes instrumentos voltados à proteção dos direitos humanos da mulher na ordem jurídica internacional (DIAS, 2007, p. 28).

Nesse sentido, a Nova Lei de Licitações - § 9º do art. 25 da Lei nº 14.133, de 1º de abril de 2021, prevê que os editais poderão, na forma disposta em regulamento, exigir que percentual mínimo da mão de obra responsável pela execução do objeto da contratação seja constituído por mulheres vítimas de violência doméstica.

Inclusive, corroborando a constitucionalidade da propositura legislativa em apreço, veja-se precedente jurisprudencial declarando a constitucionalidade de lei com o mesmo objetivo:

ÓRGÃO ESPECIAL. ADI. LEI QUE EXIGE CONTRAPARTIDA DE EMPRESAS PRIVADAS PARA QUE RECEBAM BENEFÍCIOS/INCENTIVOS DO MUNICÍPIO DE LAGOA SANTA. CONSTITUCIONALIDADE FORMAL E MATERIAL. INEXISTÊNCIA DE DISPOSITIVOS CONTRÁRIOS À CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, CUJO DISPOSITIVO DE PARAMETRICIDADE NÃO FOI NEM MESMO APONTADO PELO AUTOR. A Lei Municipal nº 3.461, de 10/10/2013, do Município de Lagoa Santa, é constitucional. No plano formal, apenas determina que as pessoas jurídicas que receberem incentivos/benefícios do Poder Público Municipal, de qualquer natureza, ficam obrigadas a preencher as vagas de emprego e serviços com o mínimo de 10% (dez por cento) de seu quadro de funcionários com jovens na faixa etária entre 18 (dezoito) anos a 24 (vinte e quatro) anos, residentes no município de Lagoa Santa, por no mínimo 2 (dois) anos, ainda que não possuam qualquer experiência, visando a inserção destes jovens no mercado de trabalho. Trata-se de mera contrapartida. Assim vista a questão, tem-se que a Constituição Estadual não estabelece que apenas o Executivo possa legislar acerca de normas estabelecendo medidas de compensação e/ou contrapartidas de empresas que recebam incentivos e benefícios do Poder Público Municipal (art. 66 E 90 da CEMG). De outro lado, a lei não cuida de empresas públicas, sociedades de economia mista ou entidades sob o controle do Estado, não sendo possível cogitar de que tenha havido violação ao princípio da separação dos poderes. No plano material, a norma não obriga a contratação ou preceitua qualquer sanção que afete o principio da livre iniciativa; visa obter contrapartida do particular que receba benefícios públicos, a fim de que a apropriação desses recursos pelo particular possa reverter e contribuir em prol do interesse público, com benefícios para a população de jovens, evitando, inclusive, o seu acesso a drogas lícitas ou ilícitas. No plano federal pode ser invocado como exemplo a subvenção econômica criada no contexto do Programa Nacional de Estímulo ao Primeiro Emprego para os Jovens (PNPE), da Lei nº 10.748, de 22/10/2003. Esta lei tem objeto similar ao da lei municipal, que é o de incentivar jovens do Município a conseguir o primeiro emprego através das empresas que recebem benefícios públicos. REPRESENTAÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (TJMG – Ação Direta Inconst 1.0000.13.091292-6/000, Relator(a): Des.(a) Antônio Carlos Cruvinel, ÓRGÃO ESPECIAL, julgamento em 02/09/2014, publicação da súmula em 26/09/2014)

3. Conclusão:

Diante dos fundamentos expostos, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das Comissões Permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta e pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 044/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário.

É o parecer.

Guaíba, 13 de abril de 2023.  

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

 

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13/04/2023 16:44:16
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