PARECER JURÍDICO |
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"Altera a Lei nº 3.635/2018 que “Dispõe sobre a classificação de cargos, fixa vencimentos do quadro de servidores do Legislativo Municipal e dá outras providências" 1. Relatório:A Mesa Diretora apresentou o Projeto de Lei do Legislativo nº 015/2023 à Câmara Municipal, que altera a Lei Municipal nº 3.635/2018, que dispõe sobre a classificação de cargos, fixa vencimentos do quadro de servidores do Legislativo Municipal e dá outras providências. A proposta foi encaminhada a esta Procuradoria Jurídica para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:A Procuradoria da Câmara de Guaíba, órgão consultivo previsto no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante. Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.” Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico. 3. Mérito:Inicialmente, verifica-se estar adequada a iniciativa para a deflagração do processo legislativo, uma vez que o projeto de lei apresentado trata da organização do quadro de servidores da Câmara Municipal, o que compete à Mesa Diretora, nos termos dos arts. 27, III, e 28, III, da Lei Orgânica e do art. 28 do Regimento Interno:
Quanto à competência, não há qualquer óbice à proposta. Segundo o art. 30, I, da CF/88, “Compete aos Municípios legislar sobre assuntos de interesse local.” Também fixa o art. 6º da LOM: “Ao Município compete prover a tudo quanto diga respeito ao seu peculiar interesse e ao bem estar de sua população, cabendo-lhe privativamente dentre outras, as seguintes atribuições: legislar sobre assunto de interesse local.” Com efeito, a organização e estruturação do quadro de servidores do Legislativo Municipal são matérias de competência exclusiva da Câmara Municipal, como dispõe a LOM, cabendo a esta, por iniciativa da Mesa Diretora, a definição dos cargos públicos e o seu quantitativo, respeitados os comandos constitucionais. A proponente busca realizar modificações na lei que estabelece o quadro de cargos do Poder Legislativo Municipal, justificando a medida com o propósito de modernizar e qualificar a estrutura hoje existente, de satisfazer o interesse público primário e de atender ao princípio constitucional da eficiência (art. 37, caput, da CF/88). Da leitura da proposição, verificam-se as seguintes alterações: a) modificação da denominação e do requisito de provimento de escolaridade do cargo efetivo de Auxiliar de Apoio Administrativo, que passará a denominar-se “Analista Legislativo” e exigirá formação completa em ensino superior (art. 1º), permanecendo os atuais servidores do cargo enquadrados na carreira de ingresso de nível médio e os próximos, convocados por aprovação em concurso público, enquadrados na carreira de nível superior (art. 5º); b) criação de mais uma vaga do cargo efetivo de Analista Legislativo (ainda denominado de Auxiliar de Apoio Administrativo) e majoração do seu vencimento de R$ 3.768,30 para R$ 4.250,00 (art. 2º); c) revogação do § 7º do art. 6º, que veda o recebimento de gratificações por encargo pelos ocupantes de cargos em comissão e de funções de confiança (art. 3º); d) modificação do requisito de provimento de escolaridade da função gratificada de Coordenador de Recursos Humanos, que passará a exigir ensino superior completo (art. 4º). Quanto à alteração da denominação e do requisito de escolaridade do cargo público efetivo de Auxiliar de Apoio Administrativo, deve-se avaliar as circunstâncias da medida proposta levando em consideração, principalmente, a jurisprudência nacional que veda o ingresso no serviço público por meio de provimento derivado. Isso porque é pacífico na jurisprudência brasileira o entendimento de que, devido à regra constitucional do concurso público (art. 37, II, da CF/88) como meio de acesso ao serviço público, são inconstitucionais quaisquer modalidades que permitam a investidura de agente público em cargo que não integre a carreira para a qual tenha sido devidamente admitido. Em outras palavras, como já definiu o Supremo Tribunal Federal na Súmula Vinculante nº 43, não pode o agente público investir-se, sem prévia aprovação em concurso público, em cargo que não integra a sua carreira, valendo-se de meios interpostos de provimento derivado, não admitidos pela ordem jurídica. Nesse sentido, há diversas e incontáveis decisões dos Tribunais Superiores declarando a inconstitucionalidade de leis que operam a chamada ascensão funcional de servidores, que ocorre quando se permite ao agente público o ingresso em um cargo distinto e mais qualificado do que aquele no qual tenha sido investido anteriormente, a exemplo do caso a seguir citado, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade de lei que transforma os cargos de agente administrativo judiciário, de ensino fundamental, em cargos de escrevente técnico judiciário, de nível médio, ambos do quadro do Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo (TJM/SP):
