Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 032/2023
PROPONENTE : Ver. Ale Alves
     
PARECER : Nº 090/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a instalação de detectores de metais em estabelecimentos de ensino da rede pública, no Município de Guaíba e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Ale Alves apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 032/23 à Câmara Municipal, objetivando dispor sobre a instalação de detectores de metais em estabelecimentos de ensino da rede pública no Município de Guaíba. A proposição foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

A Constituição Federal de 1988, com base na tripartição dos Poderes, disciplina a iniciativa parlamentar a partir do seu artigo 61, o qual prevê: “A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.” Assim, embora a função legislativa tenha sido entregue ao Poder Legislativo, a Constituição Brasileira conferiu o poder de iniciativa a autoridades do Executivo, do Judiciário, do MP e, inclusive, aos cidadãos diretamente.

Por ser uma norma genérica que atribui, indistintamente, o poder de iniciativa para a deflagração do processo legislativo a várias autoridades, a doutrina a nomeia de “iniciativa comum” ou “iniciativa concorrente”, constituindo-se como regra a ser observada em todos os âmbitos da Federação, com base no princípio da simetria. O § 1º do artigo 61, por sua vez, apresenta os casos em que o poder de iniciativa é privativo do Chefe do Executivo, para que se mantenha a harmonia e a independência entre os Poderes. Ou seja, o objetivo real da restrição imposta no § 1º é a segurança do sistema de tripartição dos poderes constitucionais, de modo a que não haja interferências indevidas de um Poder sobre o outro.

Dispõe o mencionado artigo 61, § 1º, da CF/88:

Art. 61. A iniciativa das leis complementares e ordinárias cabe a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional, ao Presidente da República, ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores, ao Procurador-Geral da República e aos cidadãos, na forma e nos casos previstos nesta Constituição.

§ 1º São de iniciativa privativa do Presidente da República as leis que:

I – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;

II – disponham sobre:

a) criação de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta e autárquica ou aumento de sua remuneração;

b) organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;

c) servidores públicos da União e Territórios, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria;(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

d) organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, bem como normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios;

e) criação e extinção de Ministérios e órgãos da administração pública, observadoo disposto no art. 84, VI; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)

f) militares das Forças Armadas, seu regime jurídico, provimento de cargos, promoções, estabilidade, remuneração, reforma e transferência para a reserva.(Incluída pela Emenda Constitucional nº 18, de 1998)

Dessas afirmações é possível extrair o seguinte entendimento: a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum. A iniciativa privativa, por ser uma norma de natureza restritiva, é exceção, sendo “válida, nesse ponto, a lição da hermenêutica clássica, segundo a qual as exceções devem ser interpretadas de forma restritiva.” (CAVALCANTE FILHO, 2013, p. 12).

Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: artigos 93, caput; 96, I e II; 127, § 2º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1º; 165, I a III.

Sobre a proposição em análise, à primeira vista aparenta realmente ser de iniciativa privativa do Prefeito de Guaíba, porquanto trata da instalação de detectores de metais em estabelecimentos de ensino da rede pública do Município de Guaíba, que fazem parte da estrutura orgânica do Poder Executivo Municipal. Ocorre que, em relação a essa matéria, o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de julgar o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) nº 878.911, com repercussão geral, declarando a constitucionalidade de obrigação similar, consistente na instalação de câmeras de monitoramento em escolas.

Na situação, o Prefeito do Rio de Janeiro ajuizou ação direta de inconstitucionalidade no Tribunal de Justiça Estadual para buscar a invalidação da Lei Municipal nº 5.616, de 16 de agosto de 2013, que tornava obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências de todas as escolas municipais. No âmbito do Tribunal de Justiça, o pedido foi julgado procedente, sendo declarada inconstitucional a lei municipal, com fundamento na existência de vício formal de iniciativa, pois estaria sendo usurpada a competência exclusiva do Chefe do Executivo para propor norma sobre o tema.

Todavia, levada a problemática ao STF por meio de recurso extraordinário – já que as normas sobre iniciativas reservadas na Constituição Estadual são de reprodução obrigatória da Constituição Federal (STF, RE nº 650.898/RS) –, o relator, Min. Gilmar Mendes, afirmou que “O Supremo Tribunal Federal firmou o entendimento no sentido de que as hipóteses de limitação da iniciativa parlamentar estão taxativamente previstas no art. 61 da Constituição, que trata da reserva de iniciativa de lei do Chefe do Poder Executivo. Não se permite, assim, interpretação ampliativa do citado dispositivo constitucional, para abarcar matérias além daquelas relativas ao funcionamento e estruturação da Administração Pública, mais especificamente, a servidores e órgãos do Poder Executivo.”

