Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Resolução n.º 003/2023
PROPONENTE : Mesa Diretora
     
PARECER : Nº 054/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Resolução nº 001/2016, a qual “Dispõe sobre a permissão de consignação em pagamento incidente sobre o subsídio de Vereadores(as)""

1. Relatório:

 A Mesa Diretora apresentou o Projeto de Resolução nº 003/2023, o qual “Altera a Resolução nº 001/2016, a qual “Dispõe sobre a permissão de consignação em pagamento incidente sobre o subsídio de Vereadores(as)". A proposta foi encaminhada à Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do RI, a fim de que seja efetivado o controle da constitucionalidade, da competência e do caráter pessoal da proposição.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, §1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI) e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A própria doutrina jurídica prevê o instituto do controle de constitucionalidade político também chamado de controle preventivo, através de exame perfunctório pela Presidência da Mesa Diretora. A devolução será efetivada mediante despacho fundamentado da Presidência, sempre indicando o artigo constitucional, da Lei Orgânica ou Regimental violado, garantido o direito do autor de recorrer dessa decisão ao Plenário, conforme o art. 105, parágrafo único do RI.

O processo legislativo brasileiro - conjunto das disposições que regulam o procedimento a ser seguido pelos órgãos competentes pela elaboração das leis e dos atos normativos - é composto por um conjunto de espécies normativas. O processo legislativo é matéria essencialmente constitucional e os tipos de espécies normativas estão previstos na Constituição Federal, em seu artigo 59, sendo Propostas de Emenda à Constituição (PEC), Projetos de Lei Complementar (PLP), Projetos de Lei Ordinária (PL), Projetos de Decreto Legislativo (PDC), Projetos de Resolução (PRC) e Medidas Provisórias (MPV):

 Art. 59. O processo legislativo compreende a elaboração de:

I - emendas à Constituição;

II - leis complementares;

III - leis ordinárias;

IV - leis delegadas;

V - medidas provisórias;

VI - decretos legislativos;

VII - resoluções.

O direito brasileiro é organizado em um sistema de escalonamento das normas jurídicas, sendo a Constituição Federal de 1988 o diploma paradigma para a elaboração de todas as demais espécies legislativas. Em função da hierarquia das normas, exsurge do ordenamento jurídico o princípio da continuidade das leis, segundo o qual, “Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (art. 2º, LINDB). Diante disso, uma determinada norma jurídica só pode ser alterada ou revogada por meio de outra norma da mesma hierarquia; do contrário, a nova espécie legislativa não terá a aptidão de atingir a norma primária.

A espécie normativa “Resolução” é uma norma que tem como objetivo regular matérias de competência das Casas Legislativas, sendo de competência privativa dessas e gerando, de regra, efeitos internos. A Resolução é uma deliberação político-administrativa do parlamento que deve observar o processo legislativo, não estando sujeita a sanção do Poder Executivo. Obedece a procedimentos próprios estabelecidos no Regimento Interno de cada Casa Legislativa, sendo promulgadas pelo próprio Poder Legislativo.

Na lição lapidar Hely Lopes Meirelles, a “Resolução é deliberação do plenário sobre matéria de sua exclusiva competência e de interesse interno da Câmara, sendo promulgada por seu presidente. Não é lei, nem simples ato administrativo: é deliberação político-administrativa. Obedece ao processo legislativo da elaboração das leis, mas não se sujeita a sanção e veto do Executivo.” (in Direito Municipal Brasileiro. 16ª ed., p. 674, São Paulo, Malheiros, 2008).

Sob o ponto de vista formal, no caso em análise, a inovação jurídica virá a integrar nova norma do tipo Resolução, que dispõe sobre matéria de interesse interno da Câmara de Vereadores de Guaíba, estando adequada, portanto, quanto à forma legislativa a proposição apresentada.

Também sob o ponto de vista da iniciativa legislativa está adequada a proposição. Cabe registrar que o artigo 28, inciso III, da Lei Orgânica Municipal estabelece ser privativa a iniciativa da Câmara Municipal para propor normas que digam respeito a sua administração, o que se verifica cumprido na situação, considerando ter sido a proposta apresentada pelos membros da Câmara:

Art. 28 À Câmara Municipal, privativamente, entre outras atribuições, compete:

(...)

