PARECER JURÍDICO |
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"Altera o art. 2º da Lei Municipal nº 3.783, de 13 de maio de 2019, que institui, no Município de Guaíba, o Dia Municipal da Fibromialgia e garante a utilização de filas preferenciais e de vagas de estacionamento preferenciais aos portadores da doença" 1. Relatório:O Vereador Marcos SJ apresentou à Câmara Municipal de Guaíba o Projeto de Lei do Legislativo nº 012/23, que altera o art. 2º da Lei Municipal nº 3.783, de 13 de maio de 2019, que institui, no Município de Guaíba, o Dia Municipal da Fibromialgia e garante a utilização de filas preferenciais e de vagas de estacionamento preferenciais aos portadores da doença. A proposta foi encaminhada à Procuradoria Jurídica pelo Presidente da Câmara Municipal para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno. 2. Mérito:De fato, a norma insculpida no art. 105 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Guaíba prevê que cabe ao Presidente do Legislativo a prerrogativa de devolver ao autor as proposições manifestadamente inconstitucionais (art. 105, II), alheias à competência da Câmara (art. 105, I) ou ainda aquelas de caráter pessoal (art. 105, III). O mesmo controle já é exercido no âmbito da Câmara dos Deputados, com base em seu Regimento Interno (art. 137, § 1º), e no Regimento Interno do Senado Federal (art. 48, XI), e foi replicado em diversos outros regimentos internos de outros parlamentos brasileiros. A doutrina trata do sentido da norma jurídica inscrita no art. 105 do Regimento Interno caracterizando-o como um controle de constitucionalidade político ou preventivo, sendo tal controle exercido dentro do Parlamento, através de exame superficial pela Presidência da Mesa Diretora, com natureza preventiva e interna, antes que a proposição possa percorrer o trâmite legislativo. Via de regra, a devolução se perfaz por despacho fundamentado da Presidência, indicando o artigo constitucional violado, podendo o autor recorrer da decisão ao Plenário (art. 105, parágrafo único). Efetivamente, a proposição encontra respaldo no que diz respeito à autonomia e à competência legislativa do Município, insculpidas no artigo 18 da CF/88:
A alteração pretendida se insere na definição de interesse local, pois diz respeito ao âmbito do Município de Guaíba, além de se referir à competência constitucional de legislar sobre assuntos de interesse local, entre os quais está o cuidado com a saúde e a promoção da assistência pública, na forma do art. 23, II, da CF/88. A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei do Legislativo nº 012/23 dispõe sobre a promoção da dignidade humana das pessoas portadoras de fibromialgia, doença incapacitante que, em variadas legislações de outros entes, é equiparada às deficiências, matéria sobre a qual já existem diversas iniciativas que reconhecem direitos a comodidades especiais, como o atendimento preferencial e as vagas de estacionamento exclusivas. Nesse sentido, veja-se o art. 60 da Constituição Estadual do RS, acerca das hipóteses de iniciativa legislativa privativa do Chefe do Poder Executivo:
Como se verifica da leitura da alínea “d” do inciso II do dispositivo citado, são de iniciativa privativa do Chefe do Poder Executivo as proposições que tratem da criação, da estruturação e de atribuições das secretarias e demais órgãos da Administração Pública. Neste caso, porém, embora a pretendida nova redação do art. 2º da Lei Municipal nº 3.783/19 esteja aparentemente criando nova atribuição, não se trata, na realidade, de algo novo, mas reproduzido de normas da esfera federal e de incidência nacional: os arts. 1º e 2º da Lei nº 10.048, de 8 de novembro de 2000, já garantem às pessoas com deficiência o direito ao atendimento prioritário em repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos, de modo que o efeito prático da proposição apresentada é estender às pessoas portadoras de fibromialgia o mesmo direito, equiparando-se, para essa finalidade, às pessoas com deficiência. Por esse motivo, vislumbrando-se a prévia existência de norma que institui, para as pessoas com deficiência, o direito ao atendimento preferencial em repartições públicas, é de se reconhecer que a proposição, nesse ponto, não está a criar nova