Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Projeto de Lei do Legislativo n.º 008/2023
PROPONENTE : Ver. Alex Medeiros
     
PARECER : Nº 037/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Altera a Lei Municipal n.º 3208/2014, que Institui o Código Tributário Municipal do Município de Guaíba."

1. Relatório:

O Vereador Alex Medeiros apresentou o Projeto de Lei nº 008/2023 à Câmara Municipal, objetivando alterar o inciso VII do art. 29 da Lei Municipal nº 3.208/2014, que institui o Código Tributário Municipal. A proposição foi encaminhada a esta Procuradoria para análise com fulcro no art. 105 do Regimento Interno.

2. FUNÇÕES DA PROCURADORIA JURÍDICA:

A Procuradoria Jurídica da Câmara de Guaíba, órgão consultivo com previsão no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18, exerce as funções de assessoramento jurídico e de orientação da Mesa Diretora, da Presidência da Casa e dos setores legislativos, através da emissão de pareceres escritos e verbais, bem como de opiniões fundamentadas objetivando a tomada de decisões, por meio de reuniões, de manifestações escritas e de aconselhamentos. Trata-se de órgão público que, embora não detenha competência decisória, orienta juridicamente o gestor público e os setores legislativos, sem caráter vinculante.

Os pareceres jurídicos são atos resultantes do exercício da função consultiva desta Procuradoria Jurídica, no sentido de alertar para eventuais inconformidades que possam estar presentes. Conforme leciona Hely Lopes Meirelles na obra Direito Administrativo Brasileiro, 41ª ed., Malheiros Editores: São Paulo, 2015, p. 204, “O parecer tem caráter meramente opinativo, não vinculando a Administração ou os particulares à sua motivação ou conclusões, salvo se aprovado por ato subsequente. Já, então, o que subsiste como ato administrativo não é o parecer, mas, sim, o ato de sua aprovação, que poderá revestir a modalidade normativa, ordinatória, negocial ou punitiva.”

Desse modo, a função consultiva desempenhada por esta Procuradoria com base no art. 3º da Lei Municipal nº 3.687/18 – que dispõe sobre a organização administrativa da Câmara Municipal de Guaíba – não é vinculante, motivo pelo qual é possível, se for o caso, que os agentes políticos formem suas próprias convicções em discordância com as opiniões manifestadas por meio do parecer jurídico.

3. Mérito:

O artigo 18 da Constituição Federal de 1988, inaugurando o tema da organização do Estado, prevê que “A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.” O termo “autonomia política”, sob o ponto de vista jurídico, congrega um conjunto de capacidades conferidas aos entes federados para instituir sua organização, legislação, administração e governo próprios.

A autoadministração e a autolegislação, contemplando o conjunto de competências materiais e legislativas previstas na Constituição Federal para os Municípios, é tratada no artigo 30 da Lei Maior, nos seguintes termos:

Art. 30. Compete aos Municípios:

I – legislar sobre assuntos de interesse local;

II – suplementar a legislação federal e a estadual no que couber;

III – instituir e arrecadar os tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas, sem prejuízo da obrigatoriedade de prestar contas e publicar balancetes nos prazos fixados em lei;

IV – criar, organizar e suprimir distritos, observada a legislação estadual;

V – organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;

VI – manter, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação infantil e de ensino fundamental; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 53, de 2006)

VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;

VIII – promover, no que couber, adequado ordenamento territorial, mediante planejamento e controle do uso, do parcelamento e da ocupação do solo urbano;

IX – promover a proteção do patrimônio histórico-cultural local, observada a legislação e a ação fiscalizadora federal e estadual.

As alterações pretendidas se inserem na definição de interesse local, pois dizem respeito ao âmbito do Município de Guaíba, além de se referirem à competência constitucional de arrecadar os tributos que cabem ao referido ente federativo, entre os quais está o IPTU, objeto da proposição.

A iniciativa para o processo legislativo, por sua vez, também está adequada, visto que o Projeto de Lei do Legislativo nº 008/2023 propõe alterações no Código Tributário Municipal, matéria para a qual é reconhecida a iniciativa concorrente, nos termos do artigo 61 da CF/88, artigo 59 da CE/RS e artigo 38 da Lei Orgânica Municipal.

