PARECER JURÍDICO |
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"Concede Vale Supermercado aos Servidores Municipais e dá outras providências" 1. Relatório:O Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei nº 019/2023 à Câmara Municipal, objetivando conceder vale-supermercado aos servidores municipais. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do RI. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”. Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. Mérito:3.1 Da possibilidade jurídica de instituição do benefício Inicialmente, deve-se mencionar que a Constituição Federal de 1988 (CF/88) não estabelece, expressamente, o recebimento de auxílios ou subsídios para a alimentação como um dos direitos sociais básicos do servidor público, como se percebe da leitura dos arts. 7º e 39, § 3º. Da mesma forma, no âmbito da iniciativa privada, não há qualquer vinculação constitucional ou legal que obrigue as empresas a concederem benefícios relacionados à alimentação do trabalhador, sendo tais vantagens conferidas por mera liberalidade ou por pactuação em instrumentos coletivos celebrados com o sindicato da categoria profissional, geralmente em acordos ou convenções coletivas de trabalho. Embora não haja obrigação constitucional ou legal de concessão de benefício relacionado à alimentação do servidor público, também não há óbice à sua instituição, desde que atendidos determinados parâmetros jurídicos. De início, é importante esclarecer que a concessão de auxílios para a alimentação dos servidores públicos pode materializar-se pelas seguintes modalidades: fornecimento de alimentos in natura, auxílio-alimentação, vale-refeição e vale-alimentação. De acordo com o TCE/MT[1], “O auxílio-alimentação consiste em uma vantagem pecuniária, prevista em lei, conferida diretamente ao servidor público para subsidiar suas despesas com alimentação, quando este estiver em labor.” O vale-refeição, por outro lado, “consiste em um documento ou cartão eletrônico/magnético que permite a troca de um valor ou crédito por refeições prontas, fornecidas em restaurantes ou similares, previamente credenciados.” O vale-alimentação “representa um documento (tíquetes, vales, cupons) ou cartão eletrônico/magnético que permite a troca do valor nele inscrito ou creditado em produtos alimentícios vendidos por estabelecimentos credenciados (supermercados, panificadoras, mercearias ou similares)”. Por fim, o fornecimento in natura representa a entrega de produtos e gêneros alimentícios ou similares diretamente aos servidores públicos, sendo a “cesta básica” a forma mais comum de concessão do benefício. A diferença entre os institutos é pontual, porém relevante para a correta caracterização do objeto da proposição. Desse modo, pela leitura da proposição, verifica-se que se está a conceder vale-alimentação aos servidores municipais, nominado como “vale-supermercado”, já que consiste na disponibilização de documento contendo créditos para a compra de mercadorias em estabelecimentos credenciados junto à empresa especializada. 3.2 Da adequação da espécie normativa e da iniciativa Para a instituição do benefício aos servidores públicos, faz-se necessária a promulgação de lei autorizativa em sentido estrito, não sendo outras espécies normativas adequadas para esse fim. Isso porque o inciso X do art. 37 da CF/88 dispõe que a remuneração dos servidores e o subsídio dos agentes políticos somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, incluindo-se o vale-alimentação no conceito amplo de remuneração para esse fim, como observa o TCE/SC, ainda que sua natureza seja indenizatória:
A respeito da iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto propõe conceder vale-alimentação (“vale-supermercado”) aos servidores municipais vinculados ao Poder Executivo, tem-se por adequada a iniciativa do Prefeito. Para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, já que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS. Apenas excepcionalmente o parâmetro da constitucionalidade será a Constituição Federal, desde que se trate de normas constitucionais de reprodução obrigatória (STF, RE nº 650.898/RS). Nesse caso, refere o art. 60 da Constituição Estadual:
