Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 013/2023
PROPONENTE : Ver. Manoel Eletricista
     
PARECER : Nº 044/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Dispõe sobre a prioridade no atendimento aos portadores de diabetes que precisam fazer exames, coletas de sangue, ultrassonografia de abdômen e outros que necessitem de jejum em postos de saúde, clínicas, hospitais, laboratórios e similares situados no Município de Guaíba e dá outras providências."

1. Relatório:

O Vereador Manoel Eletricista (PSDB) apresentou à Câmara Municipal de Guaíba o Projeto de Lei do Legislativo nº 013/2023, o qual “Dispõe sobre a prioridade no atendimento aos portadores de diabetes que precisam fazer exames, coletas de sangue, ultrassonografia de abdômen e outros que necessitem de jejum em postos de saúde, clínicas, hospitais, laboratórios e similares situados no Município de Guaíba e dá outras providências”. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno, a fim de que seja efetivado o controle quanto à constitucionalidade, à competência da Câmara e ao caráter pessoal das proposições.

2. Mérito:

De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros.

A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único).

Efetivamente, a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da CF/88:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I - legislar sobre assuntos de interesse local;

II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

III - instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV - criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI - manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII - prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII - promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

 IX - promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

Alexandre de Moraes afirma que "interesse local refere-se aos interesses que disserem respeito mais diretamente às necessidades imediatas do município, mesmo que acabem gerando reflexos no interesse regional (Estados) ou geral (União)" (in Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª ed., São Paulo: Atlas, 2013, p. 740).

Da leitura das normas da propositura legislativa, pode-se concluir que trata, predominantemente de matéria de interesse local. No caso de serviços de atendimento à saúde da população, a própria CF/88 presume, em seu art. 30, VII, a existência de interesse local, legitimando a competência legislativa do Município (vide ADPF 109, relator ministro Edson Fachin - https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=749050355), observadas certas diretrizes (compatibilidade com as normas editadas pela União, e.g.).

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei nº 013/2023 dispõe sobre a promoção da dignidade humana e a inclusão social da pessoa com diabetes, porquanto não incidente sobre qualquer dos temas de iniciativa privativa:

Art. 60.  São de iniciativa privativa do Governador do Estado as leis que:

I - fixem ou modifiquem os efetivos da Brigada Militar e do Corpo de Bombeiros Militar; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 67, de 17/06/14)

II - disponham sobre:

a) criação e aumento da remuneração de cargos, funções ou empregos públicos na administração direta ou autárquica;

b) servidores públicos do Estado, seu regime jurídico, provimento de cargos, estabilidade e aposentadoria de civis, e reforma ou transferência de militares para a inatividade;

c) organização da Defensoria Pública do Estado;

d) criação, estruturação e atribuições das Secretarias e órgãos da administração pública.

De fato, as disposições normativas insculpidas na Constituição Federal Cidadã de 1988 colocam, com efeito, a dignidade humana como um dos fundamentos do Estado Brasileiro, conforme se observa da norma principiológica contida no art. 1º do seu texto, consignando, em seguida, no art. 3º, a redução das desigualdades e tratamento igualitário, evitando quaisquer discriminações.

É elogiosa a proposta legislativa, visto que pretende instituir pela via legislativa matéria que diz respeito à proteção à saúde

Em precedentes, o STF exarou entendimento de que propostas análogas não incorriam em vício de iniciativa, na linha da decisão da Suprema Corte no julgamento da ADI 2.875, na qual julgou constitucional lei distrital que obrigava médicos públicos e particulares a notificarem a Secretaria de Saúde sobre os casos de câncer de pele, verbis:

Dispositivo de lei distrital que obriga os médicos públicos e particulares do Distrito Federal a notificarem a Secretaria de Saúde sobre os casos de câncer de pele não é inconstitucional. Matéria inserida no âmbito da competência da União, Estados e Distrito Federal, nos termos do art. 23, II, da CF. Exigência que encontra abrigo também no art. 24, XII, da Carta Magna, que atribui competência concorrente aos referidos entes federativos para legislar sobre a defesa da saúde. ADI 2875. 12/06/2008.

