Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 016/2023
PROPONENTE : Ver. Miguel Crizel
     
PARECER : Nº 051/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei n.º 2.146/2006 que “Define os objetivos da política de desenvolvimento urbano, rural, social, ambiental, econômico, histórico - cultural e industrial e institui o Plano Diretor de Planejamento e Gestão do Município de Guaíba e dá outras providências""

1. Relatório:

 O Vereador Miguel Crizel (UB) apresentou o Projeto de Lei nº 016/2023 à Câmara Municipal, o qual “Altera a Lei n.º 2.146/2006 que “Define os objetivos da política de desenvolvimento urbano, rural, social, ambiental, econômico, histórico - cultural e industrial e institui o Plano Diretor de Planejamento e Gestão do Município de Guaíba e dá outras providências"”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria pela Presidência para análise nos termos do art. 105 do Regimento Interno.

2. DAS FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva, no sentido de alertar para inconformidades que possam estar presentes. Conforme Hely Lopes Meirellesna obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva”.

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Mérito:

De fato, a norma inscrita no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal outorga ao Presidente do Legislativo a possibilidade de devolução ao autor de proposições maculadas por manifesta inconstitucionalidade (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou de caráter pessoal (art. 105, III). Solução similar é encontrada no Regimento Interno da Câmara dos Deputados (art. 137, § 1º) – parlamento em que o controle vem sendo exercido –, no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI – em que a solução é o arquivamento) e em diversos outros regimentos de casas legislativas pátrias.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como o instituto do controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, considerado controle preventivo de constitucionalidade interno, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Nesses termos, a alteração pretendida no Plano Diretor se insere, efetivamente, na definição de interesse local. Isso porque, além de veicular tema de relevância para o Município, a proposta se refere ao planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano, matéria para a qual o Município é competente, conforme fundamenta o art. 30, VIII, da CF/88.

No que diz respeito à iniciativa, também está adequada, porque não há qualquer dispositivo constitucional que restrinja o poder de iniciativa no que concerne aos projetos de lei sobre o plano diretor. Aplica-se, em razão disso, a regra geral prevista no artigo 61, caput, da CF/88, artigo 59, caput, da CE/RS e artigo 38, caput, da LOM, segundo os quais a iniciativa dos projetos de lei, salvo disposição contrária, cabe a qualquer membro do Legislativo, comissão permanente da Câmara Municipal, ao Prefeito e ao eleitorado.Veja-se a jurisprudência do o STF e do TJRS sobre a iniciativa concorrente quanto à matéria:

Recurso extraordinário. Ação direta de inconstitucionalidade contra lei municipal, dispondo sobre matéria tida como tema contemplado no art. 30, VIII, da Constituição Federal, da competência dos Municípios. 2. Inexiste norma que confira a Chefe do Poder Executivo municipal a exclusividade de iniciativa relativamente à matéria objeto do diploma legal impugnado. Matéria de competência concorrente. Inexistência de invasão da esfera de atribuições do Executivo municipal. 3. Recurso extraordinário não conhecido. (RE 218110, Relator(a): NÉRI DA SILVEIRA, Segunda Turma, julgado em 02/04/2002, DJ 17-05-2002 PP-00073 EMENT VOL-02069-02 PP-00380)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. MUNICÍPIO DE CACHOEIRA DO SUL. ALTERAÇÃO DO PLANO DIRETOR. INICIATIVA CONCORRENTE DO PODER EXECUTIVO E DO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAIS. EXIGÊNCIA DE PARTICIPAÇÃO POPULAR NO PROCESSO LEGISLATIVO. ART. 177, § 5º, DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL. AUSÊNCIA DE DISCIPLINA CONSTITUCIONAL ACERCA DA FORMA DA PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE. AUDIÊNCIA PÚBLICA REALIZADA ANTES DA APROVAÇÃO DO PROJETO DE LEI QUE PROPORCIONOU RAZOÁVEL DISCUSSÃO DA MATÉRIA PELA POPULAÇÃO LOCAL. INCONSTITUCIONALIDADE NÃO CONFIGURADA. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA IMPROCEDENTE.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70064357361, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vicente Barrôco de Vasconcellos, Julgado em: 21-09-2015).

