Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 021/2023
PROPONENTE : Ver. Florindo Motorista
     
PARECER : Nº 074/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Reconhece como patrimônio cultural de natureza imaterial no Município de Guaíba a “Marcha para Jesus”, e dá outras providências"

1. Relatório:

O Vereador Florindo Motorista (PP) apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 021/2023 à Câmara Municipal, o qual “Reconhece como patrimônio cultural de natureza imaterial no Município de Guaíba a “Marcha para Jesus”, e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise nos termos do artigo 105 do Regimento Interno.

2. Mérito:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Na Constituição Federal de 1988, a reserva de iniciativa está prevista no artigo 61, § 1º, repetida na CE/RS pelo artigo 60, os quais preveem os inúmeros casos em que apenas o Chefe do Poder Executivo poderá deflagrar o processo legislativo. Por serem normas restritivas, tão somente essas hipóteses são reservadas ao Executivo; os demais casos são de iniciativa concorrente, garantindo-se a legitimidade das propostas por parte de membros do Legislativo. Na Lei Orgânica Municipal, tais restrições são repetidas e detalhadas nos artigos 52 e 119, sendo de observância obrigatória na análise jurídica das proposições.

Nesses termos, para os fins do direito municipal, relevante é a observância das normas previstas na Constituição Estadual no que diz respeito à iniciativa para o processo legislativo, uma vez que, em caso de eventual controle de constitucionalidade, o parâmetro para a análise da conformidade vertical se dá em relação ao disposto na Constituição Gaúcha, conforme preveem o artigo 125, § 2º, da CF/88 e o artigo 95, XII, alínea “d”, da CE/RS:

Art. 60. São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional n.º 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

Verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado propõe apenas tornar patrimônio cultural imaterial municipal a “Marcha para Jesus”, não havendo qualquer limitação à propositura de projeto de lei por vereador versando sobre essa matéria.

Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Conforme dispõe o artigo 30, I, da Constituição Federal de 1988, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” No mesmo sentido, o artigo 6º, I, da Lei Orgânica do Município de Guaíba refere que “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente, dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.”

O Projeto de Lei do Legislativo nº 021/2023 se insere, efetivamente, na definição de interesse local, na medida em que torna patrimônio cultural imaterial, no âmbito estritamente local, a “Marcha para Jesus”, com vistas a fomentar a preservação do patrimônio cultural da localidade, para o que o Município é materialmente competente, nos termos do art. 23, III, da CF/88.

Quanto à matéria, o art. 215 da Constituição Federal refere que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes de cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” Do mesmo modo, o art. 220 da CE/RS estabelece: “O Estado estimulará a cultura em suas múltiplas manifestações, garantindo o pleno e efetivo exercício dos respectivos direitos bem como o acesso a suas fontes em nível nacional e regional, apoiando e incentivando a produção, a valorização e a difusão das manifestações culturais”.

Por outro lado, é necessário destacar que, renovando os argumentos do parecer jurídico lavrado por ocasião do Projeto de Lei nº 105/2017, não se pode confundir os conceitos de laicidade e laicismo. O primeiro é a característica de determinados Estados adotarem uma posição de neutralidade em relação às manifestações religiosas, ou seja, embora estejam proibidos de subvencionar financeiramente os atos religiosos, devem respeitá-los em função da liberdade de crença. O segundo conceito, mais radical, legitima posturas de intolerância pelo Estado, que vê as manifestações religiosas de forma negativa, proibindo-as completamente. A República Federativa do Brasil, alinhada à teoria dos direitos fundamentais de primeira dimensão, é neutra em relação aos atos religiosos, não adotando religião oficial, porém não vedando que se realizem essas manifestações.

Resumidamente, nos termos do artigo 5º, VI, da CF, “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.” Portanto, a laicidade do Estado brasileiro não se confunde com laicismo, não havendo qualquer óbice à realização de atos religiosos. O limite da garantia da liberdade religiosa pelo Estado encontra previsão no artigo 19, I, da CF, o qual estabelece ser vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.” Veda-se, assim, a aplicação de recursos públicos para a promoção de atos religiosos, ressalvado o caso de colaboração de interesse público, mas não há proibição a que se institua mera data comemorativa em âmbito local, desde que não sejam impostos encargos ao Município, que adota posição inerte quanto aos atos religiosos.

O Poder Público poderia, por mera liberalidade, apoiar a realização do evento através da organização das vias públicas ou da segurança em geral, evitando que ocorram tumultos, mas desde que não assuma o papel de promotor da festividade, com subvenções públicas. A laicidade da República Federativa do Brasil – que, como visto, nada tem a ver com intolerância religiosa – convive harmoniosamente com outros dispositivos constitucionais que se referem à religião. Inicialmente, o preâmbulo invoca a proteção de Deus para a promulgação da Constituição Federal. O artigo 5º, nos incisos VI, VII e VIII, por sua vez, assegura a liberdade de crença, a prestação de assistência religiosa nas entidades de internação coletiva e a vedação à privação de direitos por motivo de crença religiosa.

No entanto, como está em vigor, no Município de Guaíba, a Lei Municipal nº 1.433/98, que, no art. 20, incumbe ao Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural a tarefa de executar as medidas relacionadas à promoção do patrimônio cultural local, entende-se que, como condição da plena viabilidade jurídica desta proposição, deve haver deliberação prévia do referido conselho acerca do seu mérito, com emissão de parecer em reunião, conforme disciplina o inciso V do art. 3º da Lei Municipal nº 694/84.

3. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta no Projeto de Lei do Legislativo nº 021/2023, por inexistirem vícios constitucionais de natureza material ou formal que impeçam a sua tramitação regimental. No entanto, a total viabilidade jurídica fica condicionada à prévia deliberação do Conselho Municipal do Patrimônio Histórico e Cultural quanto ao mérito da proposição, com emissão de parecer em reunião, na forma disciplinada no inciso V do art. 3º da Lei Municipal nº 694/1984, podendo tal medida ser providenciada durante a tramitação do projeto, por iniciativa das comissões permanentes.

É o parecer.

Guaíba, 23 de março de 2023.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

 

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23/03/2023 17:08:07
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