A respeito disso, cumpre salientar que, segundo o entendimento jurisprudencial dominante, cabe ao Município a responsabilidade pela consecução de sua legislação tributária, pertencendo ao Executivo, ao Legislativo e, ainda, à população, através de iniciativa popular, a iniciativa dos referidos projetos de lei, por não haver qualquer restrição expressa à iniciativa para matéria tributária:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO OPOSTOS DE DECISÃO MONOCRÁTICA. CONVERSÃO EM AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSO LEGISLATIVO. NORMAS SOBRE DIREITO TRIBUTÁRIO. INICIATIVA CONCORRENTE ENTRE O CHEFE DO PODER EXECUTIVO E OS MEMBROS DO LEGISLATIVO. POSSIBILIDADE DE LEI QUE VERSE SOBRE O TEMA PERCUTIR NO ORÇAMENTO DO ENTE FEDERADO. IRRELEVÂNCIA PARA FINS DE DEFINIÇÃO DOS LEGITIMADOS PARA A INSTAURAÇÃO DO PROCESSO LEGISLATIVO. AGRAVO IMPROVIDO. I. A iniciativa de leis que versem sobre matéria tributária é concorrente entre o chefe do poder executivo e os membros do legislativo. II. A circunstância de as leis que versem sobre matéria tributária poderem repercutir no orçamento do ente federado não conduz à conclusão de que sua iniciativa é privativa do chefe do executivo. III. Agravo Regimental improvido. (STF - RE: 590697 MG, Relator: Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Data de Julgamento: 23/08/2011, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-171 DIVULG 05-09-2011 PUBLIC 06-09-2011 EMENT VOL-02581-01 PP- 00169).

Verifica-se, no caso, que não há qualquer limitação constitucional à propositura de projeto por Vereador sobre a matéria tratada, já que, com base nos fundamentos acima expostos, não se constata qualquer hipótese de iniciativa privativa e/ou exclusiva.

Quanto à matéria de fundo, verifica-se que o proponente busca alterar o inciso VII do art. 29 do Código Tributário Municipal, que trata das isenções de IPTU, para retirar da redação legal o requisito relativo ao valor venal do imóvel a que se refere o pedido de isenção, hoje limitado à primeira faixa de valores constante na Tabela 2 do Anexo 2 do Código Tributário Municipal, conforme redação estabelecida pela Lei Municipal nº 4.103, de 29 de dezembro de 2021, deste Município de Guaíba.

Nesse sentido, de acordo com o art. 176 do Código Tributário Nacional (CTN), “A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração.” Ou seja, a isenção é matéria que decorre sempre de lei, cuja interpretação é literal (art. 111, II, do CTN), competindo à legislação definir as condições e os requisitos de outorga, bem como o seu campo de aplicação.

Além disso, quanto à modificabilidade da isenção, segundo o art. 178 do CTN, “A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do art. 104.” Resumidamente, é preciso distinguir as isenções entre (1) onerosas: são aquelas concedidas por prazo certo, que exigem do contribuinte uma contrapartida ou cumprimento de determinados requisitos, e as (2) não onerosas: são concedidas por mera liberalidade, por prazo indeterminado e sem exigência de contrapartida do beneficiário.

As isenções onerosas não podem ser livremente suprimidas ou modificadas, conforme entendimento pacificado na Súmula 544 do STF (“Isenções tributárias concedidas sob condição onerosa não podem ser livremente suprimidas”), por existir, nessas hipóteses, direito adquirido (art. 5º, XXXVI, da CF/88). Já as isenções não onerosas, por outro lado, podem ser revogadas ou modificadas por lei a qualquer tempo, já que, por se tratar de simples liberalidade, não há quebra do princípio da confiança legítima.

