Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 042/2023
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 102/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal nº 3.693, de 09 de julho de 2018, para incluir a obrigação de instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas escolas privadas e cercanias"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 042/2023 à Câmara Municipal, objetivando alterar a Lei Municipal nº 3.693/2018, para incluir a obrigação de instalação de câmeras de monitoramento de segurança às escolas privadas e cercanias. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da CF/88, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As alterações que se buscam implementar na Lei Municipal nº 3.693, de 9 de julho de 2018, se inserem na definição de interesse local, porquanto se restringem ao estrito âmbito do Município de Guaíba e dizem respeito à garantia de condições de segurança escolar, dever este compreendido no art. 227 da CF/88, para o que o Município é competente, na forma do art. 23, inciso V, da CF/88.

Além disso, no que concerne às competências legislativas, a CF/88 define o ensino e a educação como matérias de competência concorrente (art. 24, inciso IX), sobre as quais à União incumbe legislar sobre normas gerais (art. 24, § 1º) e aos Estados e ao Distrito Federal suplementá-las na medida de suas peculiaridades regionais (art. 24, § 2º). Ocorre que o art. 30, incisos I e II, da CF/88 é evidente ao assegurar aos Municípios a competência para legislar sobre os assuntos de interesse local, bem como para suplementar, no que couber, a legislação federal e a estadual. Nesses termos, a interpretação adequada das regras constitucionais de distribuição de competências é a que veda aos Municípios a atividade legislativa apenas sobre matérias que esbarrem na competência privativa do art. 22 da CF/88, atribuída rigorosamente à União, nada impedindo, por outro lado, que legislem com base no interesse local sobre matérias de competência concorrente. Tanto é que, do contrário, não seria possível a formação dos típicos códigos sanitários municipais (“proteção e defesa da saúde” – art. 24, XII), códigos ambientais (“proteção do meio ambiente” – art. 24, VI), códigos tributários e leis de ordenamento territorial (“direito tributário” e “direito urbanístico” – art. 24, I).

Veja-se que, na jurisprudência, é acolhido o entendimento da competência legislativa suplementar complementar dos Municípios para legislarem sobre matérias versadas no art. 24 da CF/88, desde que para detalhá-las à sua realidade local, conferindo-lhes efetividade:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - LEI 10.432/12 DO MUNICÍPIO DE BELO HORIZONTE - PROIBIÇÃO DE VENDA DE CIGARROS AVULSOS - MATÉRIA DE INTERESSE LOCAL - COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR DO MUNICÍPIO - IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. - Embora a competência para legislar sobre produção e consumo seja concorrente entre a União e os Estados, assegura-se ao Município competência para suplementar a legislação federal e estadual no que couber e legislar sobre assuntos de interesse local, nos termos do artigo 30, da CF e artigos 10 e 169, da Constituição Estadual.- Inexiste inconstitucionalidade na Lei 10.432/12, do Município de Belo Horizonte, ao dispor sobre a proibição da venda de cigarros avulsos, por se tratar de questão afeta a direito do consumidor, de nítido interesse local, e por não haver conflito com a legislação federal. - Improcedência da representação. V.V. (TJ-MG - Ação Direta Inconst: 10000120699962000 MG, Relator: Heloisa Combat, Data de Julgamento: 10/04/2013, Órgão Especial / ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 17/05/2013)

DIREITO CONSTITUCIONAL. REPRESENTAÇÃO POR INCONSTITUCIONALIDADE. LEI 5.555/13 DO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA SUPLEMENTAR MUNICIPAL. ALCANCE. [...] 1. Decorre da competência legislativa municipal suplementar (CRFB, art. 30, II, e CERJ, art. 358, II) Município editar lei que suplemente, no que couber, atos legislativos da competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal, logo, daquela e do Estado do Rio de Janeiro, sobre responsabilidade por dano ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico e sobre previdência social, proteção e defesa da saúde (incisos VIII e XII dos arts. 24 e 74, respectivamente das Constituições da República e fluminense); precedentes do STF. 2. Basta interesse também local, não uma especificidade municipal, para que Município possa exercer competência legislativa suplementar; o descabimento só se configura quando a lei municipal dispõe mais do que a ordem normativa a ser por ela suplementada ou quando a lei do Município entra em conflito com o ordenamento constitucional e/ou infraconstitucional federal e/ou estadual. [...] 6. Representação que se julga improcedente. (TJ-RJ - ADI: 00527701420138190000 RJ 0052770-14.2013.8.19.0000, Relator: DES. FERNANDO FOCH DE LEMOS ARIGONY DA SILVA, Data de Julgamento: 05/05/2014, OE - SECRETARIA DO TRIBUNAL PLENO E ÓRGÃO ESPECIAL, Data de Publicação: 10/06/2014)

