PARECER JURÍDICO |
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"Estabelece que o Município de Guaíba não poderá recusar laudo médico pericial que ateste o Transtorno do Espectro Autista (TEA) ou a Síndrome de Down em razão da data do exame ou de emissão." 1. Relatório:A Vereadora Leticia Maidana apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 023/23 à Câmara Municipal, dispondo sobre a vedação de recusa de laudo médico pericial que ateste Transtorno do Espectro Autista ou Síndrome de Down em razão da data do exame ou da sua emissão. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno. A proponente apresentou substitutivo, encaminhado novamente à Procuradoria para análise. 2. Mérito:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios. A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:
A norma que se pretende editar no âmbito do Município de Guaíba se insere, efetivamente, na definição de interesse local e na competência municipal, visto que o substitutivo ao Projeto de Lei nº 023/2023 objetiva estabelecer prazo de validade indeterminado de laudos médicos que atestem TEA ou Síndrome de Down, suplementando as normas de caráter geral que constituem a Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. No que diz respeito à iniciativa para deflagrar o processo legislativo, as hipóteses de iniciativa privativa do Poder Executivo, que limitam o poder de iniciativa dos Vereadores, estão expressamente previstas na Constituição Federal, aplicadas por simetria aos Estados e Municípios. Dispõe o artigo 61, § 1º, da CF/88:
Para os fins do direito municipal, mais relevante ainda é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Nesse caso, refere o artigo 60 da Constituição Estadual:
No âmbito municipal, o artigo 119 da Lei Orgânica, à semelhança do artigo 60 da Constituição Estadual, faz reserva de iniciativa aos projetos de lei sobre certas matérias:
A iniciativa para a deflagração do processo legislativo está adequada, pois o projeto de lei apresentado não dispõe sobre criação de cargos, funções ou empregos, nem sobre organização administrativa ou instituição de novos órgãos públicos, nem mesmo interfere no modo de funcionamento dos serviços públicos, pelo que se conclui tratar-se de proposição de iniciativa concorrente. Nesse sentido, leia-se o parecer ao Projeto de Lei nº 893/19, da Assembleia Legislativa do Espírito Santo, pela constitucionalidade de proposta de teor similar.[1] Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o direito positivo determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições para o exercício de direitos por parte das pessoas com deficiência, sendo esse o objetivo principal da lei que se pretende instituir, que visa facilitar a obtenção de benefícios da legislação municipal pela indeterminação do prazo de validade de laudos médicos sobre condições permanentes. Nesse sentido, segundo o art. 23, inciso II, da CF/88, “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;”. O Decreto nº 6.949, de 25/8/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, estabelece, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção”. A mesma convenção internacional, que integra o texto constitucional por ter sido aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88, define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1º). Da mesma forma, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, prevê, no art. 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Por fim, destaca-se o caráter suplementar da presente proposição, que pretende detalhar a execução, no âmbito local, dos direitos já estabelecidos na Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012, que cria a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. [1] http://www3.al.es.gov.br/Arquivo/Documents/PL/PL8932019/685553-171125173107112019-assinado.pdf 3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do substitutivo ao Projeto de Lei do Legislativo nº 023/2023, por inexistirem vícios materiais ou formais que impeçam a sua deliberação em Plenário. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 30 de março de 2023. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 30/03/2023 19:16:24 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 30/03/2023 ás 19:15:58. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 72479557347cf8947fb50deaaa0ec479.
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