Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Emenda à Lei Orgânica n.º 002/2023
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 073/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Acrescenta Art. 143-A ao Capítulo XI da Lei Orgânica Municipal"

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros (PP), em conjunto com outros subscritores, conforme se constata das assinaturas constantes da proposição, apresentou o Projeto de Emenda à Lei Orgânica Municipal nº 002/2022 à Câmara Municipal, o qual “Acrescenta art. 143-A ao Capítulo XI da Lei Orgânica Municipal”. O Projeto de Emenda à Lei Orgânica Municipal foi remetido a esta Procuradoria, com base no art. 105 do Regimento Interno, para parecer.

2. Mérito:

Primeiramente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que, tratando-se de projeto de emenda à Lei Orgânica, exige o artigo 35, § 1º, da Lei Orgânica Municipal que a proposta, se for veiculada por vereador, seja subscrita por 1/3 dos membros da Câmara Municipal, requisito que foi devidamente observado, o que se verifica em análise das assinaturas constantes na proposição, tendo sido subscrita por nove vereadores.

Embora no sistema conste o nome de um proponente para o projeto (Alex Medeiros (PP)), a proposta, na realidade, veio acompanhada da assinatura de 06 (seis) membros da Câmara Municipal, preenchendo o quórum exigido pela Lei Orgânica Municipal de 1/3 dos membros da Casa Legislativa.

A Lei Orgânica Municipal assegura a iniciativa para a proposição de Emendas à Lei Orgânica nas seguintes hipóteses:

Art. 35 A Lei Orgânica pode ser emendada mediante proposta:

I - Vereadores;

II - do Prefeito;

III - dos eleitores do Município;

§ 1º No caso do item I, a proposta deverá ser subscrita por 1/3 (um terço) dos membros da Câmara municipal;

§ 2º No caso do item III, a proposta deverá ser subscrita no mínimo por 5% (cinco por cento) dos eleitores do Município.

No que diz respeito à competência da Câmara Municipal para emendar a Lei Orgânica, prevê o artigo 28, inciso III da própria LOM, ser da competência exclusiva da Câmara Municipal a aprovação de emenda ou de reforma do referido diploma.

Lembra-se que, para a aprovação de projeto de emenda à Lei Orgânica, deve a proposta ser discutida e votada em duas sessões com interstício mínimo de 10 (dez) dias, considerando-se aprovada se obtiver 2/3 dos votos dos membros da Câmara Municipal nas duas sessões, conforme disciplina o artigo 36 da Lei Orgânica Municipal, alterado pela Emenda à Lei Orgânica nº 2/2017.

A promulgação da emenda à Lei Orgânica, se aprovado o seu projeto, caberá à Mesa Diretora da Câmara, a qual conferirá o respectivo número de ordem (artigo 37, Lei Orgânica Municipal). Respeitadas tais formalidades, não se verificará qualquer vício de natureza formal, porquanto são essas as exigências para a tramitação do projeto.

No que diz respeito aos aspectos materiais do projeto de emenda à Lei Orgânica, não há qualquer mácula constitucional ou legal a impedir a tramitação da proposta. O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que:

“Art. 18. A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir a sua organização, legislação, a administração e o governo próprios. A auto-organização dos Municípios está disciplinada, originariamente, no artigo 29, caput, da Constituição Federal, que prevê:

“Art. 29. O Município reger-se-á por lei orgânica, votada em dois turnos, com o interstício mínimo de dez dias, e aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal, que a promulgará, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição, na Constituição do respectivo Estado e os seguintes preceitos”.

Assim sendo, compete ao próprio Município, enquanto ente dotado de autonomia política e capacidade de auto-organização, estabelecer a sua ordenação.

A redação do pretendido artigo 143-A da Lei Orgânica Municipal, viria apenas garantir ao Poder Legislativo Municipal a iniciativa do processo legislativo em matérias relativas à ordem urbanística, visto que a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, em regra, é comum e que as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional. Assim, as hipóteses de iniciativa reservada são apenas e tão somente aquelas previstas no texto constitucional: arts. 93, caput; 96, I e II; 127, § 2.º; 51, IV; 52, XIII; 73, caput c/c 96; 61, § 1.º; 165, I a III, todos da CF/88. O rol de iniciativas privativas do Chefe do Poder Executivo é estrito e não admite interpretação ampliativa; do contrário, ocorreria subversão e/ou perturbação do esquema organizatório funcional da CF/88, base do princípio da conformidade funcional, que sustenta a interpretação dos dispositivos constitucionais.