Portanto, consoante fundamentam as decisões acima transcritas, embora as matérias de educação e ensino estejam presentes no art. 24 da CF/88 como competências legislativas concorrentes da União, do Distrito Federal e dos Estados, os Municípios, no estrito interesse local, podem legislar sobre esses temas, atentando para não extrapolar o âmbito local e para não entrar em conflito com normas constitucionais ou infraconstitucionais.

No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que poderiam limitar o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS.

Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II – disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:

Art. 119 É competência exclusiva do Prefeito a iniciativa dos projetos de lei que disponham sobre:

I – criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

II – organização administrativa, matéria orçamentária e serviços públicos;

III – servidores públicos, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;

IV – criação e extinção de Secretarias e órgãos da administração pública. (Redação dada pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017)

Verifica-se, neste caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por iniciativa parlamentar sobre a matéria tratada, pois, com base nos fundamentos já expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva. Inclusive, em momento algum a proposição institui a instalação de câmeras de monitoramento em escolas públicas – tal obrigação já é constante na Lei Municipal nº 3.693/2018 –, limitando-se a determinar o mesmo dever às instituições privadas, sobre as quais não incide qualquer restrição à iniciativa parlamentar.

No aspecto da constitucionalidade material, é de se destacar que a proposição se justifica no indiscutível aumento da ocorrência de atos de violência nas instituições de ensino, como se tem noticiado recorrentemente nas últimas semanas, com os ataques ocorridos em escolas e creches nas cidades de São Paulo e Blumenau, pelos próprios alunos ou por terceiros, entre outros episódios já conhecidos. O contexto sociológico contemporâneo tem mostrado o recrudescimento da violência escolar, a exigir a adoção de medidas de contenção e supervisão, como o monitoramento dos ambientes por câmeras de vídeo, medida que, a juízo desta Procuradoria, é proporcional frente aos princípios reguladores da ordem econômica.

Os princípios constitucionais da livre iniciativa, da livre concorrência e do livre trabalho (arts. 1º, IV, 5º, XIII, e 170, caput e IV, da CF/88) comportam a prerrogativa de que qualquer indivíduo, atendidas as condições legais, pode exercer atividades empresariais como opção de vida. Trata-se de garantia ligada ao direito fundamental à liberdade, classificado como de primeira dimensão, a obrigar a adoção, por parte do Estado, de uma postura de inércia em relação ao indivíduo, que pode autodeterminar-se conforme a sua própria vontade. Em outras palavras, como regra, o Estado não deve intervir diretamente nas atividades econômicas do setor privado, limitando-se a um papel meramente indicativo (art. 174, caput, da CF/88).

Porém, como todo e qualquer princípio constitucional, não há absolutismos. Se, por um lado, o livre exercício do trabalho, como regra, não admite interferências estatais, por outro a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, de acordo com os ditames da justiça social, observados os princípios da defesa do consumidor e da redução das desigualdades regionais e sociais (art. 170, V e VII, da CF/88).

Tem-se, nesse sentido, um conflito entre princípios constitucionais, para o qual é incabível o juízo de subsunção das regras, porquanto os princípios possuem estrutura distinta, com um alto grau de generalidade. Enquanto as regras devem ser cumpridas à medida que se apliquem, ou não, à circunstância fática existente, os princípios são normas ordenadoras “de que algo se realize na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes” (ALEXY, p. 86-87, apud CUNHA JÚNIOR, 2012, p. 155).

Os princípios, portanto, são mandados de otimização, normas jurídicas com amplo grau de generalidade que, ao se chocarem, tornam necessário o exame das medidas viáveis à luz da proporcionalidade. Esta, por sua vez, se divide em três parâmetros a serem examinados pelo intérprete: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito. A adequação se faz presente quando a medida escolhida é idônea para atingir o objetivo; a necessidade exige que a medida adotada seja indispensável para alcançar a finalidade, não sendo substituível por outras menos gravosas; a proporcionalidade em sentido estrito, por fim, é a análise da preponderância dos ganhos potenciais da medida frente às possíveis perdas pela restrição de um princípio ou direito fundamental.