O argumento que conduziu o voto do julgamento é no sentido de que o caso não reflete mera reestruturação administrativa, mas criação de cargo completamente distinto, que apresenta diferentes requisitos de ingresso, atribuições e remunerações, sendo vedado, pela Constituição Federal, o acesso a cargos efetivos sem a prévia realização de concurso público. Considerou a relatora, Min. Rosa Weber, que a lei tratou de, efetivamente, transferir servidores de um cargo para outro, em violação ao princípio da isonomia que determina a aferição de capacidade técnica mediante concursos públicos, tendo sido expressamente aplicada a Súmula Vinculante nº 43. Entende-se, porém, que a proposição em análise não está a tratar de simples ascensão funcional, vedada pelo ordenamento jurídico. Isso porque as circunstâncias das alterações propostas não revelam qualquer modificação do conjunto de deveres e responsabilidades dos servidores envolvidos, que, na realidade, manterão todas as atribuições do cargo para o qual foram admitidos e o seu devido enquadramento. Embora o Supremo Tribunal Federal já tenha decidido ser vedada a ascensão funcional de servidores de cargos de nível médio para nível superior (MS 23670, Relator(a): Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, julgado em 29/11/2001), também já entendeu, mais recentemente, na ADI nº 7.089, que inexiste qualquer vedação à reestruturação convergente de carreiras análogas, a exemplo da Lei Estadual nº 3.226/2008, do Estado de Amazonas, que, entre outros pontos, reclassificou cargos de escrivão e oficial de justiça para nível superior e encaminhou para extinção o cargo de escrevente:
Ou seja, o próprio Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade da lei amazonense que alterou o requisito de escolaridade dos cargos de escrivão e de oficial de justiça, passando-os de nível médio para nível superior, porquanto tal medida visa ao aprimoramento da habilitação técnica do quadro de servidores, o que tem sustento no princípio da eficiência administrativa (art. 37, caput, da CF/88). Na ADIn nº 4.303, em fevereiro de 2014, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que lei pode passar a exigir nível superior para cargos públicos, aumentando por consequência a sua remuneração:
De acordo com a decisão, pode a lei estabelecer modificações na estrutura de cargos de nível médio para alcançar o sistema remuneratório dos servidores aprovados em cargo de nível superior, desde que, em especial, sejam mantidos e preservados os enquadramentos dos servidores já admitidos, de modo a não configurar espécie de provimento derivado ou de equiparação remuneratória, vedadas pela Constituição: “[...] 11. No caso vertente, entretanto, não se há falar em equiparação porque foram mantidos os cargos de assistente e de auxiliar técnico, estes com nível de exigência diferenciado, a partir de agora, para os novos concursos, mas são os mesmos cargos.” A medida adotada pela proponente observou tal exigência, pois, segundo o art. 5º do PLL nº 015/2023, “Os atuais servidores ocupantes do cargo de Analista Legislativo permanecerão enquadrados na carreira de ingresso de nível médio, inclusive para fins de futuras progressões, sendo que, para ingressos a partir da publicação desta lei, o ingresso no cargo de Analista Legislativo, enquadrar-se-á na carreira de nível superior.” Isto é, os servidores que atualmente ocupam o cargo de Auxiliar de Apoio Administrativo – que passará a ser denominado de Analista Legislativo – permanecerão enquadrados na carreira tal como classificados originalmente (nível médio), valendo a nova regra para os próximos servidores a serem admitidos por concurso público, a demonstrar que o caso não reflete hipótese de ascensão funcional, até porque mantidas as atribuições do cargo, que apenas receberá denominação mais compatível com as relevantes funções do Legislativo. Ressalta-se, nessa mesma linha, o entendimento do DPM na Informação nº 282/2023, quando da análise da minuta do projeto de lei apresentado: “Extrai-se, portanto, que as decisões judiciais não autorizam a mera transposição do cargo de nível técnico para nível superior, mas sim admitem a alteração dos requisitos de ingresso de determinado cargo, cuja exigência surtirá efeitos a partir dos novos ingressos, não se aplicando aos servidores que atualmente estão titulando os cargos – situação que também poderia ser aplicada ao art. 5º do Projeto de Lei.” Também como destacado pela proponente, há vários exemplos de reestruturações de cargos por meio das quais se passou a exigir o nível de escolaridade superior para a admissão, de modo a satisfazer o interesse público:
Assim, desde que preservado o enquadramento dos servidores na carreira na qual foram admitidos (neste caso, de nível médio), como previsto pelo art. 5º, não há vedação à reestruturação do quadro de cargos públicos, com a exigência de requisitos mais qualificados de admissão, tal como a previsão do requisito de escolaridade de formação completa em ensino superior para os novos agentes, o que vai ao encontro do já citado princípio da eficiência, cujo potencial de alcance é maior com a fixação de maiores níveis de qualificação daqueles que buscam ingressar no serviço público. Quanto à criação de mais uma vaga do cargo efetivo de Analista Legislativo (ainda denominado de Auxiliar de Apoio Administrativo) e majoração do seu vencimento básico de R$ 3.768,30 para R$ 4.250,00 (art. 2º), cabe esclarecer que a CF/88, nos seus arts. 51, IV, e 52, XIII, estabelece que compete à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal dispor sobre a criação, transformação ou extinção dos seus cargos, norma que é qualificada como de reprodução obrigatória e, dessa forma, é repetida ainda que implicitamente nas ordens jurídicas dos demais entes federados. Reserva a CF/88, portanto, autonomia ao Poder Legislativo para a definição de seu quadro de pessoal, devendo a fixação dos padrões de vencimento e dos demais componentes do sistema remuneratório observar, conforme o art. 39, § 1º, (a) a natureza, o grau de responsabilidade e a complexidade dos cargos componentes de cada carreira, (b) os requisitos de investidura e (c) as peculiaridades do cargo. No caso em análise, entende a Mesa Diretora que, devido às características do cargo de Auxiliar de Apoio Administrativo (que passará a ser denominado de Analista Legislativo), deve ser concedido reajuste remuneratório, o que, como já referido, encontra-se na esfera de sua autonomia, desde que atendidos os requisitos de ordem orçamentária e financeira previstos na CF/88 e na Lei de Responsabilidade Fiscal. Nesse ponto, como bem tem ressaltado esta Procuradoria Jurídica, além do atendimento da competência e da iniciativa, o projeto que verse sobre a criação de cargos públicos ou sobre a estrutura de carreiras deve demonstrar o cumprimento de requisitos orçamentários previstos na CF/88 e na LRF. Prevê o art. 169 da CF/88:
Em relação à prévia dotação orçamentária, ficou comprovado no impacto orçamentário que há recursos suficientes para o atendimento da despesa, sem que se atinjam os limites aplicáveis ao Poder Legislativo em âmbito municipal. Quanto à autorização específica na Lei de Diretrizes Orçamentárias, verifica-se que há previsão no artigo 57, o que se comprova da leitura da Lei Municipal nº 4.263/2022:
Ainda, a estimativa do impacto orçamentário-financeiro contempla a previsão da classificação orçamentária por onde correrá a despesa, declaração de que existe previsão da despesa na LDO, demonstração do impacto no exercício corrente (2023) e nos dois posteriores, indicação dos percentuais de despesa e declaração de compatibilidade com as metas fiscais. Na Lei de Responsabilidade Fiscal, preceituam os artigos 15 e 16, inc. I e II:
Tais exigências estão devidamente atendidas pela estimativa de impacto orçamentário-financeiro apresentada no projeto. Ainda, dispõe o artigo 17 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00):
Quanto ao referido dispositivo legal, cabe repisar que a estimativa de impacto orçamentário-financeiro apresenta a origem dos recursos para seu custeio e contém premissas e metodologia de cálculo, não afetando os resultados das metas fiscais. Portanto, visto que não serão atingidos quaisquer dos limites previstos na CF/88 e na Lei Complementar nº 101/00, tem-se por cumpridas as exigências de caráter financeiro para a regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 015/2023. Em relação à revogação do § 7º do art. 6º, que veda o recebimento de gratificações por encargo pelos ocupantes de cargos em comissão e de funções de confiança (art. 3º), trata-se de matéria que também compete à própria Câmara Municipal definir no âmbito de sua autonomia organizacional, respaldada pelo art. 28 da Lei Orgânica Municipal, nada havendo expressamente, na CF/88 ou em outro parâmetro de constitucionalidade, que vede a percepção de gratificação por encargo por titulares de cargos em comissão ou funções de confiança, desde que, obviamente, acumulem as suas funções de direção, chefia ou assessoramento com as tarefas decorrentes do encargo. Por fim, no que concerne à alteração do requisito de escolaridade da função gratificada de Coordenador de Recursos Humanos, verifica-se que, de fato, como fundamentou a proponente, tal medida vai ao encontro de recomendações dos órgãos de controle no sentido do aprimoramento técnico das atividades de chefia, direção e assessoramento próprias das funções de confiança, de modo que as competências outorgadas reflitam, verdadeiramente, as atribuições inerentes à administração superior, as quais bem expressam a natureza jurídica dessas funções. 4. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 015/2023, por inexistirem vícios materiais ou formais manifestos que impeçam a sua deliberação em Plenário. Guaíba, 23 de fevereiro de 2023. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 23/02/2023 21:36:32 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 23/02/2023 ás 21:36:19. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação c62cb44f2bdc0fb71386402afaa79480.
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