ADIN. CANOAS. LEI N. 4347, QUE ACRESCENTOU O PARÁGRAFO QUINTO AO ART. 14 DA LEI N. 1447/72, QUE DISPÕE SOBRE O PLANO DE DESENVOLVIMENTO UR-BANO. INICIATIVA DE LEI NÃO RESERVADA AO EXECUTIVO PELA CARTA ESTA-DUAL. COMPETÊNCIA CONCORRENTE. A infringência de lei municipal, não a carta estadual, mas tão somente aos cânones da lei orgânica do município ou aos preceitos de outra lei ordinária municipal, não caracteriza hipótese de inconstitucionalidade, eis ausente afronta a disposição constitucional. ADIN julgada improcedente. (Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 599163367, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Vasco Della Giustina, Julgado em: 13-12-1999).

Na mesma linha de entendimento, a jurisprudência do TJSP:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Lei nº 11.290, de 3 de janeiro de 2013, do Município de São José do Rio Preto, que permitiu a ampliação do potencial construtivo de imóveis localizados em pequena e específica região urbana ali definida. Inocorrência de vício de iniciativa do projeto de lei deflagrado pelo Legislativo Municipal, haja vista que a norma editada não regula matéria estrita-mente administrativa, afeta ao Chefe do Poder Executivo, delimitada pelos artigos 24, §2°, 47, incisos XVII e XVIII, 166 e 174 da CE, aplicáveis ao ente municipal, por expressa imposição da norma contida no artigo 144 daquela mesma Carta. Previsão legal que apenas tratou de tema pertinente ao uso e ocupação do solo urbano, inserido, portanto, na competência legislativa comum dos poderes Legislativo e Executivo, razão pela qual poderia mesmo decorrer de proposta parlamentar. (…)” (TJSP, ADI 0125155-62.2013.8.26.0000, rel. Des. Paulo Dimas Mascaretti, j. em 26.03.14, g.n.).

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI COMPLEMENTAR Nº 115, DE 30 DE NOVEMBRO DE 2016, DO MUNICÍPIO DE ITAPETININGA (…) NÃO CARACTERIZAÇÃO, ADEMAIS, DO VÍCIO DE INICIATIVA. MATÉRIA DE INICIATIVA CON-CORRENTE ENTRE O LEGISLATIVO E O EXECUTIVO. PRECEDENTES DO ÓRGÃO ESPECIAL NESSE SENTIDO (…) Não se observa, também, a afronta ao princípio da Separação de Poderes. Destaque-se, por imperioso, que a regra geral acerca da competência de iniciativa legislativa é a da competência concorrente, ou seja, tanto o Executivo, quanto o Legislativo, podem dar início aos projetos normativos. A competência privativa ou exclusiva, por sua vez, é a exceção e, como tal, deve ser tratada de forma restritiva. (…). Ademais, o artigo 47 da Constituição Estadual, ao tratar da competência privativa do Governador do Estado não traz em seu rol qualquer tópico relativo ao uso e a ocupação do solo. (…) É certo, assim, que a Câmara detém competência concorrente, para dispor acerca das regras gerais previstas no artigo 181, da Constituição Estadual (…). E essa é exatamente a hipótese dos autos, em que a Câmara Municipal, mediante projeto de iniciativa Parlamentar, tratou de questões afetas ao uso e ocupação do solo“ (TJSP, ADI 2255977-03.2016.8.26.0000, rel. Des. Amorim Cantuária, j. em 26.04.17, g.n.).