No caso em análise, a verificação da proporcionalidade da medida pretendida com o Projeto de Lei do Legislativo nº 042/2023 impõe, entre outros, os seguintes questionamentos: a criação de uma lei tornando obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento em escolas privadas é medida adequada para concretizar os direitos à segurança e à educação? A obrigação é medida necessária para garantir tais direitos, inexistindo providências outras, de menor onerosidade, que possam alcançar a mesma finalidade, com maior conciliação dos interesses constitucionais? Os benefícios que se esperam alcançar superam as perdas que serão impostas às instituições privadas?

A juízo sumário desta Procuradoria, compreende-se que a medida refletida na proposição é adequada, necessária e proporcional, porque é apta para obter melhores índices de segurança escolar, dados todos os benefícios do monitoramento, que foram, inclusive, apresentados na justificativa (fundamentalidade para o bem-estar dos alunos, para a tranquilidade dos pais e responsáveis e para o sucesso da relação ensino/aprendizagem; efeito psicológico intimidatório a possíveis criminosos; registro de provas e contribuições para investigações que se fizerem necessárias; segurança do patrimônio escolar; maior controle interno e externo dos ambientes). Além disso, o monitoramento por câmeras de vídeo é medida de excelente custo-benefício e que, potencialmente, preserva com maior efetividade o direito fundamental à integridade física e moral dos indivíduos frente a diferentes medidas mais drásticas, como a dos procedimentos rotineiros de revistas individuais que ocorrem em instituições em que a segurança é valor máximo. Por fim, considerando o cenário contemporâneo de frequentes ataques violentos aos estudantes e profissionais das instituições educacionais, a concretização dos direitos fundamentais à segurança e à educação (arts. 6º e 227 da CF/88), que reflete a obrigação pretendida, parece justificar, no caso, a restrição aos princípios da livre iniciativa, da livre concorrência e do livre trabalho, pois os ganhos em segurança escolar e qualidade da aprendizagem superam, valorativamente, as perdas financeiras às quais se sujeitarão as instituições privadas com a referida obrigação.

É importante, ainda, ressaltar que é pacífica na jurisprudência brasileira a possibilidade de que o Estado seja obrigado, por lei de iniciativa parlamentar, a realizar a instalação de câmeras de monitoramento em escolas públicas, o que, sob o ponto de vista do princípio constitucional da igualdade (art. 5º da CF/88), justifica que seja concedido idêntico tratamento aos estudantes e profissionais da rede privada, que têm sofrido dos mesmos riscos.

Relativamente ao emblemático julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre lei municipal instituidora do dever de instalação de câmeras em escolas públicas (ARE 878.911), argumentou o relator, Min. Gilmar Mendes, que “a proteção aos direitos da criança e do adolescente qualifica-se como direito fundamental de segunda dimensão que impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva destinado a todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro, nos termos do art. 227 da Constituição.” No mérito do recurso extraordinário, votou pela procedência para reafirmar a jurisprudência do STF no sentido de que “não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal).

Decidiu-se, dessa forma, por reconhecer a constitucionalidade da Lei Municipal nº 5.616/13, do Município do Rio de Janeiro, para tornar obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências e cercanias de todas as escolas públicas municipais daquela cidade. O entendimento, firmado em outubro de 2016 pelo STF, órgão responsável pela guarda da Constituição (art. 102, caput, da CF/88), ecoa por todos os tribunais brasileiros, sobretudo porque manifestado em recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, do Código de Processo Civil).