Redação atual

Redação pretendida

VII – O único imóvel de propriedade do contribuinte, desde que devidamente registrado no Oficio de Registro de Imóveis de Guaíba, ou do usucapiente, ou do possuidor com justo título e boa-fé, estes últimos com pelo menos 5 anos de posse mansa e pacifica, além de utilizado exclusivamente para residência familiar. Necessário, ainda, que a soma da renda mensal do proprietário e seu cônjuge ou companheiro, independente do regime de bens do casamento; do usucapiente e do seu cônjuge ou companheiro (a), independente do regime de bens do casamento; ou do possuidor com justo título e boa-fé e seu cônjuge ou companheiro (a), independente do regime de bens do casamento, não ultrapasse o equivalente a 2 (dois) salários mínimos de referência nacional e que o valor venal do imóvel seja limitado ao valor constante na tabela 2, do anexo 2, primeira faixa de valores, deste Código. É condição que os requerentes e seus respectivos cônjuges e/ou companheiros (as), não possuam qualquer outro imóvel, edificado ou não, dentro dos limites do município de Guaíba;

VII – O único imóvel de propriedade do contribuinte, desde que devidamente registrado no Oficio de Registro de Imóveis de Guaíba, ou do usucapiente, ou do possuidor com justo título e boa-fé, estes últimos com pelo menos 5 anos de posse mansa e pacifica, além de utilizado exclusivamente para residência familiar. Necessário, ainda, que a soma da renda mensal do proprietário e seu cônjuge ou companheiro, independente do regime de bens do casamento; do usucapiente e do seu cônjuge ou companheiro (a), independente do regime de bens do casamento; ou do possuidor com justo título e boa-fé e seu cônjuge ou companheiro (a), independente do regime de bens do casamento, não ultrapasse o equivalente a 2 (dois) salários mínimos de referência nacional. É condição que os requerentes e seus respectivos cônjuges e/ou companheiros (as), não possuam qualquer outro imóvel, edificado ou não, dentro dos limites do Município de Guaíba;

Constata-se que a isenção estabelecida no inciso VII do art. 29 do Código Tributário Municipal é onerosa, por ser concedida por prazo certo (a cada três anos – § 3º do art. 29) e por demandar o cumprimento de requisitos pelos contribuintes. Nessa linha, em que pese não haja óbice à modificação legal dos requisitos para a concessão de isenção, ressalta-se que, nos termos da Súmula 544 do STF, aqueles que têm a isenção vigente sob as condições da legislação municipal atual possuem o direito adquirido à manutenção do benefício pelo prazo concedido, aplicando-se as diretrizes somente quando da renovação da isenção.

Analisando-se com cautela o conteúdo do Projeto de Lei do Legislativo nº 008/23, verifica-se que se trata de redação ampliativa das isenções, por excluir da redação legal o requisito referente ao valor venal do imóvel, que hoje não deve ultrapassar a primeira faixa de valores constante na Tabela 2 do Anexo 2 do Código Tributário Municipal (R$ 170.000,00). Em resumo, pela nova redação, poderão se beneficiar da isenção de IPTU as pessoas que atendam aos requisitos do inciso VII do art. 29, independentemente do valor venal de seu imóvel, o que implica, consequentemente, um aumento do potencial de renúncia de receitas.

Isso porque, ao prever a ampliação do alcance da isenção tributária já existente, o Município agrava a sua renúncia de receitas, exigindo-se, para tanto, a juntada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, com a demonstração do atendimento ao disposto na LDO e, ao menos, de uma das seguintes condições: 1) comprovação de que essa renúncia ampliada foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA e de que não afetará as metas de resultados fiscais; ou 2) comprovação de medidas de compensação, no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição. Veja-se o disposto no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal, sobre as exigências financeiras para a concessão de benefícios fiscais:

Art. 14. A concessão ou ampliação de incentivo ou benefício de natureza tributária da qual decorra renúncia de receita deverá estar acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deva iniciar sua vigência e nos dois seguintes, atender ao disposto na lei de diretrizes orçamentárias e a pelo menos uma das seguintes condições:

I – demonstração pelo proponente de que a renúncia foi considerada na estimativa de receita da lei orçamentária, na forma do art. 12, e de que não afetará as metas de resultados fiscais previstas no anexo próprio da lei de diretrizes orçamentárias;

II – estar acompanhada de medidas de compensação, no período mencionado no caput, por meio do aumento de receita, proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

§ 1º A renúncia compreende anistia, remissão, subsídio, crédito presumido, concessão de isenção em caráter não geral, alteração de alíquota ou modificação de base de cálculo que implique redução discriminada de tributos ou contribuições, e outros benefícios que correspondam a tratamento diferenciado.