Como se percebe da leitura dos referidos arts. 61, § 1.º, da CF/88 e 60, II, da CE/RS, não há qualquer vedação à deflagração parlamentar do processo legislativo em matéria urbanística afeta ao Plano Diretor, pois a exclusividade da iniciativa, nas hipóteses excepcionalmente previstas, justifica-se na independência entre os poderes (art. 2.º da CF/88 e art. 5.º da CE/RS), descabendo ao Poder Legislativo ou a outra instituição desencadear o processo legislativo apenas para dispor sobre matérias ínsitas à organização, política remuneratória ou atribuições do Poder Executivo.

Veja-se, nesse sentido, que, apesar da citada existência de controvérsia sobre os limites da iniciativa parlamentar em matéria urbanística, o STF e o TJRS já reconheceram, mais de uma vez, a iniciativa concorrente nessas situações:

Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal, dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2. Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado. Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 218110, Relator(a): NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em 02/04/2002, DJ 17-05-2002 PP-00073 EMENT VOL-02069-02 PP-00380)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE CACHOEIRA DO SUL. ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR. INICIATIVA CONCORRENTE DO PODER EXE-CUTIVO E DO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAIS. EXIGÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO. ART. 177, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO ESTA-DUAL. AUSÊNCIA DE DISCIPLINA CONSTITUCIONAL ACERCA DA FORMA DA PARTI-CIPAÇÃO DA COMUNIDADE. AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA ANTES DA APROVA-ÇÃO DO PROJETO DE LEI QUE PROPORCIONOU RAZOÁVEL DISCUSSÃO DA MATÉ-RIA PELA POPULAÇÃO LOCAL. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70064357361, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em: 21-09-2015).

Na mesma linha de entendimento, a jurisprudência do TJSP:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 11.290, de 3 de janeiro de 2013, do Município de São José do Rio Preto, que permitiu a ampliação do potencial construtivo de imóveis localizados em pequena e específica região urbana ali definida. Inocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei deflagrado pelo Legislativo Municipal, haja vista que a norma editada não regula matéria estritamente administrativa, afeta ao Chefe do Poder Executivo, delimitada pelos artigos 24, §2°, 47, incisos XVII e XVIII, 166 e 174 da CE, aplicáveis ao ente municipal, por expressa imposição da norma contida no artigo 144 daquela mesma Carta. Previsão legal que apenas tratou de tema pertinente ao uso e ocupação do solo urbano, inserido, portanto, na competência legislativa comum dos poderes Legislativo e Executivo, razão pela qual poderia mesmo decorrer de proposta parlamentar. (…)” (TJSP, ADI 0125155-62.2013.8.26.0000, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. em 26.03.14, g.n.).

Na doutrina, Regina Maria Macedo Nery Ferrari (Direito Municipal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 237) afirma que “[...] o projeto de lei do plano diretor pode ser de iniciativa geral, isto é, não é de iniciativa privativa do Prefeito, podendo ser de autoria de qualquer membro ou comissão da Câmara, do Prefeito e até mesmo dos cidadãos, nos termos do inciso XII, do art. 29, da Constituição Federal”. Ademais, cabe recordar que o próprio Estatuto das Cidades é lei de iniciativa parlamentar (Projeto de Lei do Senado n.º 181, de 1989), de autoria do Senador Pompeu de Souza, com substitutivo do Senador Inácio Arruda, a demonstrar ser inconstitucional qualquer vedação genérica, ampla e abstrata à iniciativa do processo legislativo tão somente por tratar-se de matéria urbanística, a qual não consta no rol taxativo dos arts. 61, § 1.º da CF/88 e do art. 60, II, da CE/RS e, portanto, não está sob a ingerência exclusiva do Prefeito.

Verifica-se, ainda, que a proposta faz referência à devida observância da participação popular e de estudos técnicos antes da aprovação de eventuais alterações.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Emenda à Lei Orgânica Municipal nº 002/2023, por inexistirem vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário, desde que se atendam aos requisitos procedimentais previstos na Lei Orgânica para a aprovação da proposta.

É o parecer.

Guaíba, 23 de março de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS nº 107.136

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23/03/2023 14:31:58
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