Tanto que, posteriormente ao julgamento da questão no STF, várias foram as ocasiões em que o Poder Judiciário dos Estados-Membros declarou a constitucionalidade de leis com o mesmo objetivo, qual seja, o de instituir a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em estabelecimentos de ensino. Vejam-se os precedentes do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE VACARIA. LEI MUNICIPAL Nº 4.508/2019. CÂMERAS DE MONITORAMENTO DE SEGURANÇA NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. VÍCIO DE INICIATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO VERIFICADA. DESPESA NÃO PREVISTA EM LEI ORÇAMENTÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL NÃO VERIFICADA. 1. Lei nº 4.508/2019 do Município de Vacaria, de origem parlamentar, que dispõe sobre a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas escolas públicas municipais e cercanias. 2. Inexistência de interferência na política educacional do Município ou de invasão na forma de organização, gestão e atribuições da Secretaria de Educação ou de qualquer outro órgão do Executivo Municipal. Não constatada ingerência no regime jurídico dos agentes públicos da municipalidade. Proteção do interesse local atinente à segurança do corpo docente e discente. Preservação do patrimônio público municipal. Inexiste violação da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo ou da autonomia da Administração Municipal. Vício formal orgânico não verificado. 3. Precedente do STF. Tema 917. “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos”. 4. A falta de dotação ou previsão orçamentária tão somente impede a implementação da ação, programa ou projeto previsto na lei, mas não a torna inconstitucional. Precedentes do STF. Inconstitucionalidade material não verificada. 5. Inexistência de afronta aos arts. 8º, caput, 10, 60, II, “d”, 82, II, III e VII, 149, e 154, I e II, da CE/89. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70083337097, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em: 22-05-2020)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE PELOTAS. LEI MUNICIPAL Nº 6.704/2019. INSTALAÇÃO DE CÂMERAS DE SEGURANÇA NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL. PROJETO DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO. VÍCIO FORMAL NÃO CONFIGURADO. POSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE DESPESAS. PRECEDENTES. - A Lei Municipal nº 6.704/2019, de origem parlamentar, trata da obrigatoriedade de instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas escolas públicas municipais. - Caso em que o diploma municipal não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Municipal, nem trata do regime jurídico de servidores públicos, de modo que inexiste vício de iniciativa. - Embora a lei municipal crie despesas para a Administração, uma vez que não trata das matérias elencadas no art. 61, §1º, inciso II, alíneas “a”, “c” e “e”, da Constituição Federal, e, por simetria, previstas no art. 60, inciso II, alíneas “a”, “b” e “d”, da Carta Estadual, não se verifica usurpação da competência reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tema de Repercussão Geral nº 917 (ARE nº 878.911/RJ). - Ausência de dotação orçamentária prévia que não é capaz de tornar inconstitucional a norma, apenas impedindo sua aplicação no exercício financeiro em que foi promulgada. Precedentes. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70083099556, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em: 30-04-2020)

Idêntica solução parece ser aplicável à proposição em análise, sobretudo porque visa ao cumprimento de idêntica obrigação, agora pelas instituições privadas de ensino locais. Isso porque, como já dito, além de estar justificada no princípio da proporcionalidade, especialmente diante da série de atentados que frequentemente têm ocorrido em escolas, tem o projeto unicamente a finalidade de estender a mesma proteção aos alunos e profissionais da rede privada, para a garantia de valores fundamentais, como a vida, a saúde e a segurança de todos os que convivem em espaços escolares, o que possui sólido fundamento na Constituição Federal (arts. 5º, caput, 6º, 227, 230, entre outros).

Veja-se, nesse sentido, que o Tribunal de Justiça de SP já teve a oportunidade de enfrentar matéria similar, de medida mais gravosa imposta às escolas públicas, consistente na instalação de detectores de metais, declarando a constitucionalidade da política pública instituída no Município de Araras:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 5.352/2020, do Município de Araras, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a instalação de detectores de metais em estabelecimentos de ensino e dá outras providências – Matéria que não se encontra especificamente no rol de competência privativa do Poder Executivo – Norma que não ingressa na estrutura ou atribuição dos órgãos da Administração Pública e nem no regime jurídico dos servidores – Ausência de interferência na gestão administrativa – Inviabilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade – Tema de repercussão geral estabelecido pelo STF (Tema 917) – Proteção integral de crianças e adolescentes que é direito fundamental de segunda geração, impondo prestação positiva de todos os entes políticos – Precedentes Órgão Especial – Inconstitucionalidade não configurada – Ação improcedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2171286-80.2021.8.26.0000; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 26/01/2022; Data de Registro: 04/02/2022)

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 042/2023, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário. Destaca-se, por fim, que tramitam nesta Câmara Municipal os Projetos de Lei do Legislativo nº 032/2023 (Ver. Ale Alves), 036/2023 (Ver. Manoel Eletricista) e 040/2023 (Ver. Airton Elegância), que tratam de matéria similar, o que não implica, por si só, o arquivamento desta proposição, mas possível tramitação conjunta para otimização da redação legislativa.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 13 de abril de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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13/04/2023 10:22:45
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