Na doutrina, Regina Maria Macedo Nery Ferrari (Direito Municipal, São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 237) afirma que “[...] o projeto de lei do plano diretor pode ser de iniciativa geral, isto é, não é de iniciativa privativa do Prefeito, podendo ser de autoria de qualquer membro ou comissão da Câmara, do Prefeito e até mesmo dos cidadãos, nos termos do inciso XII, do art. 29, da Constituição Federal”. Ademais, cabe recordar que o próprio Estatuto das Cidades é lei de iniciativa parlamentar (Projeto de Lei do Senado n.º 181, de 1989), de autoria do Senador Pompeu de Souza, com substitutivo do Senador Inácio Arruda, a demonstrar ser inconstitucional qualquer vedação genérica, ampla e abstrata à iniciativa do processo legislativo tão somente por tratar-se de matéria urbanística, a qual não consta no rol taxativo dos arts. 61, § 1.º da CF/88 e do art. 60, II, da CE/RS e, portanto, não está sob a ingerência exclusiva do Prefeito.

Como se percebe da leitura dos referidos arts. 61, § 1.º, da CF/88 e 60, II, da CE/RS, não há qualquer vedação à deflagração parlamentar do processo legislativo em matéria urbanística afeta ao Plano Diretor, pois a exclusividade da iniciativa, nas hipóteses excepcionalmente previstas, justifica-se na independência entre os poderes (art. 2.º da CF/88 e art. 5.º da CE/RS), descabendo ao Poder Legislativo ou a outra instituição desencadear o processo legislativo apenas para dispor sobre matérias ínsitas à organização, política remuneratória ou atribuições do Poder Executivo.

Quanto à matéria de fundo, o Projeto de Lei do Legislativo nº 016/2023 busca alterar a taxa de ocupação do Anexo 4 do Plano Diretor - Lei Municipal nº 2.146/2006, especificamente para lotes localizados no Bairro Jardim dos Lagos, Zona Mista 1, passando de 70% para 85%, desde que os 15% restantes sejam reservados na parte frontal do lote, sendo a alteração, como demonstrado, de interesse local e concernentes ao ordenamento da ocupação do solo urbano.

Salienta-se, contudo, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 177, § 5º, da Constituição Estadual[1] e no art. 40, § 4º, I, do Estatuto da Cidade[2]. Além disso, por tratar-se de projeto de lei complementar municipal, são exigidasa ampla divulgação e a realização de consulta pública para recebimento de sugestões da comunidade (art. 46, IV e § 1º, da LOM). Inclusive, o TJRS já declarou a inconstitucionalidade formal de leis municipais que, modificando o Plano Diretor, deixaram de oportunizar a participação popular:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 2.960/16, DO MUNICÍPIO DE NOVO HAMBURGO, A QUAL ALTERA A REDAÇÃO DA LEI INSTITUIDORA DO PLANO DIRETOR DE DESENVOLVIMENTO URBANO DO MUNICÍPIO. INOBSERVÂNCIA DO DEVIDO PROCESSO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DA OBRIGATÓRIA PARTICIPAÇÃO POPULAR PARA DISCUSSÃO ACERCA DO PLANO DIRETOR. INCONSTITUCIONALIDADE RECONHECIDA.A lei municipal objeto da presente ação direta de inconstitucionalidade padece de vício formal, pois alterou a lei instituidora do plano diretor de desenvolvimento urbano do Município sem observar o regular processo legislativo, que deve assegurar a participação popular na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, nos termos do preceito constante no art. 177, § 5º, da Constituição Estadual.[...] AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PROCEDENTE. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70072802689, Tribunal Pleno, TJRS, Rel.: Angela Terezinha de Oliveira Brito, Julg. em: 11-12-2017)