atribuição aos órgãos da Administração Pública, dado que a obrigação já existe por efeito da normativa federal. O que se está a concretizar, efetivamente, é a dignidade humana das pessoas com fibromialgia pelo tratamento equivalente às pessoas com deficiência, o que já se identifica em legislações de outros entes federados. Destarte, a proposição está apropriada quanto à iniciativa. Quanto à matéria de fundo, também não há óbices. Isso porque o texto constitucional determina a obrigação do Estado, em sentido amplo, de oferecer condições de acessibilidade às pessoas com deficiência (aqui equivalentes às pessoas com fibromialgia), de modo a eliminar e/ou reduzir as barreiras que impossibilitam o pleno exercício das suas garantias. O Decreto nº 6.949, de 25/08/2009, que promulgou a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo – norma que, aliás, possui o status de emenda constitucional –, prevê, no artigo 4º, 1, que “Os Estados Partes se comprometem a assegurar e promover o pleno exercício de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais por todas as pessoas com deficiência, sem qualquer tipo de discriminação por causa de sua deficiência”, comprometendo-se a: “a) Adotar todas as medidas legislativas, administrativas e de qualquer outra natureza, necessárias para a realização dos direitos reconhecidos na presente Convenção.” A mesma convenção internacional, que integra o texto constitucional por ter sido aprovada na forma do art. 5º, § 3º, da CF/88, define pessoas com deficiência como “aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas.” (artigo 1). Da mesma forma, no âmbito infraconstitucional, a Lei nº 13.146/2015, que instituiu a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, estabelece, no artigo 2º: “Considera-se pessoa com deficiência aquele que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.” Prevê, ainda, o art. 8º do Estatuto, a respeito dos direitos básicos das pessoas com deficiência:
Desse modo, a partir da introdução, na Constituição Federal de 1988, de todas as normas previstas na Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, o conceito de pessoa com deficiência foi ampliado, abrangendo não só as condições previstas no art. 5º do Decreto nº 5.296/04, como também todo impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial que possa obstruir a participação da pessoa na sociedade em igualdade de condições com os demais. A definição, como se vê, é aberta, permitindo que os portadores de fibromialgia possam ser enquadrados como pessoas com deficiência, dada a natureza incurável da síndrome, que limita no aspecto físico a participação das pessoas na sociedade em igualdade de condições. Conforme dados médicos retirados da internet[1],
Há ainda, na jurisprudência, o reconhecimento desse conceito aberto de pessoa com deficiência, construído a partir da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu Protocolo Facultativo, extensível aos portadores de fibromialgia:
Portanto, à luz dos fundamentos expostos, é possível reconhecer aos portadores de fibromialgia a condição de pessoas com deficiência, estendendo-lhes o direito de receber atendimento preferencial e a utilização de vaga de estacionamento privativa, inclusive nos órgãos públicos – por iniciativa legislativa parlamentar –, dados os efeitos decorrentes dos arts. 1º e 2º da Lei nº 10.048/2000, que já estabelecem o direito às pessoas com deficiência, de modo que, assim sendo, não se trata de criação de nova atribuição aos órgãos públicos. [1] https://drauziovarella.uol.com.br/doencas-e-sintomas/fibromialgia/ 3. Conclusão:Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela legalidade e regular tramitação do Projeto de Lei do Legislativo nº 012/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário. Guaíba, 16 de fevereiro de 2023. GUSTAVO DOBLER Procurador OAB/RS nº 110.114B Documento Assinado Digitalmente no padrão ICP-Brasil por:![]() 16/02/2023 21:01:18 ![]() 23/02/2023 19:38:22 |
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Documento publicado digitalmente por GUSTAVO DOBLER em 16/02/2023 ás 21:00:34. Chave MD5 para verificação de integridade desta publicação c400999f6d5a0b75f1eb88ab773f9d55.
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