Prosseguindo no seu voto, o Min. Gilmar Mendes afirmou que “No caso em exame, a lei municipal que prevê obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em escolas públicas municipais e cercanias não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Pública local nem trata do regime jurídico de servidores públicos”, motivo pelo qual não vislumbrou vício de inconstitucionalidade formal na legislação impugnada (Lei Municipal nº 5.616, de 16 de agosto de 2013).

O julgador afirmou que “a proteção aos direitos da criança e do adolescente qualifica-se como direito fundamental de segunda dimensão que impõe ao Poder Público a satisfação de um dever de prestação positiva destinado a todos os entes políticos que compõem a organização federativa do Estado brasileiro, nos termos do art. 227 da Constituição.” Por fim, no mérito do recurso extraordinário, votou pela procedência para reafirmar a jurisprudência do STF no sentido de que “não usurpa a competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração Pública, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos (art. 61, § 1º, II, ‘a’, ‘c’ e ‘e’, da Constituição Federal).”

O Recurso Extraordinário com Agravo (ARE nº 878.911), ao final, resultou na declaração de constitucionalidade da Lei Municipal nº 5.616/13, do Município do Rio de Janeiro, para tornar obrigatória a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas dependências e cercanias de todas as escolas públicas municipais. O entendimento, firmado em outubro de 2016 pelo STF, órgão responsável pela guarda da Constituição (artigo 102, caput, CF), ecoa por todos os tribunais brasileiros, especialmente porque manifestado em julgamento de recurso constitucional extraordinário, com o reconhecimento da repercussão geral (existência de questão relevante do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico que ultrapassa os interesses subjetivos do processo – artigo 1.035, § 1º, NCPC).

Tanto que, posteriormente ao julgamento da questão no STF, várias foram as ocasiões em que o Poder Judiciário dos Estados-Membros declarou a constitucionalidade de leis com o mesmo objetivo, qual seja, o de instituir a obrigatoriedade de instalação de câmeras de segurança em estabelecimentos de ensino. Vejam-se os precedentes do TJRS:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE VACARIA. LEI MUNICIPAL Nº 4.508/2019. CÂMERAS DE MONITORAMENTO DE SEGURANÇA NAS ESCOLAS PÚBLICAS MUNICIPAIS. VÍCIO DE INICIATIVA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL NÃO VERIFICADA. DESPESA NÃO PREVISTA EM LEI ORÇAMENTÁRIA. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL NÃO VERIFICADA. 1. Lei nº 4.508/2019 do Município de Vacaria, de origem parlamentar, que dispõe sobre a instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas escolas públicas municipais e cercanias. 2. Inexistência de interferência na política educacional do Município ou de invasão na forma de organização, gestão e atribuições da Secretaria de Educação ou de qualquer outro órgão do Executivo Municipal. Não constatada ingerência no regime jurídico dos agentes públicos da municipalidade. Proteção do interesse local atinente à segurança do corpo docente e discente. Preservação do patrimônio público municipal. Inexiste violação da iniciativa legislativa reservada ao Chefe do Executivo ou da autonomia da Administração Municipal. Vício formal orgânico não verificado. 3. Precedente do STF. Tema 917. “Não usurpa competência privativa do Chefe do Poder Executivo lei que, embora crie despesa para a Administração, não trata da sua estrutura ou da atribuição de seus órgãos nem do regime jurídico de servidores públicos”. 4. A falta de dotação ou previsão orçamentária tão somente impede a implementação da ação, programa ou projeto previsto na lei, mas não a torna inconstitucional. Precedentes do STF. Inconstitucionalidade material não verificada. 5. Inexistência de afronta aos arts. 8º, caput, 10, 60, II, “d”, 82, II, III e VII, 149, e 154, I e II, da CE/89. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70083337097, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Eduardo Uhlein, Julgado em: 22-05-2020)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE PELOTAS. LEI MUNICIPAL Nº 6.704/2019. INSTALAÇÃO DE CÂMERAS DE SEGURANÇA NAS ESCOLAS DA REDE PÚBLICA MUNICIPAL. PROJETO DE INICIATIVA DO LEGISLATIVO. VÍCIO FORMAL NÃO CONFIGURADO. POSSIBILIDADE DE CRIAÇÃO DE DESPESAS. PRECEDENTES. - A Lei Municipal nº 6.704/2019, de origem parlamentar, trata da obrigatoriedade de instalação de câmeras de monitoramento de segurança nas escolas públicas municipais. - Caso em que o diploma municipal não cria ou altera a estrutura ou a atribuição de órgãos da Administração Municipal, nem trata do regime jurídico de servidores públicos, de modo que inexiste vício de iniciativa. - Embora a lei municipal crie despesas para a Administração, uma vez que não trata das matérias elencadas no art. 61, §1º, inciso II, alíneas “a”, “c” e “e”, da Constituição Federal, e, por simetria, previstas no art. 60, inciso II, alíneas “a”, “b” e “d”, da Carta Estadual, não se verifica usurpação da competência reservada ao Chefe do Poder Executivo. Tema de Repercussão Geral nº 917 (ARE nº 878.911/RJ). - Ausência de dotação orçamentária prévia que não é capaz de tornar inconstitucional a norma, apenas impedindo sua aplicação no exercício financeiro em que foi promulgada. Precedentes. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. UNÂNIME. (Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70083099556, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em: 30-04-2020)

