Câmara de Vereadores de Guaíba

PARECER JURÍDICO

PROCESSO : Veto Parcial n.º 002/2023
PROPONENTE : Executivo Municipal
     
PARECER : Nº 035/2023
REQUERENTE : #REQUERENTE#

"Veto Parcial ao Projeto de Lei do Executivo n.º 002/2023"

1. Relatório:

O Poder Executivo Municipal apresentou o Projeto de Lei do Executivo nº 002/2023 à Câmara Municipal, o qual “Dispõe sobre a concessão de até 35% (trinta e cinco por cento) de desconto para pagamento em parcela única do IPTU, exercício 2023”. A proposta foi aprovada por unanimidade em 26/01/2023. Remetida ao Executivo a Redação Final do projeto para a sanção em 27 de janeiro de 2023, foi protocolado na Câmara de Vereadores o Veto Parcial em 08/02/2023, tendo observado o prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento do Projeto, sendo encaminhado a esta Procuradoria Jurídica para parecer.

2. Mérito:

Preliminarmente, quanto ao instituto do veto, esse mecanismo está disposto no art. 66, §§, da Constituição Federal e simetricamente no art. 15 da Lei Orgânica Municipal, os quais estabelecem, verbis:

CF/88

Art. 66. A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará.

§ 1º Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto.

§ 2º O veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 3º Decorrido o prazo de quinze dias, o silêncio do Presidente da República importará sanção.

§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores.              (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013)

§ 5º Se o veto não for mantido, será o projeto enviado, para promulgação, ao Presidente da República.

§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final.

Lei Orgânica Municipal

Art. 45. Se o Prefeito julgar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, poderá vetá-lo total ou parcialmente, no prazo de 15 (quinze) dias úteis, contados da data do recebimento.
§ 1º O veto será sempre justificado e, quando parcial, abrangerá o texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.

§ 2º As razões aduzidas no veto serão apreciadas no prazo de 30 (trinta) dias, contados do seu recebimento, em única discussão e votação, somente podendo ser rejeitado pela maioria absoluta dos Vereadores.

§ 3º Esgotado, sem deliberação, o prazo previsto no parágrafo anterior, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas, até sua decisão final, as demais matérias.

§ 4º Se o veto for rejeitado, o projeto será enviado ao Prefeito, em 48 (quarenta e oito) horas, para promulgação.

Na lição lapidar de Anderson de MENEZES (1999, p. 321), “o veto, submisso o instituto à semântica da palavra, que vem do verbo latino ‘vetare’ (vedar, proibir, impedir que se faça alguma coisa) e está na primeira pessoa do singular do presente do indicativo, consiste em atribuir-se ao chefe do executivo, por tais ou quais motivos, a competência para opor-se à conclusão da feitura da lei, forçando a respeito nova deliberação legislativa”. O veto é um ato político, caracterizando-se como instrumento do sistema presidencialista pelo qual o chefe do Poder Executivo discorda de projeto de lei já aprovado na Casa Legislativa. Aposto, a Casa Legislativa deverá fazer um novo exame da matéria, derrubando ou não o veto. “’Veto’ é o modo de o Chefe do Executivo exprimir sua discordância com o projeto aprovado” (SILVA, 2000, p. 527). Ele deverá ser fundamentado, ou seja, o presidente deverá apresentar as razões que o levaram a discordar do projeto, podendo ser a sua inconstitucionalidade ou razões de interesse público.

Paulo e Alexandrino (2003) lecionam, ademais, que a doutrina dominante entende que o Chefe do Executivo pode vetar, total ou parcialmente, inclusive, projeto de lei de sua iniciativa que tenha sido aprovado pelo Poder Legislativo sem nenhuma alteração, como no caso em análise.

Marco Antônio Striquer Soares em sua doutrina ensina que “O veto por interesse público, ou por inconveniência, tem servido para adequar a produção legislativa ao programa de governo proposto pelo Executivo. Isso porque o interesse público do Estado é aquele dito por quem foi eleito pelo povo para propor e desenvolver um programa de governo” (Brasília a. 40 n. 159 jul./set. 2003, p. 241).