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 456/2006, DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DO NORTE, QUE INSTITUI O PLANO DIRETOR. EMENDA LEGISLATIVA Nº 005/2006, QUE ALTERA SUBSTANCIALMENTE A REDAÇÃO ORIGINAL DO ART. 38, QUE DISPÕE ACERCA DO ZONEAMENTO URBANO. DESRESPEITO, PELO LEGISLADOR NORTENSE, À NORMA QUE DETERMINA A PARTICIPAÇÃO DA COMUNIDADE NO PLANEJAMENTO URBANO, EM TODAS AS FASES DO PROCESSO DE FORMAÇÃO DA LEI. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL. VÍCIO QUE AFETA UNICAMENTE O DISPOSITIVO LEGAL ALTERADO PELA EMENDA MODIFICATIVA. OFENSA AOS ARTIGOS 29, XII, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL E ARTIGO 177, PARÁGRAFO 5º, DA CARTA POLÍTICA DO ESTADO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. (Ação Direta de Inconstitucionalidade Nº 70022471999, Tribunal Pleno, TJRS, Rel.: Osvaldo Stefanello, Julg. em 02/06/2008)

Além disso, também é obrigatória a realização de estudos técnicos para a alteração do Plano Diretor, dado que o exercício da competência constitucional do art. 30, VIII, da CF/88 – promoção do adequado ordenamento territorial – pressupõe o planejamento das ações idealizadas, cujos impactos sobre a cidade devem ser previamente conhecidos e, na medida do possível, reduzidos ou compensados. O processo legislativo que busque modificar o Plano Diretor deve, portanto, incorporar a racionalidade e o planejamento como elementos condutores das decisões políticas, sob pena de inconstitucionalidade formal:

O uso do paralelismo para exigência de estudos técnicos já foi objeto de decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP), que diversas vezes usou esse princípio para declarar a inconstitucionalidade de leis municipais que tratavam de planejamento urbanístico e elaboradas sem estudos técnicos, conforme procedimento de criação previsto na Constituição Estadual (WWF; FGV DIREITO SP, 2020).

Ação Direta de Inconstitucionalidade. Lei Municipal 11.810 de 09.10.18, dispondo sobre as regras específicas a serem observadas no projeto, no licenciamento, na execução, na manutenção e na utilização de contêineres como residências ou estabelecimentos comerciais de qualquer natureza. Vício de iniciativa. Inocorrência. Iniciativa legislativa comum. Recente orientação do Eg. Supremo Tribunal Federal. [...] Estudo prévio. Necessidade. Se no âmbito do Executivo esse planejamento ou prévios estudos se fazem necessários, de igual forma se justificam idênticas medidas para modificar a regra original. Precedentes. Procedente a ação. [ADIN 2276121-27.2018.8.26.0000, relator desembargador Evaristo dos Santos, j. em 08.05.2019]

CONSTITUCIONAL. URBANÍSTICO. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 6.274/09 DO MUNICÍPIO DE MOGI DAS CRUZES. PROCESSO LEGISLATIVO. PARTICIPAÇÃO COMUNITÁRIA. PROCEDÊNCIA. É inconstitucional lei municipal que altera a legislação de uso e ocupação do solo urbano sem assegurar a participação comunitária em seu processo legislativo, bem como o planejamento técnico (arts. 180, I, II e V, 181 e 191, CE). (ADI 0494816-60.2010.8.26.000, Rel. Des. JOSÉ REYNALDO, v.u., 14.09.2011).

Ainda, conforme o art. 310, inc. I, do Plano Diretor, compete ao Conselho Municipal do Plano Diretor “opinar sobre os projetos de Lei e de decretos necessários à atualização e complementação da Lei do Plano Diretor de Planejamento e Gestão Municipal, a Lei de Parcelamento do Solo e do Código de Obras”. Nesse sentido, compete às comissões permanentes diligenciarem para a obtenção dos pareceres a respeito da proposição, proporcionando a necessária participação popular das instâncias de controle social.