Idêntica solução parece ser aplicável às proposições que versem sobre a obrigatoriedade de instalação de detectores de metais nas instituições públicas de educação. Isso porque, além de estar justificada no princípio da proporcionalidade, sobretudo diante da série de atentados que frequentemente têm ocorrido em escolas, a proposição tem o mesmo objetivo das normas que impõem o dever de instalação de câmeras de monitoramento: a proteção da vida, saúde e segurança de todos os que convivem em espaços escolares, o que possui sólido fundamento na Constituição Federal (arts. 5º, caput, 6º, 227, 230, entre outros).

Veja-se, nesse sentido, que o Tribunal de Justiça de SP já teve a oportunidade de enfrentar a específica matéria em análise, tendo declarado a constitucionalidade das leis municipais que impõem a instalação de detectores de metais em escolas públicas:

DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – Lei nº 5.352/2020, do Município de Araras, de iniciativa parlamentar, que dispõe sobre a instalação de detectores de metais em estabelecimentos de ensino e dá outras providências – Matéria que não se encontra especificamente no rol de competência privativa do Poder Executivo – Norma que não ingressa na estrutura ou atribuição dos órgãos da Administração Pública e nem no regime jurídico dos servidores – Ausência de interferência na gestão administrativa – Inviabilidade de reconhecimento de inconstitucionalidade – Tema de repercussão geral estabelecido pelo STF (Tema 917) – Proteção integral de crianças e adolescentes que é direito fundamental de segunda geração, impondo prestação positiva de todos os entes políticos – Precedentes Órgão Especial – Inconstitucionalidade não configurada – Ação improcedente. (TJSP; Direta de Inconstitucionalidade 2171286-80.2021.8.26.0000; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: Órgão Especial; Tribunal de Justiça de São Paulo - N/A; Data do Julgamento: 26/01/2022; Data de Registro: 04/02/2022)

Portanto, diante dos fundamentos expostos, entende-se aplicável à proposta em análise a mesma solução dada pelo Supremo Tribunal Federal no ARE nº 878.911, que declarou a constitucionalidade de lei municipal instituidora do dever de instalação de câmeras de monitoramento em escolas públicas, considerando a similitude da obrigação e o idêntico propósito de sua instituição.

Sugere-se, entretanto, a adoção do seguinte substitutivo, que torna a redação legislativa mais direta e clara, na forma instituída pela Lei Complementar nº 95/1998, que trata técnica adequada para a redação das leis:

SUBSTITUTIVO AO PROJETO DE LEI DO LEGISLATIVO Nº 032/2023

Dispõe sobre a instalação de detectores de metais em instituições de ensino da rede pública do Município de Guaíba e dá outras providências.

Art. 1º Torna obrigatória a instalação de detectores de metais nos acessos a todas as instituições de ensino da rede pública do Município de Guaíba.

Parágrafo único. O ingresso de toda e qualquer pessoa em estabelecimento de ensino da rede pública municipal, sem exceção, está condicionado à sua passagem pelo aparelho detector de metais, sob supervisão do responsável, sendo obrigatória a realização de inspeção visual dos pertences quando identificada alguma irregularidade ou quando houver indícios de posse de materiais proibidos ou manifestamente incompatíveis com as finalidades escolares.

Art. 2º A instalação dos detectores de metais deverá ocorrer no prazo de cento e oitenta dias, contado da entrada em vigor desta Lei, ou até o início do próximo período letivo escolar, prevalecendo o que ocorrer primeiro.

Art. 3º O Poder Executivo regulamentará esta Lei no que couber.

Art. 4º Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 032/2023, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário. Sugere-se, entretanto, a adoção do substitutivo acima elaborado, que atende às diretrizes da Lei Complementar nº 95/1998.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 3 de abril de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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03/04/2023 12:54:47
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