III - organizar seus serviços administrativos e nomear ou demitir seus funcionários e assessores, fixando seus vencimentos;

(...)

XI - deliberar, mediante Resolução, sobre assunto de sua economia interna e nos demais casos de sua competência privativa, por Decreto Legislativo;

O Administrador Público está, em toda sua atividade funcional, adstrito ao Princípio da Legalidade, insculpido no artigo 37 da Constituição Federal, o que significa que somente lhe é permitido fazer aquilo que a norma expressamente autoriza, não podendo afastar-se dos mandamentos por ela impostos, sob pena de praticar ato inválido, caso confira interpretação extensiva ou restritiva onde a lei assim não o determine. No âmbito da Câmara Municipal de Guaíba, a matéria é regulamentada pela Resolução nº 001/2016. Portanto, para a realização do desconto em folha, deve a Administração verificar se a pretensa consignatária se insere em uma das categorias previstas na norma interna supramencionada.

O Poder Legislativo Municipal, em virtude de sua autonomia, possui prerrogativas próprias desse órgão (artigos 51, IV e 52, XIII, da CF/88), entre as quais se destacam a organização dos serviços internos, a livre deliberação sobre os assuntos de sua economia interna (interna corporis) e a elaboração do Regimento Interno. Recentemente, no âmbito de julgamento do Recurso Extraordinário (RE) nº 1.297.884, o E. Supremo Tribunal Federal fixou a tese de repercussão geral no Tema 1120, em 11/06/2021, nos seguintes termos:

Decisão: O Tribunal, por maioria, apreciando o tema 1.120 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário para cassar o acórdão recorrido na parte em que reconheceu como inconstitucional o art. 4º da Lei nº 13.654/2018, a fim de que o Tribunal de origem recalcule a dosimetria da pena imposta, nos termos do voto do Relator, vencido o Ministro Marco Aurélio. O Ministro Gilmar Mendes acompanhou o Relator com Ressalvas. Foi fixada a seguinte tese: "Em respeito ao princípio da separação dos poderes, previsto no art. 2º da Constituição Federal, quando não caracterizado o desrespeito às normas constitucionais pertinentes ao processo legislativo, é defeso ao Poder Judiciário exercer o controle jurisdicional em relação à interpretação do sentido e do alcance de normas meramente regimentais das Casas Legislativas, por se tratar de matéria interna corporis". Plenário, Sessão Virtual de 4.6.2021 a 11.6.2021.  . RE 1297884. Relator: Ministro Dias Toffoli.

Em relação à natureza das consignações, é importante observar a existência de duas espécies, quais sejam: as compulsórias e as facultativas. No caso das consignações compulsórias, os descontos se operam por força de lei ou de determinações emanadas em mandados judiciais. Já no caso das consignações facultativas, as consignações são realizadas, a critério da Administração, por acordo entre o servidor e o terceiro. É necessário, portanto, que haja uma regulamentação do procedimento pela Mesa Diretora, que normatizará, dentre outros pontos, a) que consignações facultativas são permitidas; b) quais os requisitos para o credenciamento dos consignatários; c) quais os limites para o total das consignações facultativas, bem como para o somatório das consignações compulsórias e facultativas (margem consignável) e d) as hipóteses de cancelamento das consignações facultativas.

Cabe sublinhar ainda que se houver equívoco no controle dos limites estabelecidos, o Município poderá ser, igualmente, responsabilizado nos moldes da decisão judicial abaixo colacionada. Nesse sentido, já se manifestou a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – TJRS:

RESPONSABILIDADE CIVIL. EMPRÉSTIMO CONSIGNADO EM FOLHA DE PAGAMENTO. FALTA DE REPASSE DOS DESCONTOS EFETUADOS. DESCUMPRIMENTO DE CONVÊNIO FIRMADO COM INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. OBRIGAÇÃO DE INDENIZAR DO MUNICÍPIO DE CHUÍ. DANOS MORAIS. OCORRÊNCIA. O Município requerido, ao deixar de repassar à instituição financeira os valores descontados do contracheque da servidora pública, causou a esta danos morais, pois houve cobrança indevida das parcelas do empréstimo consignado. Danos morais configurados in re ipsa. Indenização reduzida para R$3.000,00 (três mil reais), consoante os parâmetros utilizados por este Tribunal em situações análogas. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. (Apelação Cível Nº 70072230709, Décima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Túlio de Oliveira Martins, Julgado em 16/02/2017)

No âmbito federal, a Lei nº 14.509, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2022, que dispõe sobre o percentual máximo aplicado para a contratação de operações de crédito com desconto automático em folha de pagamento, alterou a Lei nº 14.431, de 3 de agosto de 2022, prevendo que o total de consignações facultativas de que trata o caput deste artigo não excederá a 45% (quarenta e cinco por cento) da remuneração mensal.