Há ainda, na jurisprudência, o reconhecimento da constitucionalidade de normas de iniciativa parlamentar que prevejam garantias distintas a pessoas com determinadas condições que mereçam proteção e inserção social, inclusive no âmbito do serviço público:

Ementa: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. PROCESSO LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE VÍCIO FORMAL DE INICIATIVA NA ELABORAÇÃO DA LEI MUNICIPAL Nº 1.671/2007 DE NOVO HAMBURGO QUE CONCEDE O DIREITO À PRIORIDADE DE ATENDIMENTO EM HOSPITAIS E POSTOS DE SAÚDE (EXCETO EMERGENCIAIS), ÀS PESSOAS IDOSAS E PORTADORAS DE DEFICIÊNCIA. INICIATIVA CONCORRENTE DOS PODERES LEGISLATIVO E EXECUTIVO. Assim como na esfera da União não é conferida exclusividade de iniciativa para projetos de lei que disponham sobre serviços públicos federais, salvo dos Territórios, não poderia, não pode, e como efetivamente não fez o constituinte estadual reservar ao Governador a prerrogativa. Tanto que na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, por conta do modelo federal, não há dispositivo que confira ao Chefe do Executivo reserva de iniciativa de leis sobre serviços públicos. Confira-se o art. 82 da CE. Forçoso reconhecer, assim, a ausência de qualquer vício de iniciativa na elaboração da Lei Municipal nº 1.671/2007, que assegura o direito à prioridade de atendimento em hospitais e postos de saúde (exceto emergenciais), sediados no Município de Novo Hamburgo, às pessoas idosas e portadoras de deficiência. Aos idosos e deficientes, a Constituição Federal consagra especial proteção, outorgando-lhes garantias distintas e específicas com vistas a promover sua inserção social, como dispõem os seguintes preceitos : artigos 7º, XXXI, 23, II, 24, XIV, 37, VIII, 203, IV e V, 208, III, 227, parágrafos 1º, II, e 2º, 230 e 244. Daí que a legislação municipal não só podia como pode e deve obrigatoriamente amparar, e como efetivamente amparou os idosos e os portadores de deficiência em ordem de atenuar as dificuldades que lhes são próprias seja de inserção social, seja de relacionamento humano e atendimento médico-hospitalar. Inconstitucionalidade na parte que estipula prazo para edição do regulamento pelo Poder Executivo, por desafeição aos princípios da harmonia e independência entre poderes. AÇÃO JULGADA PARCIALMENTE PROCEDENTE. UNÂNIME.(Ação Direta de Inconstitucionalidade, Nº 70027105352, Tribunal Pleno, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Genaro José Baroni Borges, Julgado em: 14-12-2009).

Em resumo, de forma geral, a matéria é viável, por dar concretude aos comandos constitucionais relativos à proteção da saúde no âmbito local do Município de Guaíba e traduzem preceitos de status constitucional que sintetizam o direito fundamental à saúde.

 

Verifica-se, ademais, que normas com tal conteúdo já vigem em diversos entes da federação: Estado de Rondônia (https://www.al.ro.leg.br/institucional/noticias/diabeticos-terao-prioridade-para-exames-medicos-em-jejum-total-garante-projeto-do-deputado-anderson-pereira); Município de Santos (https://leismunicipais.com.br/a/sp/s/santos/lei-ordinaria/2021/382/3815/lei-ordinaria-n-3815-2021-concede-prioridade-no-atendimento-aos-usuarios-portadores-de-diabetes-nos-casos-da-realizacao-de-exames-medicos-em-jejum-total); Município de Cruz Alta; Estado do Amazonas (https://sapl.al.am.leg.br/media/sapl/public/normajuridica/2020/11135/5341.pdf), Estado do Mato Grosso (https://www.al.mt.gov.br/midia/texto/prioridade-a-diabeticos-em-rede-de-saude-vira-lei-em-mt/visualizar), dentre outros.

3. Conclusão:

 Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa do parecer jurídico, que não vincula, por si só, a manifestação das comissões permanentes e a convicção dos membros desta Câmara, e assegurada a soberania do Plenário, a Procuradoria opina ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Legislativo nº 013/2023.

É o parecer.

Guaíba, 22 de fevereiro de 2023.

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador Geral da Câmara Municipal

OAB/RS 107.136

 

Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:
ICP-BrasilFERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS:01902836022
22/02/2023 15:34:52
Documento publicado digitalmente por FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS em 22/02/2023 ás 15:34:30. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação 384aee2a54eb89d40c13845e60fc37a1.
A autenticidade deste poderá ser verificada em https://www.camaraguaiba.rs.gov.br/autenticidade, mediante código 153972.