Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Executivo n.º 021/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 097/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Cria o Centro Educacional Integrado de Atendimento ao Autista de Guaíba. "

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 021/2023 à Câmara Municipal, o qual “Cria o Centro Educacional Integrado de Atendimento ao Autista de Guaíba”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

A medida que se pretende instituir se insere na definição de interesse local, pois diz respeito ao estrito âmbito do Município de Guaíba, além de referir-se ao objetivo constitucional de promover o bem de todos (art. 3º, IV, da CF/88).

Com efeito, a propositura legislativa em análise possui sólido fundamento em nossa Constituição Federal, pois, em última análise, tutela a dignidade da pessoa humana, a promoção do bem comum e a solidariedade, valores retratados como fundamentos e objetivos da República Federativa do Brasil:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...)

III - a dignidade da pessoa humana;

Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; (...)

IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

Quanto à matéria de fundo, não há qualquer óbice à proposta. Convém lembrar que o objetivo primordial do Projeto de Lei do Executivo nº 021/2023 é a instituição do Centro Educacional Integrado de Atendimento ao Autista, o que encontra amparo na Lei Federal nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, a qual “Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista”, nas convenções internacionais de direitos humanos e nas demais normas que preveem a proteção e integração social das pessoas com deficiência.

Importante revelar, ainda, o disposto no artigo 2º da Lei Federal nº 12.764/2012, que dispõe, em linhas gerais, sobre as diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

Art. 2º São diretrizes da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista:

I - a intersetorialidade no desenvolvimento das ações e das políticas e no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista;

II - a participação da comunidade na formulação de políticas públicas voltadas para as pessoas com transtorno do espectro autista e o controle social da sua implantação, acompanhamento e avaliação;

III - a atenção integral às necessidades de saúde da pessoa com transtorno do espectro autista, objetivando o diagnóstico precoce, o atendimento multiprofissional e o acesso a medicamentos e nutrientes;

...

VII - o incentivo à formação e à capacitação de profissionais especializados no atendimento à pessoa com transtorno do espectro autista, bem como a pais e responsáveis;

O Decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma convencional que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4.1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção”.

No âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.

Em específico no caso do autismo, a Lei Federal nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, estabeleceu diversos direitos, nos seguintes termos:

Art. 3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I - a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

II - a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

III - o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;

IV - o acesso:

a) à educação e ao ensino profissionalizante;

b) à moradia, inclusive à residência protegida;

c) ao mercado de trabalho;

d) à previdência social e à assistência social.

Portanto, sob o ponto de vista da competência e do conteúdo material, não há óbices à tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 021/2023.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, na medida em que o Projeto de Lei do Executivo nº 021/2023 propõe a criação de um programa de proteção às pessoas com TEA, tratando-se eminentemente de política com considerável repercussão financeira e administrativa, para o que se considera haver iniciativa privativa do Chefe do Executivo devido à reserva de administração baseada na cláusula da separação de poderes (art. 2º da CF/88 e art. 5º da CE/RS).

Por fim, por se tratar de um programa de duração continuada, é necessário que exista a devida previsão nas leis que tratam do Plano Plurianual, das Diretrizes Orçamentárias e do Orçamento Anual, conforme disposto na Lei Orgânica em seu art. 106.[1] Verifica-se que o Centro pretendido foi previsto no PPA e na LDO, mas não há previsão na Lei Orçamentária Anual, havendo a necessidade de que o Poder Executivo Municipal encaminhe ao Poder Legislativo proposta abrindo o devido crédito adicional com a previsão orçamentária, nos termos do inciso II do art. 167 da Constituição Federal.

Quanto à previsão de gratificação de classe especial, tal vantagem temporária já foi prevista na Lei Municipal nº 2.734/2011, art. 65, a qual “REESTRUTURA O PLANO DE CARREIRA E DE REMUNERAÇÃO DO MAGISTÉRIO PÚBLICO DO MUNICÍPIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS”.

Nos termos do art. 8º, III, da Lei Municipal nº 2.349/2008, recomenda-se que seja anexada aos autos a manifestação do Conselho Municipal de Educação acerca da criação do Centro Educacional Integrado de Atendimento ao Autista de Guaíba:

Art. 8º Compete ao Conselho Municipal de Educação de Guaíba (CMEG):

...

III - se pronunciar, previamente, sobre a criação de estabelecimentos que integrem o Sistema Municipal de Educação;

[1] Art. 106 Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão:

I - o plano plurianual;

II - as diretrizes orçamentárias;

III - os orçamentos anuais.

§ 1º A lei que instituir o plano plurianual estabelecerá as diretrizes, objetivos e metas da Administração Pública municipal para as despesas de capital e outras delas decorrentes e para as relativas aos programas de duração continuada.

§ 2º A lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da Administração Pública municipal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual e disporá sobre as alterações na legislação tributária.

...

§ 4º Os planos e programas municipais previstos nesta Lei Orgânica serão elaborados em consonância com o plano plurianual e apreciados pelo Poder Legislativo.

§ 5º A lei orçamentária anual compreenderá:

I - orçamento fiscal referente aos Poderes do Município, seus fundos, órgãos e entidades da administração direta e indireta, inclusive fundações instituídas e mantidas pelo Poder Público;

II - o orçamento de investimento das empresas em que o Município detenha, direta ou indiretamente, a maioria do capital social, com direito a voto;

III - o orçamento de seguridade social.

...

§ 7º Os orçamentos anuais e as leis de diretrizes orçamentárias, compatibilizados com o plano plurianual, terão entre suas funções a de reduzir desigualdades no município, segundo critério populacional.

3. Conclusão:

  

Diante do exposto, a Procuradoria Jurídica opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 021/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, observada a necessidade de juntada da manifestação do CMEG e de que a implementação do referido programa seja incluída na peça orçamentária - Lei Orçamentária Anual, na forma como dispõem o art. 106 da Lei Orgânica Municipal e o art. 167, II, da Constituição Federal.

É necessária a correção gramatical da Ementa, suprimindo a preposição “de”.

É o parecer.

Guaíba, 11 de abril de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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11/04/2023 16:56:18
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