Por fim, destaca-se que o Ministério Público Estadual ingressou com ação civil pública em face do Município de Guaíba e da Câmara Municipal de Guaíba (Processo nº 5007073-48.2022.8.21.0052) buscando, entre outras medidas, que o Poder Legislativo seja ordenado a abster-se de cadastrar novas propostas legislativas de iniciativa parlamentar que tenham por objetivo a modificação do Plano Diretor. Embora tenha sido deferida a tutela de urgência pelo Juízo de primeiro grau, foi concedido efeito suspensivo em agravo de instrumento interposto pela Câmara Municipal de Guaíba no que tange ao item 2 da decisão recorrida[3], sendo determinada apenas a suspensão do PLL nº 083/2022 até o julgamento definitivo do recursoe mantida a multa cominatória já fixada. Ou seja, no cenário processual atual, não há impedimento à apresentação novas propostas legislativas, dado ter sido concedido efeito suspensivo parcial à tutela de urgência deferida.

Assim, em termos gerais, o PLL nº 016/2023 é juridicamente viável, uma vez que a matéria está compreendida nas competências legislativas municipais, a iniciativa legislativa é concorrente e a proposição é compatível com o interesse local. Porém, devem ser garantidas a ampla divulgação e a realização de audiências, consultas e debates visando à participação popular na construção da política, bem como a apresentação de estudos técnicos que subsidiem a modificação tendo em consideração os possíveis impactos sobre a cidade, além da necessária oitiva do Conselho Municipal do Plano Diretor (art. 310, I, da Lei nº 2.146/2006).

[1] Art. 177 [...]

§ 5º Os Municípios assegurarão a participação das entidades comunitárias legalmente constituídas na definição do plano diretor e das diretrizes gerais de ocupação do território, bem como na elaboração e implementação dos planos, programas e projetos que lhe sejam concernentes.

[2] Art. 40 [...]

§ 4º No processo de elaboração do plano diretor e na fiscalização de sua implementação, os Poderes Legislativo e Executivo municipais garantirão:

I – a promoção de audiências públicas e debates com a participação da população e de associações representativas dos vários segmentos da comunidade;

[3]2) à requerida Câmara de Vereadores: a) retire do plenário o PLL nº 083/2022 e anule eventuais votações para aprovação do referido projeto; e b) abstenha-se de cadastrar novas propostas legislativas oriundas do próprio Poder Legislativo e que tenham como escopo a modificação do Plano Diretor Municipal de Guaíba, devendo realizar eventuais sugestões de alterações ao PDM no escopo do Grupo de Trabalho de atualização do Plano, coordenado pelo Poder Executivo, de modo a propiciar a revisão conjunta e integral do PDM, assim como o cumprimento integral de todas as etapas estabelecidas para revisão do Plano.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina pela constitucionalidade do Projeto de Lei do Legislativo nº 016/2023, por inexistirem, até o presente momento, vícios formais ou materiais que impeçam a sua deliberação em Plenário.

Ressalta-se, porém, que é obrigatória a participação popular durante a tramitação do projeto, sob pena de inconstitucionalidade formal, tendo em vista que dispõe sobre a política de ordenamento territorial e ocupação do solo urbano, estando tal dever previsto no art. 177, § 5º, da CE/RS e no art. 40, § 4º, I, do Estatuto da Cidade. A mesma obrigação se extrai do § 1º do art. 46 da Lei Orgânica Municipal, porquanto a proposição tem natureza de lei complementar municipal. Logo, a completa viabilidade jurídica do projeto, sob o aspecto formal, está condicionada à ampla divulgação, à realização de consultas/audiências públicas para discussão da proposta e para o recebimento de sugestões da comunidade e à deliberação pelo Conselho Municipal do Plano Diretor (art. 310, inciso I, da Lei Municipal nº 2.146/2006).

Obrigatória, ainda, a apresentação de estudos técnicos que subsidiem as alteraçõestendo em conta os possíveis impactos sobre a cidade, pois as medidas públicas envolvendo matéria urbanística pressupõem o adequado planejamento, tal como se extrai do art. 30, VIII, da CF/88, sendo, portanto, requisito de constitucionalidade.

É o parecer.

Guaíba, 02 de março de 2023.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

 

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02/03/2023 14:53:58
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