Já no âmbito da Assembleia Legislativa do Estado de Santa Catarina, o ATO DA MESA Nº 440, DE 10 DE AGOSTO DE 2017, que dispõe sobre as consignações em folha de pagamento de deputados e ex-deputados estaduais e dos servidores ativos e inativos da Assembleia Legislativa e estabelece outras providências, estabelece que a soma mensal das consignações facultativas de cada consignado não poderá exceder o valor equivalente a 40% (quarenta por cento) do resultado encontrado pela subtração das consignações compulsórias da remuneração bruta.

O Parecer nº 0698/2005 do TCE-ES, da Procuradoria de Justiça de Contas entendeu pela legalidade de, existindo norma acerca da matéria, em proceder, o Legislativo, o desconto em folha de quaisquer parcelas, nos vencimentos do vereador/servidor, desde observado os limites impostos:

Trata-se de consulta, firmada pelo Senhor Evanildo José Sancio, na qualidade de Prefeito da Câmara Municipal de Santa Teresa/ES. Propõe o Consulente, o seguinte questionamento: “É permitido o Vereador (ou servidor) tomar empréstimo junto as Instituições Bancárias,sendo consignado em folha de pagamento as respectivas prestações mensais, uma vez que o referido empréstimo financeiro é avalizado em termos conceituais, através de contrato, pela Câmara Municipal?” A Consulta deve ser respondida. Comungando com o entendimento da análise técnica, entendemos que não há qualquer impedimento legal, dos vereadores/servidores na aquisição de empréstimos, junto a instituições bancárias, alienando pois, os vencimentos pertinentes, com desconto em folha de vencimentos, desde que, tal procedimento seja revestido de autorização, tanto do servidor, quanto da Administração. No que pertine à questão da garantia, por fiança, ou aval, com responsabilidade do Legislativo Municipal, tem-se como incabível tal procedimento, não cabendo à Administração Pública, garantir interesses privados de seus servidores, muito menos prestar garantia, para suprir eventual inadimplência. Como aduz a equipe técnica, “Não faz parte das obrigações, nem das faculdades de uma Administração Pública ser o garantidor de um contrato entre particulares ou entre particulares e economia mista”. A intermediação do Legislativo Municipal, dentro do âmbito da Consulta, deve se limitar a proceder, sob autorização do servidor, ao gravame de valores, pré-estabelecidos no contrato, cuja responsabilidade não deve recair sobre o erário, e sim, somente sobre o servidor e seus vencimentos. Assim, concluímos que, existindo norma acerca da matéria, não há qualquer ilegalidade em proceder, o Legislativo, o desconto em folha de quaisquer parcelas, nos vencimentos do vereador/servidor, desde observado os limites impostos neste Parecer. https://www.tcees.tc.br/wp-content/uploads/2017/07/PC005-05.pdf

Constata-se, portanto, que em linhas gerais o Projeto de Resolução nº 003/2023 está em conformidade com as regras do processo legislativo, com a Lei Orgânica e com o Regimento Interno, atendendo à competência e à iniciativa legislativa no que diz respeito à consignação facultativa em folha dos subsídios dos parlamentares.

Portanto, em relação ao conteúdo da proposta, não há qualquer inconformidade no que diz respeito à instituição da consagração Selo “Empresa Amiga do Jovem” no âmbito do Poder Legislativo. Trata-se de matéria interna corporis do Poder Legislativo, isto é, referente à organização dos procedimentos desenvolvidos na Câmara, temática imune ao controle judicial (“judicial review”), cabendo ao próprio Legislativo a sua definição, conforme expressa o art. 28, II, da LOM.

3. Conclusão:

 Diante do exposto, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Resolução nº 003/2023 e por sua regular tramitação, cabendo às Comissões Permanentes análise pormenorizada da matéria.

É o parecer.

Guaíba, 02 de março de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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02/03/2023 15:54:14
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