Quanto às razões do veto, de acordo com o Prefeito, este se justifica pelo fato de que “Em análise, a alteração proposta nada mais fez do que, indiretamente, alterar a data final de vencimento da parcela, ou ainda, trouxe duplicidade das datas de vencimento, podendo causar confusão ao contribuinte e ainda gerar embaraços operacionais, ao passo que além de demandar parametrização de sistema para viabilizar essa data de vencimento “congelada” para o mês seguinte, que embora possa parecer simples, demandaria prazo maior do que o planejado para o início dos lançamentos. Importante mencionar que tal atraso para viabilizar os lançamentos no sistema poderia diminuir o número de parcelas, acarretando o aumento do valor de cada parcela ao contribuinte, consequentemente diminuindo o desconto final. Desta forma, notadamente as constantes na proposta original deste Poder Executivo foram definidas observando a programação contábil, o planejamento da Secretaria de Fazenda e as demais variantes que são impostas para que a execução e operacionalização não apresentem contratempos, refletindo em direto prejuízo ao contribuinte e invariavelmente ao Executivo Municipal. Há ainda que se levar em consideração que a última parcela, em sendo mantido o texto, vencerá em 08 de janeiro e tal situação inviabilizará os lançamentos do exercício de 2024, inclusive os repasses para a Câmara relativamente ao duodécimo que depende da abertura do orçamento, já que o pagamento daquela parcela poderá ser efetuado através de rede bancária até o dia oito de janeiro e esta enviará os dados somente depois do dia nove de janeiro. Ademais, a atual redação não prevê a não incidência da correção da UFIRM na última parcela, caso o pagamento venha a ocorrer depois do dia 31.12.2023 e isto, sem sombra de dúvidas, não é o interesse da Administração, tampouco do Legislativo, já que ambos querem a melhor solução para os contribuintes e sem onerar os mesmos.”

Destarte, trata-se de veto por razões de interesse público, na conformidade da norma insculpida no art. 45 da Lei Orgânica Municipal.

Importante aspecto acerca do Veto Parcial é a sua consequência, tendo em vista que parte do projeto ficará retida no Legislativo e parte poderá ingressar no mundo jurídico:

“O veto total, por abranger todo o projeto, envolve o seu reexame total, como é óbvio. Mas o veto parcial – e nisso está uma particularidade do Direito brasileiro – apenas obriga o reexame da parte vetada, enquanto o restante do projeto, que está sancionado, deve ser promulgado e entra em vigor após a publicação, mesmo antes da reapreciação da parte vetada” (FERREIRA FILHO, 1999, p. 197)

André Correa de Sá Carneiro, em sua obra “O Veto Parcial no Sistema Constitucional Brasileiro” (2009) leciona que o direito brasileiro admite o procedimento de haver sanção e promulgação da parte não vetada, fazendo, contudo, alerta quando da utilização desse procedimento em se tratando de matérias sensíveis:

Diferindo completamente do Direito argentino, o veto parcial não suspende a entrada em vigor na parte não vetada. Somente a parte vetada é sujeita a reapreciação do Congresso Nacional, enquanto a restante é sancionada, promulgada, publicada, passando, então, a viger. Daí decorre que, uma vez derrubado o veto parcial, segue o texto dessa parte para promulgação, publicação e entrada em vigor, o qual ocorrerá em data posterior ao do texto não vetado, acarretando, portanto, duas datas de vigência para a mesma lei: uma da parte sancionada e outra da parte cujo veto foi rejeitado.

A imediata entrada em vigor da parte não vetada, que é possível no Direito brasileiro, apresenta vantagens, mas também desvantagens graves. Sem dúvida, é vantajoso que as disposições estabelecidas pelo Congresso e aprovadas pelo Presidente possam desde logo ser aplicadas. Todavia, se superado o veto, ocorre o inconveniente tantas vezes sentido entre nós de uma mesma lei ter vigorado com um texto (o da publicação sem a parte vetada, até a publicação do texto com a parte que fora vetada incluída) e passar a vigorar com outro texto. Esse inconveniente tem até provocado a prática esdrúxula de a parte vetada ser publicada com outro número, como se fosse outra lei. Dessa situação (em vigor a parte não vetada, pendente a parte vetada) resulta sempre incerteza sobre o alcance e o verdadeiro sentido da lei, o que redunda necessariamente em insegurança jurídica (FERREIRA FILHO, 2002, p. 224, grifos nossos).

Nesse sentido, trazemos à baila a recente decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Ordinário nº 706.103 – Minas Gerais, de relatoria do E. Ministro Luiz Fux, em que se discutiu, com fulcro nos §§ 2º, 5º e 7º do art. 66, bem como do § 2º do art. 125, ambos da CRB, a possibilidade, ou não, de promulgação, pelo Chefe do Poder Executivo, de parte de projeto de lei que não foi vetada, antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto.

Deste modo, na apreciação do Tema 595 pelo Excelso Supremo Tribunal Federal, foi fixada a seguinte tese de repercussão geral: é constitucional a promulgação, pelo Chefe do Poder Executivo, de parte incontroversa de projeto da lei que não foi vetada, antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto, inexistindo vício de inconstitucionalidade dessa parte inicialmente publicada pela ausência de promulgação da derrubada dos vetos”.

