PARECER JURÍDICO |
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"Institui nas creches e escolas da rede pública de ensino de Guaíba o "Programa de Segurança Escolar" e dá outras providências" 1. Relatório:O Ver. Airton Elegância apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 040/2023 à Câmara Municipal, objetivando instituir, nas creches e escolas da rede pública de ensino do Município de Guaíba, o Programa de Segurança Escolar. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno. 2. Mérito:De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da CF/88, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo autonomia política, sob o ponto de vista jurídico, envolve o conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A política que se busca implementar no Município de Guaíba se insere na definição de interesse local, porquanto se restringe ao estrito âmbito do Município de Guaíba e diz respeito à garantia de condições de segurança escolar, dever este compreendido no art. 227 da CF/88, para o que o Município é competente, na forma do art. 23, inciso V, da CF/88. Além disso, no que concerne às competências legislativas, a CF/88 define o ensino e a educação como matérias de competência concorrente (art. 24, inciso IX), sobre as quais à União incumbe legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e aos Estados e ao Distrito Federal suplementá-las na medida de suas peculiaridades regionais (art. 24, § 2º). Ocorre que o art. 30, incisos I e II, da CF/88 é evidente ao assegurar aos Municípios a competência para legislar sobre os assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e a estadual. Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa apenas sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I). Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa suplementar complementar dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88, desde que para detalhá-las à sua realidade local, conferindo-lhes efetividade:
Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, embora as matérias de educação e ensino estejam presentes no art. 24 da CF/88 como competências legislativas concorrentes da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre esses temas, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais. A CF/88, com base na tripartição dos poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do seu art. 61, que estabelece: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Ou seja, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente. Por tratar-se de norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de “iniciativa comum” ou “iniciativa concorrente”, constituindo-se regra a ser observada em todos os âmbitos federativos, com base no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os Poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um poder sobre o outro. Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:
Dessas afirmações é possível extrair o seguinte entendimento: a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum. A iniciativa privativa, por ser norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12). Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III. Sobre a proposição em análise, à primeira vista aparenta realmente ser de iniciativa privativa do Prefeito de Guaíba, porquanto trata de política pública complexa, a qual envolve a instalação de câmeras de vigilância (art. 6º) e de detectores de metais (art. 5º) e a presença, durante todo o horário de funcionamento, de ao menos um agente de segurança profissional (art. 3º) nas instituições de ensino públicas municipais, que integram a estrutura orgânica do Poder Executivo Municipal. Ocorre que, em relação à matéria de segurança escolar, o Supremo Tribunal Federal já decidiu, no Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 878.911, com repercussão geral, pela constitucionalidade de lei municipal instituidora da obrigação de instalação de câmeras de monitoramento em escolas, o que, a juízo desta Procuradoria, afasta eventual conclusão por inconstitucionalidade manifesta da proposição. No referido precedente, o Prefeito do Rio de Janeiro ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça Estadual para buscar a invalidação da Lei Municipal nº 5.616, de 16 de agosto de 2013, que tornava obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências de todas as escolas municipais. No âmbito do Tribunal de Justiça, o pedido foi julgado procedente, sendo declarada inconstitucional a lei municipal, com fundamento na existência de vício formal de iniciativa, pois estaria sendo usurpada a competência exclusiva do Chefe do Executivo para propor norma sobre o tema. Todavia, levada a problemática ao STF por meio de recurso extraordinário – já que as normas sobre iniciativas reservadas na Constituição Estadual são de reprodução obrigatória da Constituição Federal (STF, RE nº 650.898/RS) –, o relator, Min. Gilmar Mendes, afirmou que “O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo.” Prosseguindo no seu voto, o Min. Gilmar Mendes afirmou que “No caso em exame, a lei municipal que prevê obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública local nem trata do regime jurídico de servidores públicos”, motivo