§ 2º Se o ato de concessão ou ampliação do incentivo ou benefício de que trata o caput deste artigo decorrer da condição contida no inciso II, o benefício só entrará em vigor quando implementadas as medidas referidas no mencionado inciso.

§ 3º O disposto neste artigo não se aplica:

I – às alterações das alíquotas dos impostos previstos nos incisos I, II, IV e V do art. 153 da Constituição, na forma do seu § 1º;

II – ao cancelamento de débito cujo montante seja inferior ao dos respectivos custos de cobrança.

Assim, como referem expressamente o caput e o § 1º do dispositivo, a concessão de isenções tributárias configura renúncia de receita, só sendo juridicamente viável quando estiver acompanhada de demonstração de que foi devidamente planejada e estimada na lei orçamentária anual, não afetando as metas de resultados fiscais, ou de que haverá compensação mediante aumento de receitas por outras fontes, além da necessária previsão na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Tais complementações são necessárias à total viabilidade jurídica do Projeto de Lei do Legislativo nº 008/2023, uma vez que ausentes na proposta até o presente momento.

Essa complementação documental, de todo modo, poderá ser obtida no âmbito da Comissão de Constituição, Justiça e Redação, regimentalmente competente para aferir a constitucionalidade e a legalidade das proposições da Câmara de Vereadores. Como já se esclareceu em outros momentos, a prerrogativa conferida ao Presidente pelo art. 105 do Regimento Interno só autoriza a devolução das proposições manifestamente inconstitucionais, não cabendo juízo de mera legalidade pelo titular do Poder Legislativo. Tal análise cabe, regimentalmente, à Comissão de Justiça e Redação, já que a formação do Poder Legislativo como órgão colegiado e democrático referenda a premissa de ser coletiva a apreciação final da constitucionalidade das proposições. É por esse motivo só é viável a devolução ao proponente, à luz do art. 105 do Regimento, quando a inconstitucionalidade for inquestionável, remetendo as demais proposições à análise das comissões competentes mesmo quando exista dúvida ou falta de total clareza sobre a viabilidade jurídica.

Na presente situação, como já esclarecido, não há inconstitucionalidade manifesta quanto à possibilidade de se ampliar a isenção, ficando, desde já, o alerta de que a completa viabilidade jurídica está condicionada ao cumprimento das recomendações deste parecer jurídico, notadamente do exigido no art. 14 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/00) e no art. 46, III e § 1º, da Lei Orgânica Municipal, sem impedimento para que sejam solicitados novos pareceres jurídicos.

4. Conclusão:

Diante do exposto, respeitada a natureza opinativa e não vinculante do parecer jurídico, a Procuradoria opina pela ausência de inconstitucionalidade manifesta do Projeto de Lei do Legislativo nº 008/2023. No entanto, a total viabilidade jurídica está condicionada: I) à tramitação na forma de projeto de lei complementar, com ampla divulgação, consulta pública para o recebimento de sugestões e aprovação por maioria absoluta (art. 46, III e § 1º, da LOM); II) à demonstração do cumprimento dos requisitos previstos no art. 14 da Lei Complementar Federal nº 101/00 (Lei de Responsabilidade Fiscal), quais sejam: II.I) estimativa de impacto orçamentário-financeiro para o presente exercício e os dois seguintes; II.II) atendimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias; II.III) comprovação de que essa ampliação da renúncia foi considerada na Lei Orçamentária Anual – LOA e de que não afetará as metas de resultados fiscais, OU de que há medidas de compensação no exercício em que deva entrar em vigor e nos dois seguintes, por meio do aumento de receita proveniente da elevação de alíquotas, ampliação da base de cálculo, majoração ou criação de tributo ou contribuição.

É o parecer, salvo melhor juízo.

Guaíba, 14 de fevereiro de 2023.

GUSTAVO DOBLER

Procurador

OAB/RS nº 110.114B

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14/02/2023 11:23:15
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