Assim, estão adequadas a iniciativa e a espécie normativa utilizada para veicular a matéria, pois se trata de projeto de lei apresentado pelo Chefe do Executivo, enquanto administrador da remuneração do pessoal daquela esfera administrativa. 3.3 Dos critérios para a definição dos valores Além da obrigatoriedade de lei em sentido estrito e da iniciativa legislativa privativa do Chefe do Executivo, a lei autorizativa do vale-alimentação aos servidores deve fixar critérios e regras isonômicas de concessão do benefício, que não caracterizem tratamento privilegiado de um dado grupo de agentes em detrimento de outros, sem prejuízo da previsão de hipóteses nas quais o pagamento não será devido. Por tal motivo, entende-se que o valor deve ser isonômico entre os servidores públicos, até porque a verba é indenizatória, só sendo admissíveis tratamentos diferenciados na exata medida da adequação de suas justificativas. Ainda, a fixação do valor do benefício deve respeitar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, observando parâmetros equilibrados e passíveis de justificação, porquanto tais princípios têm matriz constitucional, pela ampliação do conceito de juridicidade para além da estrita legalidade, e exigem dos agentes públicos fidelidade a padrões adequados de conduta, representados também nos princípios da moralidade e da impessoalidade. 3.4 Da restrição aos servidores municipais ativos Nos termos da Súmula Vinculante nº 55, “O direito ao auxílio-alimentação não se estende aos servidores inativos.” De fato, a jurisprudência do STF é reiterada no sentido de que o vale-alimentação é verba de natureza indenizatória, apenas devido ao servidor que se encontrar no exercício de suas funções, também não se incorporando à remuneração ou aos proventos de aposentadoria:
Assim, adequado o art. 1º ao definir que o benefício só será devido aos servidores municipais ativos que tenham apresentado efetividade integral no mês anterior ao do recebimento, estando, ainda, condicionado a uma contrapartida de desconto mensal de R$ 1,00 na remuneração. 3.5 Das exigências orçamentário-financeiras A concessão de vale-alimentação também exige adequação às peças orçamentárias, notadamente à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à Lei Orçamentária Anual (LOA), decorrendo tal obrigação do art. 169, § 1º, da CF/88, assim disposto:
Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os arts. 15, 16 e 17:
Como prevê o art. 15 da Lei de Responsabilidade Fiscal, são consideradas não autorizadas, irregulares e lesivas ao patrimônio público as despesas que não observem às exigências dos arts. 16 e 17. Ambos os dispositivos citados exigem a estimativa de impacto orçamentário-financeiro no exercício em que o ato deva entrar em vigor e nos dois subsequentes, com a diferença de que, no art. 17, tal ato só será obrigatório quando se tratar de despesa obrigatória de caráter continuado. Conforme material divulgado pela Secretaria do Tesouro Nacional, vinculada ao Ministério da Fazenda, a fase de proposição legislativa é regulada especificamente pelo art. 17 da LRF, enquanto a fase executiva do ato se subordina ao disposto no art. 16[2]:
Consequentemente, como a proposição não veicula uma despesa obrigatória de caráter continuado, possuindo período delimitado de um ano (art. 1º), tem-se que, na forma exposta pela STN, não há necessidade de apresentação de estimativa de impacto orçamentário-financeiro na presente fase de tramitação legislativa, muito embora tal obrigação esteja presente na fase de execução da despesa. Tal dispensa não desobriga o proponente das demais exigências, como da adequação das peças orçamentárias (art. 169, § 1º, da CF/88) e da observância dos limites de despesa com pessoal (arts. 19 e 20 da LRF)[3], observando-se que o documento apresentado em anexo ao PLE nº 018/2023 aponta a despesa com pessoal em 49,01%, abaixo, portanto, do limite prudencial de 51,30% para o Poder Executivo Municipal (art. 22, parágrafo único, da LRF). [1] Disponível em: <https://www.tce.mt.gov.br/protocolo/documento/num/179345/ano/2015/numero_documento/146324/ano_documento/2015/hash/e7168953933308c0677d640e5cacaa6d>. [2] Disponível em: <http://www.tesouro.fazenda.gov.br/documents/10180/435710/CPU_Item_1_3_Definicoes_sobre_o_artigo_16_da_LRF.pdf/85cc847b-63bf-4aba-8487-d4df9e3e8583>. [3] Art. 19. Para os fins do disposto no caput do art. 169 da Constituição, a despesa total com pessoal, em cada período de apuração e em cada ente da Federação, não poderá exceder os percentuais da receita corrente líquida, a seguir discriminados: I – União: 50% (cinqüenta por cento); II – Estados: 60% (sessenta por cento); III – Municípios: 60% (sessenta por cento). Art. 20. A repartição dos limites globais do art. 19 não poderá exceder os seguintes percentuais: [...] III – na esfera municipal: b) 54% (cinquenta e quatro) para o Executivo. 4. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e pela regular tramitação do Projeto de Lei do Executivo nº 019/2023, por inexistirem vícios manifestos de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, ressaltando-se que, conforme o entendimento majoritário, a concessão de vale-alimentação deve observar critérios e regras isonômicas que não caracterizem tratamentos privilegiados e que sejam passíveis de justificação. É o parecer, salvo melhor juízo. Guaíba, 28 de março de 2023. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 28/03/2023 21:12:54 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 28/03/2023 ás 21:12:41. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação e05ab194fa1bf51bc84d83f5b701c86c.
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