pelo qual não vislumbrou vício de inconstitucionalidade formal na legislação impugnada (Lei Municipal nº 5.616, de 16 de agosto de 2013). O julgador afirmou que “a proteção aos direitos da criança e do adolescente qualifica-se como direito fundamental de segunda dimensão que impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva destinado a todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro, nos termos do art. 227 da Constituição.” Por fim, no mérito do recurso extraordinário, votou pela procedência para reafirmar a jurisprudência do STF no sentido de que “não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal).” O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE nº 878.911), ao final, resultou na declaração de constitucionalidade da Lei Municipal nº 5.616/13, do Município do Rio de Janeiro, para tornar obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências e cercanias de todas as escolas públicas municipais daquela cidade. O entendimento, firmado em outubro de 2016 pelo STF, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF), ecoa por todos os tribunais brasileiros, sobretudo porque exarado em julgamento de recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC). Tanto que, posteriormente ao julgamento da questão no STF, várias foram as ocasiões em que o Poder Judiciário dos Estados-Membros declarou a constitucionalidade de leis com o mesmo objetivo, qual seja, o de instituir a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em estabelecimentos de ensino. Vejam-se os precedentes do TJRS:
Idêntica solução parece ser aplicável à proposição em análise, que também versa sobre política pública de segurança escolar. Isso porque, além de estar justificada no princípio da proporcionalidade, sobretudo diante da série de atentados que frequentemente têm ocorrido em escolas, a proposição legislativa possui o mesmo objetivo das normas que impõem a instalação de câmeras de vigilância nas escolas: a proteção da vida, saúde e segurança de todos os que convivem em espaços escolares, o que tem sólido fundamento constitucional (arts. 5º, caput, 6º, 227, 230, entre outros). Além disso, a proposição se justifica no indiscutível aumento da ocorrência de atos de violência nas instituições de ensino, como se tem noticiado recorrentemente nas últimas semanas, com os ataques realizados em escolas e creches nas cidades de São Paulo e Blumenau, pelos próprios alunos ou por terceiros, entre outros episódios já conhecidos. O contexto sociológico contemporâneo tem mostrado o recrudescimento da violência escolar, a exigir a adoção de medidas de contenção e supervisão, como o monitoramento por câmeras de vídeo e por detectores de metais e a presença de vigilância profissional, medidas que, a juízo desta Procuradoria, são proporcionais frente ao interesse público secundário da Administração Pública, já validadas pelo Supremo Tribunal Federal no citado ARE nº 878.911. Veja-se, nesse sentido, que o Tribunal de Justiça de São Paulo já discutiu a constitucionalidade de política pública que impôs ao Município de Araras a instalação de detectores de metais em estabelecimentos de ensino, tendo destacado, no aspecto formal, que a matéria já foi consolidada pelo Supremo Tribunal Federal no Tema 917 – aqui referido – e, no aspecto material, tem-se, por efeito da norma, uma garantia de proteção integral das crianças e adolescentes, dever estabelecido no art. 227 da CF/88 e que se reflete em direito fundamental de segunda dimensão:
Portanto, observa-se que já existem precedentes jurisprudenciais que validam as proposições legislativas instituidoras do dever de instalação de câmeras de monitoramento e de detectores de metais em instituições de ensino, de forma que, embora não se identifique, até o momento, julgamento específico sobre a determinação de presença de vigilância profissional, deve ser adotado o mesmo entendimento, pois todas as determinações parecem estar abarcadas no emblemático julgamento do Supremo Tribunal Federal e convergem para idêntica finalidade: a proteção da vida, saúde, segurança e bem-estar da comunidade escolar e a garantia do direito fundamental à educação por uma relação ensino-aprendizagem adequada. 3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria Jurídica opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Legislativo nº 040/2023. Sugere-se, contudo, a retirada do trecho “além de sua interligação com o sistema central de monitoramento do Município”, por inexistir tal controle central em Guaíba. Destaca-se, por fim, que tramitam nesta Câmara Municipal os Projetos de Lei do Legislativo nº 032/2023 (Ver. Ale Alves), 036/2023 (Ver. Manoel Eletricista) e 042/2023 (Ver. Alex Medeiros), que tratam de matérias similares, o que não implica, por si só, o arquivamento desta proposição, mas possível tramitação conjunta para otimização da redação legislativa. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 13 de abril de 2023. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 13/04/2023 15:18:49 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 13/04/2023 ás 15:17:56. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 9221fcdb26dbbe359237580ca99b0770.
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