Cabe a transcrição da ementa da supracitada decisão do STF, a fim de evidenciar a competência do Chefe do Executivo, in casu, para opor veto parcial e sancionar a parte não vetada da norma:

“EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL (TEMA 595). DIREITO CONSTITUCIONAL. PROCESSO LEGISLATIVO. PROMULGAÇÃO, PELO CHEFE DO PODER EXECUTIVO, DE PARTE DE PROJETO DE LEI QUE NÃO FOI VETADA, ANTES DA MANIFESTAÇÃO DO PODER LEGISLATIVO PELA MANUTENÇÃO OU REJEIÇÃO DO VETO. POSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES OU ÀS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE PROCESSO LEGISLATIVO. REJEIÇÃO DO VETO PELO PODER LEGISLATIVO. AUSÊNCIA DE PROMULGAÇÃO DESSA SEGUNDA PARTE A INTEGRAR A LEI ANTERIORMENTE JÁ PROMULGADA. CARACTERIZAÇÃO DE OMISSÃO INCONSTITUCIONAL DOS PODERES EXECUTIVO E LEGISLATIVO (ARTIGO 66, § 7º, DA CRFB/88). SITUAÇÃO QUE NÃO INVALIDA A PARTE INCONTROVERSA E JÁ PROMULGADA DO PROJETO DE LEI APROVADO. AUSÊNCIA DE INCONSTITUCIONALIDADE DO ATO NORMATIVO IMPUGNADO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

  1. O poder de veto atribuído ao Chefe do Poder Executivo afigura-se como importante mecanismo para o adequado funcionamento do sistema de freios e contrapesos (checks and balances), ínsito a uma concepção contemporânea do princípio da separação dos poderes.
  2. A Constituição reconhece que a palavra final em matéria de processo legislativo cabe ao Poder Legislativo, razão pela qual lhe defere autoridade suficiente para rejeitar o veto do Executivo e aprovar o projeto de lei tal como originalmente aprovado (artigo 66, §§ 4º, 5º e 7º, da CRFB/88).
  3. A aposição de veto parcial implica o desmembramento do processo legislativo em duas fases distintas, eis que enquanto a parte não vetada do projeto de lei segue para a fase de promulgação, a parte objeto do veto retorna ao Poder Legislativo para nova apreciação, após o que será ou não promulgada, conforme o resultado da deliberação.
  4. A rejeição legislativa do veto acarreta o dever de sua promulgação (artigo 66, § 7º, da CRFB/88), cujo descumprimento caracteriza omissão inconstitucional dos Poderes Executivo e Legislativo frente à ausência de encerramento do processo legislativo.
  5. A caracterização dessa omissão inconstitucional atrai a possibilidade de controle judicial, todavia revela-se inapta a acarretar a promulgação automática dos vetos parciais derrubados, tampouco macula de inconstitucionalidade a parte anteriormente já sancionada e promulgada.
  6. Concluído o processo legislativo quanto a essa parte, a promulgação da parte incontroversa sancionada é medida de rigor, sem que exsurja qualquer vício de inconstitucionalidade, seja pela ausência de violação ao princípio da separação dos poderes, seja pela inexistência de ultraje às normas constitucionais relativas ao processo legislativo.
  7. In casu, é constitucional a Lei Municipal 2.691/2007 de Lagoa Santa/MG, eis que quanto à parte inicialmente promulgada foram fielmente atendidas as etapas do procedimento legislativo, suprida a omissão inconstitucional quanto à parte restante pela superveniente promulgação da derrubada dos vetos, por ato posterior do Presidente da Câmara Municipal.
  8. Recurso extraordinário PROVIDO, com a fixação da seguinte tese de repercussão geral: “É constitucional a promulgação, pelo Chefe do Poder Executivo, da parte incontroversa de projeto de lei que não foi vetada, antes da manifestação do Poder Legislativo pela manutenção ou pela rejeição do veto, inexistindo vício de inconstitucionalidade dessa parte inicialmente publicada pela ausência de promulgação da derrubada dos vetos.”[1]

[1] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Teses de Repercussão Geral. Tema 0595. Recurso Extraordinário 706103. Data tese: 27/04/2020. Disponível em: <http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=752650395>. Acesso em: 11 fev. 2022.

3. Conclusão:

Diante do exposto, a Procuradoria opina pela viabilidade jurídica do Veto Parcial 002/2023, ao Projeto de Lei do Executivo nº 002/2023, por inexistirem vícios de natureza material ou formal que impeçam a sua deliberação em Plenário, devendo ser votado em 30 dias de seu recebimento, em única discussão e votação, considerando as exigências do § 2º do art. 45 da LOM.

É o parecer.

Guaíba, 13 de fevereiro de 2023.

 

 

FERNANDO HENRIQUE ESCOBAR BINS

Procurador-Geral

OAB/RS 107.136

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13/02/2023 10:57:49
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